Reprezentação à Academia Real das Ciências sobre a refórma da ortografia

Senhores.—Os abaixo assinados dirijem-se á academia real das ciências em cumprimento de um dever.

Numa reunião pública, celebrada nésta cidade em 23 do corrente, fôrão encarregados de, em comissão, pedir a éssa real academia que ocorra a uma necessidade que quázi só d'éla póde esperar satisfação; e vem dezempenhar-se do onrozo encargo.

Paréce-lhes ociozo aduzir argumentos para justificar o pedido. Não tendo a língua uma gramática e um dicionário que póssão dizer-se oficiais, não avendo nórma para a ortografia, nem para a pronúncia, e sendo isso o que se péde á academia, déve considerar-se desnecessária qualquér justificação.

O parecer de que ésta reprezentação vai acompanhada, contem um sistema de ortografia e um método de o pôr em prática, os quais avaliareis como merecêrem. Os abaixo assinados apenas esprímem o dezejo e a esperança de que julgueis dever adòtal-os.

Dando pois ezecução á primeira parte da propósta que termina esse parecer, e que a mencionada reunião aprovou com escluzão das palavras—ou outro que julgue melhór, no cazo de rejeitar este—, os abaixo assinados pédem á academia real das ciências que, publicando uma gramática e um dicionário ao mesmo tempo ortográfico e prozódico ou ao menos um vocabulário, se digne preenxer éssa lacuna e satisfazer éssa necessidade que todos reconhécem e sêntem,—a de uma ortografia nòrmal.

Não pódem porem deixar de xamar a vóssa atenção para a alteração aludida, que a reunião onde fôrão eleitos, fês no parecer da comissão. Por éla vê-se que a opinião d'aquéla assembleia é, que a refórma a realizar na ortografia déve ser em sentido sónico.

Dignai-vos acreditar, senhores académicos, em nóssos sentimentos de consideração e respeito.

Porto, 26 de dezembro de 1878.==Adriano de Abreu Cardoso Machado, prezidente==Conde de Samodães==Manuel Felippe Coelho==Agostinho da Silva Vieira==Jozé Barbóza Leão.

Parecer da comissão de refórma ortografica editar

Senhores.—Reconhecendo o estado anárquico da nóssa ortografia, e que é precizo fazêl-o cessar, nomeastes em reunião de 27 de maio uma comissão, encarregada d'estudar e propor-vos os meios de alcançar esse desideratum; o qual só póde conseguir-se dotando a língua com uma ortografia nòrmal.

Aceitando uma parte dos eleitos o espinhozo mas onrozo encargo, a comissão constituiu-se. E ao encetar os seus trabalhos ofereceu-se-lhe, como questão prévia, determinar qual o dezenvolvimento que deveria dar-lhes.

Efètivamente alguem podia entender que éla teria satisfeito propondo simplesmente, que se reprezentasse á àutoridade competente para que determinasse aquéla ortografia, e fizésse com que só éla fosse ensinada nas escólas, e empregada nas repartiçõis públicas assim como nas tipografias e litografias da sua dependência em tudo que tivésse carátèr oficial. Outros podíão julgar que se devia ao mesmo tempo pedir, que a ortografia determinada fosse o mais simples possível: a fim de que o aprender a ler e escrever se tornasse por esse módo tão fácil, como póde realmente. E podia tambem querer-se, que se lhe propuzésse a ortografia que devia ser adòtada.

Teve portanto de rezolver ésta questão, depois de a estudar sôb este tríplice módo de ver.

Pareceu-lhe porem, que uma pouca de reflèção bastava para se pôr de parte a primeira ideia. Todos sábem a consideração que em jeral merécem, e os rezultados que é costume alcançárem, reprezentaçõis d'éssas em assuntos d'ésta natureza; e a comissão não podia acreditar que ficásseis satisfeitos com uma propósta que não teria utilidade prática. Assim como lhe pareceu que a segunda ideia, sendo sujeita aos mesmos inconvenientes, devia ser pósta de parte como a primeira.

Julgou pois, que éra seu dever tomar no sentido mais amplo a missão que recebera, e dezempenhal-a néssa conformidade; isto é, no sentido de se indicar a ortografia, que deveria pedir-se que fosse estabelecida como ortografia nòrmal. Éra árdua a taréfa, mas não podia declinal-a.

Neste ponto, a comissão teve de reconhecer que a ortografia portugueza não podia deixar de ser etimolójica, sónica ou mista.

Óra, a mista é a ortografia que temos e cuja refórma se reclama jeralmente; e por mais que a sistematizássemos, pareceu á comissão que não seria possível obter-se uma ortografia como déve dezejar-se que tenhâmos. Seríão precizas muitas régras com muito numerózas eicèçõis, ficando ainda muitas couzas sem ser reguladas; de módo que o conhecimento da ortografia tornar-se-ia tão difícil de alcançar, como é o de algumas artes e ciências. Suceder-nos-ia como aos francezes, que, apezar de tantos trabalhos e tão àutorizados como são os da sua academia, tem ainda uma ortografia que, em parte tambem pelas dificuldades peculiares da língua, se não considéra digna d'aquéla nação culta.

Restava portanto tomar por baze da ortografia que se propuzésse, ou a etimolojia ou a pronúncia.

A respètiva escolha éra o ponto mais grave da taréfa a cargo da comissão. Tratou por isso d'esclarecer-se bem a esse respeito; e entre outras couzas, procurou conhecer o jénio da língua, àlem d'outros meios pelo da sua istória, a fim de guiar-se por ele.

Veja-se pois, que é o que sobre o assunto nos dis a istória.


 


A istória ensina, que o português primitivo, a língua do berço da monarquia (Entre Douro e Minho), a que falávão os senhores e ómens d'armas que ajudárão Afonso Enriques a fundar este reino, éra uma mistura da linguájem rude dos aboríjenes (mistura tambem) e do latim bárbaro das lejiõis românas,—mistura alterada com elementos introduzidos pelos conquistadores do nórte, principalmente os suévos e vizigódos, e tambem pelos sarracenos, e alterada ainda, depois de conquistado o sul, por motivo das relaçõis com os seus abitantes já meio árabes e outros árabes verdadeiros, e, depois de estabelecida a capital em Lisboa, por cauza da colonização vinda de Marrócos e do grande número d'estranjeiros que concorríão ao seu porto, particularmente os cruzados muitos dos quais aí ficárão; bem que móstre que predominava o elemento latino, pelo muito que se encarnara na Península o módo de ser dos românos, por ser o latim a língua dos atos religiózos e das relaçõis com Roma e com os outros governos da Európa, e porque os sacerdótes érão quázi os únicos ómens de letras no país. Assim como nos ensina que esse amálgama éra apenas língua falada; porque pouco ou nada se lia e escrevia, visto que o elemento burguês apenas se fazia sentir, e os senhores só cuidávão de armas, desdenhando até o saber ler e escrever,—erro de educação que durou em parte até não muito lonje de nós.

Póde pois imajinar-se o que éra o português d'éssas épocas, e atésta-o o muito pouco que d'ele résta. Póde dizer-se que não se escrevia; e falava-se um português tão simples, quanto érão simples os ómens e a vida que vivíão.

A istória móstra que foi assim, até que no fim do século XIII D. Dinís, esse modelo de reis, criou em Lisboa as escólas jerais, começo da universidade, que depois tanto se tem ilustrado em Coimbra. Mas móstra ao mesmo tempo, que isto não fês mais que àumentar o predomínio do latim; porque para as escólas jerais e depois para a universidade viérão vários professores estranjeiros, jente muito versada no latim que éra a língua dos ómens de letras, e viérão tambem os compêndios das universidades estranjeiras que érão todos em língua latina. E as escólas que D. Dinís e seus sucessores estabelecêrão fóra d'alí, érão ou de primeiras letras onde só se ensinava a ler e escrever, ou de gramática latina, sendo lá absolutamente desconhecida a gramática portugueza,—circunstáncias que sòmente cessárão no fim do segundo quartel do prezente século.

E as escólas jerais e a universidade criárão os ómens de letras que, com o andar do tempo, fixárão a língua e lhe determinárão a ortografia, a qual, como éra natural, aferírão pelo latim, dando lugar a Càmõis poder dizer:

E na língua na qual quando imajina, Com pouca corrução crê que é latina. Se é que póde dizer-se que foi determinada uma ortografia, tendo cada clássico e cada lèccicógrafo ortografado a seu módo.

Com tudo a istória ensina tambem, que a nação continuou a falar a sua língua, aceitando sòmente os aperfeiçoamentos que recebia a gramática, e modificando racionalmente a prozódia. Éssa língua alatinada pela ortografia que se estabeleceu, ficou circunscrita aos impréssos e á escritura dos eruditos, sendo apenas falada por alguem que queria afètar de sêl-o.

Em fim éla ensina que por isso, apezar do latim continuar dominando como senhor, apezar da gramática latina continuar a ser a única professada oficialmente, limitados sempre os professores d'instrução primária ás xamadas primeiras letras, a linguájem falada foi sucessivamente ganhando vitória sobre vitória contra a linguájem escrita. O que se escrevia e imprimia em 1836, aí está para demonstrar como já se axava alterada a ortografia estabelecida nos séculos XV e XVI.

E pela sua parte o prezente móstra a todos, quão fecundo foi o impulso dado pelas leis sobre instrução publicadas néssa época recente, e qual o rezultado d'élas e de outras que viérão depois, principalmente as de 1844. Oje temos nos liceus um curso muito dezenvolvido de português, e em quázi todas as escólas primárias se ensina alguma couza de gramática portugueza. Quanto á latina, de que em outro tempo avia uma cadeira quázi em cada concelho, basta dizer que, fóra dos liceus, os distritos de Leiria e Béja, por ezemplo, tem cada um a sua, e o de Lisboa tem duas; e os dicionários aprezêntão próvas irrecuzáveis de quanto vai diminuído o respeito pela etimolojia latina.

Desde muito, finalmente, que o latim deixou de ser a língua das relaçõis internacionais. Quando este âno o mundo católico acudiu ao Vaticâno a celebrar o meio centenário do venerável bispo d'Imola, oje assentado na cadeira de S. Pedro, fôrão bem raros os discursos e missivas em latim. Apenas de Roma vem ás nóssas xancelarias diplomas néssa língua, mas que são dados ao público em português. Passárão de móda as apóstrofes e sentenças latinas, com que d'antes se apimentávão entre nós os discursos e escritos; e até já os prègadores quázi si limítão a dar em latim o tema dos sermõis. De módo que, se ele não fora a língua dos ofícios divinos e preparatório obrigado para os estudos superiores, teria já partilhado a sórte das línguas mórtas; e vel-o-íamos em bréve a par do grego, de que temos apenas três ou quatro cadeiras, que muito poucos alunos freqüêntão: como o móstra a d'ésta cidade, onde no âno passado se matriculárão dois, e este âno nenhum.


 


Em vista pois de tudo isso que dis o passado e móstra o prezente, a decizão da comissão axava-se determinada por si mesma. A influência do latim está mui decadente, e o português afirma nóbre e dezassombràdamente a sua vitalidade e direito a pléna emancipação. A nóssa língua tem feito regulàrmente a sua evolução na pronúncia, constituindo-se aquí em compléta independência; tentou-se por vezes tornal-a tambem independente na escritura; e foi isto conseguido em parte pela própria força das couzas. Parecia pois não se poder deixar de realizal-a complètamente, ao tratar-se de dar-lhe uma ortografia nòrmal.

Entendeu portanto a comissão, que xegara o momento de estabelecermos a pléna independência da língua em matéria ortográfica; fazendo com o latim, o que os latinos fizérão com o grego. O latim recebeu intato do grego, o que se julgou apropriado á sua índole e circunstáncias; o que o não éra, mas se julgou apropriável, aceitou-se apropriando-o; o que se considerou inapropriável, rejeitou-se. É o caminho que já seguírão espanhóis e italiânos, e que em França se tem instado e insta para que seja seguido; e não crê a comissão que possâmos seguir outro.

O jénio da língua portugueza definiu-se já bem na sua evolução; língua do meio dia, repúgnão-lhe as asperezas que a acumulação de consoantes tórna inerentes ás línguas do nórte; a pronúncia jeral admite quázi só as consoantes necessárias á articulação das vogais entre si. Esse jénio pois, as circunstáncias àtuais da língua, a conveniência de facilitar o seu ensino, as tendências da época, etc., tórnão impossível o retrocésso, e forçozo adòtar a pronúncia como baze da ortografia.

Nem podia impedir a comissão, de o fazer, a pretendida incapacidade para reprezentar esse importante papel, de que os etimolojistas tem sempre acuzado e continúão acuzando a pronúncia, atribuindo-lhe uma estrema inconstáncia. Neste mesmo momento acaba de publicar-se em París uma muito erudita óbra, cujo àutor (G. Berchère), narrando os muito grandes e muitíssimo repetidos esfórços que em França se tem feito constantemente para estabelecer a ortografia sónica, se aprás em repetir todas as objèçõis que se lhe tem oposto; e néla se dis que «abandonada aos caprixos da pronúncia, a palavra é como um cavalo indócil sempre pronto a escapar-se», reclamando que para se assegurar a estabilidade da língua, aquéla se consérve «amarrada ao póste da etimolojia».

A comissão considéra ésta objèção sem valor. A pronúncia não é imutável; mas, se nós vemos entrar a miúdo palavras nóvas na língua, não vemos que se mude sensivelmente a pronúncia das que néla ezístem. E contra a mobilidade natural da pronúncia já se mostrou com a istória na mão, que não é a etimolojia barreira competente. Muito mais fórte barreira á-de ser o dicionário, onde éssa pronúncia seja determinada, assim como a ortografia; ele fixará uma e outra; ainda mais, ele concorrerá para a unificação da pronúncia, porque na escóla nòrmal se ensinará a pronúncia nòrmal, e os professores alí abilitados irão derramal-a em todo o país. Se a Academia, como assevéra o àutor citado, domina de tal módo aquéla volúvel França, que a sua submissão é tão compléta que éla fás passar por ignorante e sem educação literária todo aquele que cométe uma falta contra a ortografia recomendada pelo Dicionário, podemos ficar cértos de que os nóssos compatriótas, muito dóceis, menos vários e pouco recalcitrantes, se sujeitarão sem relutáncia e cumprirão fielmente as prescriçõis do dicionário que lhes dérem.

E não válem a seu ver, mais que este, os outros argumentos dos etimolojistas, que a comissão, como éra seu dever, ezaminou cuidadóza e concienciòzamente; entre os quais avulta o de se ficar inabilitado, adòtada a ortografia sónica, para utilizar os tezouros de saber encerrados nos livros escritos em ortografia etimolójica: com isso, esclâma o mesmo àutor francês, ficaria sendo uma mentira o pensamento de Pascal—que a umanidade é como um ómem que, subsistindo sempre, aprenderia sempre ao passo que envelhecia—. Em primeiro lugar quázi todos se limítão oje a ler as variadas publicaçõis da àtualidade; são da àtualidade quázi todos ou todos os livros por que se estuda nas nóssas escólas de todos os graus d'ensino; e os que vão consultar os vélhos abitadores das bibliotécas enfádão pouco os reprezentantes da nóssa literatura. Em segundo lugar um passo mais, no caminho já tão trilhado da transformação da língua, não nos levava tão lonje do estado prezente que se não pudésse fazer o que oje se fás. Nos dicionários d'agóra as palavras são bem diferentes do que fôrão em outras éras, e os literatos nem por isso deixão de entender os livros respètivos; do mesmo módo aconteria depois. A etimolojia lá estaria marcada no competente léccicòn; e num dicionário manual, bastaria pôr em parêntezis a palavra com a àtual ortografia, para ficar tudo remediado quanto aos livros modérnos: quem manuziava o dicionário, vendo sempre a palavra com ambas as ortografias, ficava conhecendo tão bem uma como outra.

Conseguintemente, a razão e a lójica aconselhávão á comissão a ortografia sónica, que é o progrésso; e decidiu adòtal-a em princípio.

Avendo aceitado e tendo de propor o princípio, a comissão julgou dever estudar e propor tambem um método para ele ser levado á prática. Óra, a eicelencia da ortografia sónica deriva principalmente do seu princípio fundamental,—a unidade da reprezentação dos sons; isto é, cada som é segundo éla reprezentado sòmente por um sinal, e cada sinal reprezenta unicamente o seu respètivo som. Éra tal princípio, por conseguinte, um ponto de partida forçado; e para aplical-o, tornava-se tambem forçozo determinar o número de sons elementares que avia a reprezentar, e os sinais mais próprios para éssa reprezentação.

Passando pois a estudar este momentozo assunto, éla teve de decidir-se sobre a pronúncia que devia tomar por nórma; e pareceu-lhe que, para este e para quàisquér outros pontos relativos a pronúncia, devia pôr de parte tanto a d'aqueles que são mais ou menos analfabétos, como a dos eruditos apàixonados pelas raízes etimolójicas que quérem que a pronúncia se subordine á ortografia em vês d'ésta se subordinar àquéla, e que devia aceitar como pronúncia nòrmal a dos que lem e escrévem mais ou menos regulàrmente, a qual é tambem a da màiór parte dos eruditos. E do seu estudo, assim como do ezame do nósso alfabéto, concluiu o seguinte:

1o. Que os elementos da nóssa prozódia são 10 sons vogais simples, isto é—a aberto, fexado e surdo,—e abérto, fexado e surdo,—i,—o abérto e fexado,—u—; os quais se fázem ouvir, o a fexado na primeira sílaba de gâmo e os outros no fim das seguintes 9 palavras: òlá cóva, café mercê vide, ali, cipó avô, tu. (O som de—o—surdo é igual a—u—brève).

Que d'esses sons recébem a entoação nazal cinco,—a abérto, e e o fexados, i, u—, como se vê da primeira sílaba d'éstas 5 palavras: lança, pênte, tinta, pônte, mundo.

Que temos 11 ditongos ou sons vogais compóstos, isto é, ái, áu, éi éu, iu, ói, ui, ei eu, oi ou; do que dão ezemplo as palavras: ráiva Páulo, cordéis arpéu, feriu, bóia, ruivo, peito feudo, boi Vouga.

Que não averá dúvida quanto á subjuntiva de todos estes ditongos, nem quanto á prepozitiva dos primeiros 7, mas que póde avêl-a quanto á dos 4 últimos; a qual a comissão entende não ser e fexado para os 2 primeiros nem o fexado para os segundos, mas um som intermédio entre o som abérto e o som fexado de cada um.

Que d'esses ditongos recébem a entoação nazal ái áu, ei, oi, ui; como se obsérva por ezemplo nas palavras mãi mão, bem, põi, mui.

E que, àlem dos elementos vogais temos 20 consoantes ou articulaçõis, que são—be, ce, de, fe, o som gutural de g, je, le, me, ne, pe, qe, te, ve, xe, ze, rre, re, lhe, nhe, e o som sibilante que o s reprezenta no fim das sílabas, o qual se aprocima muitíssimo de ze; articulaçõis que se áxão respètivamente na segunda sílaba das 20 palavras seguintes: sébe, téce, póde, Fafe, dógue, oje, fóle, nóme, cóne, tópe, léque, póte, léve, peixe, onze, bérre, fére, mólhe, ganhe, bàús.

2o. Que o módo de reprezentar os sons vogais, racionalmente e em armonia com o princípio da unidade de reprezentação, é aquele por que vão acima dezignados nos ezemplos, á parte as vogais acentuadas e algum sinal por meio do qual se queira notar que e, prepozitiva de ei eu, e o, prepozitiva de oi ou, reprezêntão sons especiais; adòtando-se, como sinal de entoação nazal, unicamente o acento nazal ou til.

E que a maneira mais racional de reprezentar os consoantes ou articulaçõis, é tambem aquéla por que vão dezignados, isto no que tóca aos 15 primeiros e ao último e tambem ao som brando do r; pois que o som áspero d'ésta letra, assim como as articulaçõis lhe nhe, dévem ter sinais próprios e únicos.


 


Ora, em vista d'éstas concluzõis, a comissão julgou dever seu propor as duas seguintes colèçõis de régras, que constitúem um sistema compléto para levar á prática a ortografia sónica em toda a sua pureza, quando no futuro isto seja realizável, unicamente com ésta restrição: que os nómes de línguas estrânhas, em quanto não são nacionalizados, se emprégão tais quais são na língua respètiva, sendo os apelativos sublinhados no mànuscrito e póstos em itálico nos impréssos.

E advérte que coordenou as régras de cada uma, segundo a facilidade com que entende que as alteraçõis que encérrão, pódem ser aceitas pelo público; isto é, em armonia com o módo, pelo qual a refórma se poderá ir ezecutando, que vai indicado no fim.

Régras relativas a vogais editar

1a.

Não se empréga—e—a reprezentar—i—nos ditongos; empréga-se—i—, escrevendo por ezemplo: pai navais amais, mãi cãis; dói erói, dóis-te faróis; foi bois, põi põis coraçõis; azuis.

2a.

Não se empréga—o—a reprezentar—u—nos ditongos orais; empréga-se—u—, escrevendo por ezemplo: pau bacalhau, céu véu, meu deu, viu feriu.

3a.

Não se empréga—y—a reprezentar—i—; empréga-se—i—.

4a.

Não se empréga—e—a reprezentar—ei—nos cazos da terminação—ea—(que outros escrévem—êa—e tambem—éa—), nos de sexto texto, etc., e nos de—ex—inicial em que é sílaba predominante ou seguido de—ce ci—, e tambem em ex-ministro, etc.; empréga-se—ei—, escrevendo por ezemplo: correia plateia, deistra seisto, eizito eicéto eicitar eis-ministro.

5a.

As vogais—a e o—abértos, que não são sílaba predominante da palavra, acentúão-se com acento grave (`): ezemplo, àcerca esquècer mòrdomo.

6a.

As vogais—a e o—abértos, bem como as vogais—i u—, acentúão-se com acento agudo (´), quando são a sílaba predominante; as vogais—a e o—fexados acentúão-se com acento circunfléço (^).

Eicètúão-se os cazos seguintes:

1o. Não se acentua a vogal em—al el—(eicéto nas palavras esdrúxulas) e nas terminaçõis—-ar ol—, em que é abérta; menos nos cazos como vêl-o pôl-o fazêl-a perdêl-os comêl-as, em que é fexada.
(Nos cazos como ámal-o fázel-a pérdel-as, amal-o-ei sel-o-á perdel-a-ia, pol-o-ias, etc., é surda).
2o. Não se acentua a vogal nas terminaçõis—il ul ir ur—; e nas terminaçõis—-er or—, quando é fexada; eicéto no vérbo pôr. (Acentua-se quando é abérta. É surda unicamente nas prepoziçõis per por).
3o. Não se acentua o—a—dos ditongos—ái áu—nos monossílabos e na sílaba final; e na primeira sílaba, em palavras de duas, quando for surda a vogal da última, como em caixa caixas baixo baixos baile bailes cauza cauzas auto autos fraude fraudes.
4o. Não se acentúão, em penúltima sílaba, as vogais nazaladas nem—-a—-abérto e—e o—fexados nem—i u—, quando for surda a vogal da última; menos—i u—nos cazos como saída faísca saúde balaústre reúne miúdo ruído e semelhantes, para evitar que se faça ditongo.

7a.

Não se empréga—u—depois de—g—e de—q—quando é nulo.

8a.

Não se empréga—e—a reprezentar—ei—nos cazos de—em en—, como em bemaventurado bemdito Bempósta àlem-mar semsaboria, tem tens, desdem desdens, imájem imájens; empréga-se—ei—nazal.

9a.

Não se empréga—o—a reprezentar—u—em—au—nazal; empréga-se—u—, escrevendo por ezemplo: mãu sòtãu barãu, âmãu amárãu amarãu.

10a.

Para reprezentar os ditongos orais emprégão-se caratéres próprios, formados das duas respètivas letras ligadas convenientemente.

11a.

Para reprezentar os ditongos—ai au ei oi ui—nazais, emprégão-se sinais próprios, formados das duas letras com o til a abranjêl-as ambas.

Dos ditongos—au ei—averá carátèr longo e bréve. O carátèr longo terá um acento agudo a cortar o til.

12a.

Não se empréga—e—a reprezentar—i—; empréga-se—i—, escrevendo por ezemplo: ifeito infermo irmida, istudo iscavar, imposto izâme, rédia côdia ólio, passiar isbofetiar.

13a.

Não se empréga—o—a reprezentar—u—; empréga-se—u—.

14a.

O som de—o—fexado será reprezentado por este mesmo sinal, e criar-se-ão sinais privativos para reprezentar—a e o—abértos e—a e—fexados.

15a.

Não se emprégão—m n—como sinal de nazalidade; empréga-se sòmente o til.

Régras relativas a consoantes editar

1a.

Não se dóbra nenhuma consoante.

2a.

Não se emprégão consoantes nulas; como são:

O—b—em substancial subtil, Job Jacob etc.

O—c—em acção factor, inspecção insecto, interdicção afflicto etc.

O—g—em augmento assignar, Emigdio Ignacio etc.

O—h—em habito humido, inhabil inhumano, theatro rhetorica, epocha parocho chlamide etc.

O—m—em damno solemne condemno hymno somno alumno etc.

O—p—em psalmo recepção inscripção adopção corrupção, prescripto adoptar corruptivel etc.

O—s—em sciencia, crescer nascer etc.

O—x—em excepto excitar etc.

3a.

Não se empréga—ph—a reprezentar a articulação—fe—; substitue-se por—f—.

4a.

Não se empréga—s—a reprezentar a articulação—ze—; substitue-se por—z—.

5a.

Não se empréga—x—a reprezentar a articulação especial que—s—reprezenta no fim das sílabas, como em duplex Felix, mixto sexto texto, excluir exposto etc.; substitue-se pelo—s—.

6a.

Não se empréga—x—a reprezentar a articulação—ze—, como em exame exemplo exito etc.; substitue-se por—z—.

7a.

Não se empréga—x—a reprezentar a articulação—ce—; substitue-se por—c—, escrevendo por ezemplo: mácimo àucílio flècível, reflèção conèção, flèçor refléço flèçura etc.

8a.

Não se empréga—z—a reprezentar a articulação especial de que fala a régra 5a.; substitue-se por—s—.

9a.

Não se empréga—ch—nem—k—a reprezentar a articulação—qe—; substitue-se por—q—.

10a.

Não se empréga—g—a reprezentar a articulação—je—; substitue-se por—j—.

11a.

Não se empréga—ch—a reprezentar a articulação—xe—; substitue-se por—x—.

12a.

Não se empréga—x—a reprezentar o som—qce—; substitue-se por—qc—.

13a.

Não se emprégão consoantes compóstas; o—lh—e o—nh—serão substituídos, cada um por um signal próprio e único.

14a.

Criar-se-á um segundo carátèr de—r—, para que cada um dos sons que ésta letra reprezenta, tenha o seu sinal privativo.

15a.

Não se empréga—s—a reprezentar a articulação—ce—; substitue-se por—c—-, conservando neste a cedilha antes de—-a o u—, em quanto for precizo para evitar que se pronuncie—qe—.

16a.

Não se empréga—c—a reprezentar a articulação—qe—; substitue-se por—q—.

Senhores, paréce á comissão que, embóra póssa não ser este, ao menos a alguns respeitos, o único módo de realizar a ortografia sónica, esse sistema déve ser considerado muito aceitável; paréce-lhe que quem o ezaminar com atenção, o admitirá sem relutáncia. Entretanto convem que diga alguma couza em apoio das alteraçõis que póssão càuzar estranheza por qualquér motivo, ou parecer menos justificadas.

A respeito de vogais, entende que a sua reprezentação onomatópica, como propõi, não póde ser rejeitada em princípio; quando muito poderá aver dúvida àcerca da ocazião de realizar uma ou outra das alteraçõis respètivas.

Não déve com tudo deixar de dizer algumas palavras a respeito das régras 12a. e 13a., por motivo do seu muito alcance; pois são inúmeras as palavras em que—e—reprezenta o som de—i—, e em que—o—reprezenta o som de—u—.

Todos reconhecerão que nos cazos em que—e—fás as vezes de—i—, acontéce que, se se quizésse dar-lhe o som de—e—surdo, a pronúncia éra forçada e dezagradável; dá-se-lhe pois o som de—i—, porque não póde ser de outro módo: escute-se a pronúncia, por ezemplo, de escrever espaço, escavacar esgotar, enfermo enjenho, área óleo, cabecear passear, e ficar-se-á cérto d'isso. A pronúncia reclama pois o—i—; e sucéde que a etimolojia o não repéle. Nos cazos como escrever escavacar cabecear, nada tem que ver a etimolojia, puzémos alí—e—-como podíamos pôr—i—; nos cazos como área óleo, é verdade que se ofende a etimolojia, sendo—e—substituído; mas nos de enfermo enjenho, etc., a substituição vinga a etimolojia ofendida, visto que o latim éra infirmus ingenium.

Sucéde outro tanto com—u—, que é inquestionàvelmente reclamado pela pronúncia. Á parte os cazos de—o—reprezentando—u—no princípio e meio das palavras, em que algumas vezes se ofende a etimolojia com a substituição, temos a considerar o—o—da sílaba final, que é o cazo mais importante, com cuja substituição não será ofendida e em inúmeros cazos será dezafrontada. Dízem jeralmente que os nómes portuguezes, derivados do latim, se formárão do ablativo e não do nòminativo, e que portanto em filho reino, por ezemplo, a raís é filio regno e não filius regnum. Acreditâmos que é assim, e concedemos que por conseguinte escrevendo filhu reinu se ofende a etimolojia; mas em tal cazo escrever pôrtu cúrsu é dezagravar éssa etimolojia, porque éra terminado em—u—o ablativo de portus cursus; assim como será dezagraval-a, se escrevermos por ezemplo amámus bebêmus vestímus, porque no latim tínhão—u—na sílaba final todas as vózes da 1a. pessoa do plural dos vérbos, o qual nós substituímos por—o—. Nóte-se porem que, escrevendo filhu reinu, não se ofenderá a etimolojia; averá a diferença da derivação se fazer do nòminativo e não do ablativo. Donde se conclue que a substituição do—o—pelo—u—, não será uma ofensa mas um dezagravo da etimolojia, ao passo que é uma omenájem á pronúncia.

Ségue-se pois que as duas substituiçõis são justificadíssimas; e se a comissão propõi o seu adiamento, é só por evitar a impressão desfavorável que receia que produzíssem, sobre tudo pelo aparecimento muito freqüente do—u—na sílaba final.

Alguem por ventura estranhará a eliminação do—y—. Tôdavia para justifical-a basta dizer, que éssa letra não reprezentava em grego o som—i—, mas sim um cérto som de—u—. Se nas respètivas palavras se mudou o som reprezentado, é racional que se mude o sinal reprezentativo. É em verdade singular, que se xame—i—grego e se uze como—i—, o que éra a letra—u—dos gregos.

Quanto á acentuação, a comissão está quázi cérta de que as suas indicaçõis não serão vistas sem alguma estranheza; porque, como os latinos não uzávão dos acentos, entende alguem que tambem os não devemos admitir.

Com tudo, se eles fôrão proscritos do latim, os gregos empregárão-nos superabundantemente. Álem dos acentos avia em grego os espíritos. É muitíssimo rara a palavra grega que não tenha acento em uma das três últimas sílabas; toda a vogal ou ditongo porque principia uma palavra, tem algum dos espíritos; nos ditongos põi-se o espírito e o acento sobre uma mesma vogal.

Vê-se portanto, que os gregos acentuárão tudo e que os latinos não acentuárão nada. A comissão julga pois, que faremos bem, se seguirmos um meio termo, acentuando tanto quanto for precizo; e por isso paréce-lhe que não deve ser rejeitada a sua propósta, tanto mais que as quatro eicèçõis poupão uma infinidade d'acentos, e se facilita assim a tranzição para o uzo dos caratéres nóvos propósos na régra 14a.: d'este módo, por meio de acentos e de régras que os dispênsão, fica determinado o valor de cada vogal. E com éssa inovação bem simples dezaparecerá uma grande dificuldade que os estranjeiros encôntrão ao aprender a nóssa língua, e que aos mesmos nacionais é grande embaraço para aprender, e para ler corrètamente.


 


Em fim, quanto ao número dos sons vogais, cumpre á comissão dizer o seguinte.

Admitiu o som de—a—fexado, por entender que o—a—predominante antes de—m n nh—tem esse som segundo a pronúncia mais jeral, com eicèção da terminação amos do pretérito dos vérbos em—ar—. O som abérto que muitos lhe dão, e que ele tem antes de todas as outras consoantes, é mais eufónico e mais bélo, mas uza-se menos; e a opinião dos que dízem que ésta e as outras vogais, naquele cazo, tem todas som nazal menos—e o—abértos, não paréce á comissão que póssa nem deva ser aceita.

Não ignóra que alguns úzão—e o—abértos com entoação nazal, dizendo escóndes escónde rómpes rómpe, véndes vénde séntes sénte; mas entende que ésta pronúncia não déve prevalecer, embóra—e o—abértos de entoação nazal sêjão menos fanhózos e portanto mais eufónicos que—e o—fexados, porque a pronúncia contrária é a do màiór número e a supressão dos dois sons nazais é uma simplificação apreciável.

Sabe que á muito quem não queira admitir o ditongo—ou—, dizendo que nos cazos respètivos o som vogal é o de—o—fexado; mas não crê que seja assim, pois axa notável e óbvia diferença de som nas primeiros sílabas de coro lobo e últimas de avô Pàssô por ezemplo, e nas de couro louvo, lavou passou: no primeiro cazo á som de—o—fexado; no segundo, de ditongo—ou—, muito mais eufónico e agradável que aquele. Bem como sabe, que á quem uze este ditongo em lugar do—o—fexado nos cazos como bôa corôa, sôa pavôa; mas julga que este uzo déve rejeitar-se por não ser o jeral.

E sabe igualmente que se tem sustentado, que nos ditongos nazais só a prepozitiva tem entoação nazal; éssa ideia porem, a seu ver, é errónea,—os ditongos nazais não se fórmão juntando uma vogal oral a uma nazal anterior, mas sim dando entoação nazal a um ditongo oral.

Assim como, a este propózito, déve notar que não desconhéce cértas pronúncias, sobre as quais xama a atenção para que sêjão emendadas, por viciózas que são segundo crê. Por um lado alguem sustenta, que—e—predominante, antes de—lh—, tem som de—a—fexado na pronúncia jeral, e se dis por ezemplo cançâlho sâlha abâlha e não concêlho sêlha abêlha (o que éla não considéra aceitável); bem como sustenta que «em todas as sílabas não acentuadas é o—a—fexado, eicéto nas finais em que é mudo». Por outro lado, á quem tróque o—e—fexado por—ei—antes de—j lh nh—, dizendo por ezemplo igreija teilha leinha—em vês de dizer igrêja têlha lênha.

A comissão não póde crer que o primeiro—a—de batalha, por ezemplo, seja diferente do último, ou que sêjão divérsos os últimos aa de sáfara. E do mesmo módo, entende que não á motivo para que o—e—predominante, que póde ser fexado antes de todas as outras consoantes, o não póssa ser antes de—j lh nh—em cértos cazos, e se pronuncie—ei—contra a pronúncia jeral.

E cumpre notar ainda outra pronúncia que fora bom corrijir: é a do ditongo—ão—nos nómes que oje fórmão o plural em—ões—, e nas respètivas vózes dos vérbos. Muitos pronuncíão bordão tacão timão portão amarão, etc., como se o ditongo fora—ou—nazalado; óra este ditongo é muito menos eufónico e bélo do que o outro, pelo que déve ser rejeitado: e assim o ditongo—ão—déve sempre pronunciar-se como se pronuncia em mão irmão tão cão.

A propózito d'isto dirá tambem, que pensa ter ido confórme com a pronúncia jeral, considerando que em—ex—inicial—e—não reprezenta—ei—senão onde é sílaba predominante como em exito, ou onde ao—x—se ségue—ce ci—como em exceto excitar, e no cazo de ex-ministro ex-deputado, etc. Próvão-lho a sua observação, as muitas palavras onde o—x—já foi substituído, como izenção estranho espremer, etc., etc., e a opinião de gramáticos àutorizados, que dízem que a pronúncia é ezacerbar ezemplo ezistir ezórdio.

Por último dirá, que o emprego do til como único sinal de nazalidade, muitíssimo racional a todos os respeitos, não lhe paréce que póssa ser rejeitado; até porque se recomenda pelas facilidades que trará á leitura do mànuscrito,—vantájem que advirá igualmente da supressão do—u—e demais letras nulas.


 


Com relação a consoantes, a comissão julga que as refórmas que propõi, são tambem de todo o ponto justificadas. A evolução por meio da qual se constituiu a língua como oje a falâmos, operou-se suprimindo e transformando por todos os módos e em todos os sentidos. Móstra isso uma infinidade de palavras, e bástão a proval-o estes poucos ezemplos: de actio c[oe]sius crates faba ficus lupus lutum nunquam pluvia pr[ae]da quinque ratio, angelus bubulcus coquina cymbalum cytisus germanus mespilum miscere pustula sacellum sanare vagina videre, apotheca auricula caveola invidia quiritare infundibulum, fizémos acção gazeo grade fava figo lobo lodo nunca chuva presa cinco razão anjo bifolco cozinha timbales codeço irmão nespera mexer bostella capella sarar bainha ver adega orelha gaiola inveja gritar funil.

Óra, éssa evolução está pela màiór parte já tambem operada na escritura. As alteraçõis propóstas são o seu complemento; e constituirão os dois grandes progréssos—a unidade da reprezentação dos sons e a conformidade da linguájem escrita com a linguájem falada—reclamados pela necessidade de tornar fácil ao povo a aquizição da instrução que se quér que ele tenha, poisque com eles se aprenderia a ler em muitíssimo menos tempo do que oje se gasta. E o pouco que résta fazer, está àutorizado de um módo irrecuzável pelo muito que se axa feito.

Alem d'isso a refórma nésta parte tambem se não aprezentará menos justificada a quem a quizér considerar nas diferentes ipótezes; como passa a mostrar-se a respeito das principais d'entre élas.

A comissão votou unànimemente a supressão das letras nulas; e julga que com razão o fês. Tais letras são motivo de grande confuzão e portanto um grande embaraço; porque todas élas, em circunstáncias idênticas, umas vezes são nulas, outras não (menos as dobradas que o são sempre), sem ser possível dar régras que satisfáção, para indicar quando o são ou deixão de ser. E tem unicamente valor etimolójico,—valor esse iluzório e sem importáncia, porque a etimolojia não fica perdida com a sua supressão, como não se perdeu a d'éssas muito numerózas centenas de palavras cujas raízes se áxão alteradas; em quanto que os embaraços a que dão cauza, são um mal muito grande e muito real e pozitivo.

Por contemporizar com ábitos e sucètibilidades, póde aceitar-se o adiamento da supressão do—u—-nulo, visto poder dar-se régra cérta que indique a sua nulidade; porque depois de—q—nenhuma outra razão póde motivar a sua conservação. Pois se os latinos o uzávão, pronunciávão-no, como oje o pronuncíão sempre os italiânos; e se os francezes, e até os espanhóis, o emprégão sem o pronunciar, é por um méro caprixo que não devemos seguir.

Por esse mesmo motivo a comissão lembrou-se de se adiar tambem a supressão do—h—inicial, mas por fim não lhe pareceu justificada éssa rezolução. Paréce provado que o—h—, que nunca foi uzado pelos gregos, éra para os latinos simplesmente sinal d'aspiração. Por isso juntávão-no ao t, ao p e ao c, para reprezentar téta, fi qi, consoantes mudas aspiradas do alfabéto grego, e tambem ao r nas palavras tomadas do grego em que ésta letra éra aspirada; e para que fosse aspirada a vogal seguinte, o empregávão no começo das palavras,—razão por que escrevíão por ezemplo hora, palavra tomada do grego onde éra ora. E assim compreende-se que os francezes o empréguem no começo d'aquélas palavras cuja primeira vogal aspírão, e ainda se compreende o seu emprego em espanhol, visto uzar-se a aspiração respètiva em algumas províncias do reino vizinho; mas nós que não aspirâmos nenhuma vogal inicial, é lójico que suprimâmos esse inútil sinal d'aspiração, evitando os embaraços que rezúltão do seu emprego.

A comissão, a propózito da supressão do—h—no vérbo haver, discutiu os inconvenientes da anfibolojia produzida pelas omonímias; assim como discutiu a ezistencia do—h—nas interjeiçõis hui ah oh, onde paréce aver quem admite aspiração. Óra, quanto á anfibolojia, impórta considerar que as omonímias que proviríão da refórma, são nada em comparação das que ezístem já na língua sem ninguem sentir os inconvenientes da supósta anfibolojia d'élas rezultante; que na pronúncia não á meio d'evitar esses inconvenientes, que alguem se aprás em recear; e que na escritura, melhór que na fala, indica o sentido qual é a significação da palavra, se ésta a tem dupla ou múltipla: se por ezemplo se escrever—ás á, avias avia, avíão, ouve—, em vês de—has ha, havias havia, havião, houve—, ninguem desconhecerá quando respètivamente se trata do vérbo haver, ou da craze da prepozição a com o artigo as a, do vérbo aviar e do vérbo ouvir. Em quanto ás três interjeiçõis, no cazo de decidir-se que á aspiração, seria melhór indical-a pondo na vogal o espírito áspero dos gregos—uma vírgula ás avéssas; mas a comissão não vê razão por que a aja, nem lhe paréce que aja com efeito, e tão pouco julga conveniente avêl-a, porque a sua aspereza tornaria a interjeição menos eufónica.

Em fim, a respeito do fato da nulidade das letras, sucitárão-se dúvidas quanto ao—x—, e ao—s—no meio das palavras. Porem um ezame reflètido móstra, que só em pronúncia afètada se fás ouvir o som sibilante que éssas letras reprezentaríão nas palavras respètivas, e que éssa pronúncia é forçada e tórna a palavra mais áspera, sendo por isso menos confórme ao jénio da língua. E o fato do—s—se não axar em documentos das primeiras éras da língua, e em livros de épocas menos remótas (de Càmõis, Fr. Luís de Souza, J. Freire de Andrade, Padre Vieira, etc.), e de não se empregar oje mesmo em várias d'aquélas palavras, é próva de que éssa letra tem sido e é nula na pronúncia jeral.

No que tóca á substituição de letras a fim de se xegar á unidade de reprezentação das consoantes, cumpre á comissão notar que, sendo éla reclamada pelo princípio fundamental da ortografia sónica, é ao mesmo tempo ezijida pela necessidade de remover os obstáculos que a reprezentação múltipla oferéce aos que aprêndem o português. Os dois sons de—c—de—g—e de—r—, os três de—s—e os cinco de—x—, são um martírio para professores e alunos d'instrução primária. E não á razão para que continuemos a suportar éssas dificuldades.

Com efeito, tendo o—j—que é sinal onomatópico da articulação—je—, por que não avemos d'empregar sempre esse sinal a reprezentar ésta articulação? Tendo da mesma sórte o—z—, sinal onomatópico de—ze—, não dis tambem a razão que reprezentemos sempre ésta articulação por aquele sinal? Dando nós ao—c—um nóme que é onomatópico da articulação—ce—, e empregando-o só por eicèção a reprezental-a, ao passo que o empregâmos a reprezentar a articulação—qe—no màiór número dos cazos tendo tambem para ésta um sinal onomatópico, não averá nisto um duplo absurdo? E a anomalia dos cinco sons do—x—é tambem injustificável. Os gregos tínhão ésta letra, a que atribuíão uma só reprezentação; os latinos adòtárão-na, e reprezentávão com ela a mesma articulação que os gregos. Por isso a comissão entende, que deveremos empregal-a unicamente a reprezentar a articulação da qual é para nós sinal onomatópico; nos demais valores déve ser substituída pelos respètivos sinais. E o mesmo julga a respeito do—c—; assim como julga que a boa razão manda que—s—fique reprezentando sòmente o seu som sibilante, que oje reprezenta talvês 99 vezes sobre 100.

A todas éstas substituiçõis só se póde objètar com a razão estimolójica, mas éla não reziste a um ezame reflètido. A comissão aprecia a etimolojia no que vale; não póde porem esquècer o que reclâmão outras consideraçõis, á frente das quais está a incalculável vantájem das estraordinárias facilidades que d'aquélas substituiçõis advirão a quem aprende o português. Alem d'isso a etimolojia não fica perdida; e como já foi indicado, o que se tem a fazer, é nada em comparação do que já se fês: ólhe-se para a série d'ezemplos das alteraçõis operadas, que acima se aprezentou, e ficar-se-á convencido de que as substituiçõis que se propõi e é precizo realizar, são uma simples emitação.

Quanto á criação de um carátèr privativo para um dos sons de—r—, e á reprezentação de—lhe—, assim como de—nhe—, por um carátèr único, parece-lhe que por si mesmas se justifícão; e mais justificada ainda se deverá julgar a criação dos nóvos caratéres para as vogais acentuadas: bem como julga irrecuzável a vantájem, que os que aprêndem a ler, axarão em sêrem os ditongos reprezentados por caratéres especiais. E do mesmo módo lhe paréce, que dispensa justificação a eliminação do—ph—; assim como a do—ch—em qualquér das suas duas reprezentaçõis (onde nada justifica o seu emprego), atentos os embaraços que ele prodús.


 


Finalmente a comissão, depois da espozição e demonstração feitas, julga dever acrecentar que, ao ezemplo que nos dérão espanhóis e italiânos, para a refórma que propõi, se junta outro vindo de mais alto e de mais lonje. Todas as consideraçõis lévão a crer, que a formóza língua da tão celebrada Grécia antiga tinha ortografia sónica. A prozódia grega contava 7 elementos vogais e 17 consoantes, e a sua ortografia 24 caratéres, um para cada um d'esses elementos privativamente; e com os acentos e espíritos sobre os caratéres, indicávão-se as variaçõis de quantidade e de tom: se se dobrávão letras, éra cèrtamente por que a pronúncia das letras dobradas diferia da das sinjélas, como acontéce em italiâno. Nem outra couza se devia esperar d'éssa tão douta nação, por isso que a unidade de reprezentação dos sons éra conseqüéncia lójica da substituição da escritura simbólica pela escritura alfabética,—razão ésta pela qual póde bem aceitar-se a opinião d'aqueles que pênsão, que tinha tambem ortografia sónica o sanscrito, o qual tanto está xamando a atenção dos filólogos.

Espéra pois, que se lhe não léve a mal ter-se tambem inspirado em ezemplo semilhante.


 


Senhores, pelo que se deixa dito, paréce manifésto que a ortografia sónica nos é impósta por todas as consideraçõis, ao tratar-se de dotar a língua com uma ortografia nòrmal. Mas, se á comissão isto paréce fóra de toda a dúvida, éla, como está já indicado e deixa compreendêl-o o próprio plâno acima transcrito, reconhéce ao mesmo tempo que a sua ezecução não póde ser operada imediàtamente por compléto. O ábito é uma segunda natureza, cujas leis é precizo respeitar; adqüire-se pouco a pouco, e é muito defícil perder-se de gólpe. O respeito pois pelos ábitos, tórna indispensável levar a refórma á prática passo a passo; mas a comissão entende que o primeiro passo póde ser largo. E determinar esse passo foi ponto difícil da sua taréfa, porque não queria ficar atrás do possível, mas tambem não queria ir àlem do realizável sem repugnáncia; querendo sobre tudo não deixar de remover, quanto ser pudésse, as dificuldades que a ortografia uzual opõi ao adiantamento dos alunos d'instrução primária, e facilitar assim, o mais possivel, aos portuguezes aprender a ler e escrever, e aos estranjeiros aprender a língua portugueza.

Óra, depois de maduro ezame a comissão está convencida, de que o primeiro passo a dar no caminho da refórma póde consistir na ezecução das refórmas parciais que encérra o primeiro dos três seguintes grupos de régras, e que dois passos mais, consistindo cada um na ezecução das refórmas de um e de outro dos dois grupos restantes, podíão levar a óbra a cabo.

1o. Grupo

As primeiras 6 régras relativas a vogais.

As primeiras 12 régras relativas a consoantes.

As seguintes régras de carátèr provizório:

1a. Quando—u—, precedido de—g—ou de—q—e seguido de—e—ou de—i—, se pronuncia, põi-se-lhe o trema (ü).
2a. A articulação—qe—é representada por—c—antes de consoante, antes de—a—, de—o—, e de—u—seguido de consoante, e antes do ditongo—ui—.
(Na reprezentação de—qce—virão a aparecer dois cc, mas ambos tem valor).
3a. Dóbra-se o—r—, sempre que entre vogais reprezenta o seu som áspero.
4a. Dóbra-se o—s—entre vogais, em quanto for precizo para evitar que se pronuncie—ze—.

2o. Grupo

As régras de No. 7 a 12 inclusive, relativas a vogais.

As régras No. 13 e 14, relativas a consoantes.

3o. Grupo

As restantes 3 régras relativas a vogais.

As restantes 2 régras relativas a consoantes.


 


Dado aquele primeiro passo teríamos já a melhór, ou pelo menos uma das melhóres ortografias da àtualidade; o que podereis verificar por meio d'este mesmo parecer, que, para poderdes decidir com verdadeiro conhecimento de cauza, a comissão julgou dever imprimir com éssa ortografia. Dado que seja este ùltimo, poderíamos dizer que tínhamos uma ortografia perfeita, quanto a perfeição é possível em couzas umânas.

Mas tal refórma é um cometimento muito difícil. Só póde abalançar-se a ele, confiando no rezultado, quem tenha para isso a àutoridade moral suficiente, como è a academia das ciências; a não ser que a imprensa periódica empreendesse a sua ezecução.

Por isso a comissão entende ter-se dezempenhado da missão que lhe incumbistes, e ter cumprido concienciòzamente o seu dever, propondo-vos, senhores:

1o. Que se reprezente á academia real das ciências, pedindo que éla dóte a língua com uma ortografia nòrmal, adòtando o sistema proposto, ou outro que julgue melhór, no cazo de rejeitar este; e que publique uma gramática, e bem assim o vocabulário competente se não publicar em bréve o dicionário.

2o. Que se nomeie uma comissão, a qual redija e dirija a reprezentação á academia, e emprégue os meios dirétos e indirétos ao seu alcance para que ésta a tóme em consideração como meréce.


Porto, 11 de dezembro de 1877.


==Adriano de Abreu Cardoso Machado (com declaraçõis), prezidente==Conde de Samodães==Manuel Felippe Coelho==Manoel Maria da Costa Leite==Agostinho da Silva Vieira==Francisco de Faro Oliveira==Delfim Maria de Oliveira Maia (com declaraçõis)==Eduardo Augusto Falcão (com declaraçõis)==Jozé Barbóza Leão, relator.