Passeio Público do Rio de Janeiro: ao fundo, o Outeiro dos Jacarés, tendo aos lados as escadas que dão subida para a varanda; nos planos até a frente, quanto se puder aproveitar, copiando o sítio.

CENA I

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VIOLANTE e BRAZ, CLEMÊNCIA e AUGUSTO, CASIMIRO e PORFÍRIO; até o fim do ato, concurso de passeadores de ambos os sexos

VIOLANTE – Quero descansar aqui por alguns minutos.

CASIMIRO – Liberdade plena; subo com Porfírio ao terraço... gosto muito da vista da barra. (Segue com Porfírio.)

CLEMÊNCIA – Eu vou com o sr. doutor até a ponte rústica. (Segue com Augusto.)

BRAZ – Cuidado não caia, dª. Clemência: o corrimão da ponte está meio estragado. AUGUSTO (A Clemência) – Aquilo é comigo.

CENA II

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VIOLANTE sentada, BRAZ em pé

BRAZ – Aquele sujeito que acompanha Clemência é um dos três namorados da aposta.

VIOLANTE – Teimas em querer envolver-me em semelhante embrulhada?

BRAZ – A madrinha teve sempre queda para pregar peças; ensaie esta comédia; basta que se finja disposta a casar-se, que se mostre um pouco sensível, que... et coetera... et coetera.

VIOLANTE – Por fim de contas tenho sessenta e dois anos: é inverossímil.

BRAZ – Inverossímil! com quinhentos contos e depois dos cinqüenta anos quanto mais velha mais noivos a escolher... pela regra das probabilidades...

VIOLANTE – Mas os três designados amam Clemência, apesar de pobre.

BRAZ – Não amam, namoram: a diferença é enorme.

VIOLANTE – Queres por força que eu me abaixe a parecer velha ridícula e néscia?

BRAZ – Por oito dias só: verá o ensino que daremos e a confusão que irá pela casa.

VIOLANTE – E no fim?

BRAZ – Haverá desengano de tolos e abatimento da vaidosa.

VIOLANTE – Braz, eu não gosto de brincar; quando, porém, me atiro à zombaria é como no tempo em que jogava o entrudo.

BRAZ – E assim é que deve ser; começaremos hoje, e aqui mesmo. (A um homem que passa.) Humilde servo de V. Ex. (Cumprimentam-se.)

VIOLANTE – Quem é?

BRAZ – Um candidato a concordata próxima, ou a falência que deixa inteiro o quebrado: a madrinha não compreende? pois eu lho explico de modo tão lúcido que no fim da explicação ainda menos entenderá.

VIOLANTE – Ora venha mais essa.

BRAZ – Há quebrar, e quebrar; quebrar direito que deixa um homem sem serventia: é o infortúnio de banqueiros e negociantes honrados, a quem prejuízos inevitáveis e os desconcertos de muitos arrastam fatalmente para ruína imerecida: esses são uns patetas, que a sociedade castiga com o menos-cabo, porque ficam pobres; quebrar torto é outra coisa: é uma sorte de equilíbrio, em que o bom ginástico se entorta, fingindo cair para levantar-se mais direito. Entendeu?

VIOLANTE – Vou percebendo, Braz.

BRAZ – Pois é a estes que me refiro; concordata quer dizer a discordância afinada entre o devedor e os credores; falência quer dizer grande sobra realizada pela mágica da rebentação; exemplo: este meu amigo deve à praça mais de quatro mil contos e calcula suavemente com o sacrifício de quinze por cento para consolação dos credores; mas pode crer que ele fica inteiro depois de quebrado, e que por isso a sociedade há de cumprimentá-lo com todo o respeito. (A um velho e uma jovem que passam.) Escravo submisso da excelentíssima!... senhor comendador, sempre a remoçar! (Cumprimentam-se.)

VIOLANTE – A filha deste velho é bem bonita!

BRAZ – Vinte e um anos e sua esposa há dois.

VIOLANTE – Que!

BRAZ – O meu amigo comendador é menos velho do que parece; não lhe pesam os setenta anos que completou há oito dias; o santo homem é um pouco muçulmano: passando às suas quintas núpcias ao desposar aquela moça, nem por isso emendou-se dos costumes antigos; mudou de odalisca ha três meses e entretém com prodigioso luxo uma menina de dezesseis anos, comprada à miséria de seus pais. Ah! esquecia-me de prevenir a madrinha que ele conta numerosos e jovens amigos.

VIOLANTE – E a pobre mulher?

BRAZ – Inviolável e sagrada: vive abençoando com ambas as mãos a odalisca, e tem um primo, doutor em medicina, que receita ao velho marido passeios freqüentes e distrações fora de casa.

VIOLANTE – Que língua envenenada!

CENA III

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VIOLANTE, BRAZ, CLEMÊNCIA e AUGUSTO

CLEMÊNCIA – A titia já viu o peixe boi?

VIOLANTE – Ainda não: vens apresentar-mo?

CLEMÊNCIA – O sr. Braz pode encarregar-se disso: agora vou ao terraço ver o mar.

AUGUSTO – O mar?... é a imagem da inconstância: não se espelhe no mar. (Vãose.)

CENA IV

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VIOLANTE e BRAZ

VIOLANTE – E por fim de contas Casimiro como abandona assim a filha?...

BRAZ – Casimiro não abandona, confia a filha; ele tem mais que fazer, e nós também; reparou que Clemência trazia na mão um ramalhetinho de violetas?

VIOLANTE – Reparei...

BRAZ – Pois agora é o dr. Augusto que o traz ao peito.

VIOLANTE – É escandaloso! de dia tão claro!... no meu tempo não era assim.

BRAZ – Já sei: no seu tempo era de noite que se davam os ramalhetes; mas daqui a pouco darei ao dr. Augusto informações da madrinha; creio que logo depois um passeio pelo braço desse cavalheiro lhe fará bem, e... se a madrinha não for peca, o ramalhetinho de violetas será seu.

VIOLANTE – Isso tenta... Braz, penso que começas a desmoralizar-me.

BRAZ – Será uma vitória digna dos seus óculos e da sua touca.

VIOLANTE – Do meu dinheiro, queres dizer.

BRAZ – A palavra tem o seu pudor, disse Lamartine; eu respeito as conveniências. (Vendo passar uma moça.) Olá! temos revolução no jardim! aí vai a Acrobata.

VIOLANTE – Que é a Acrobata?

BRAZ – Uma das vinte desmentidoras da moléstia da época; uma das vinte pestes que dão público testemunho da saúde perfeita da situação econômica. Brada-se por toda parte: “não há dinheiro!” oh! se há! e sobra tanto que as mãos cheias se atira no lenteiro.

VIOLANTE – Como é isso?

BRAZ – Como esta mais dezenove no galarim; carros com parelhas magníficas, cada dia novo e riquíssimo vestido, pérolas, brilhantes, cinqüenta contos por ano multiplicados por vinte mil contos dados ao culto do vício torpe, afora as ceias e orgias, afora a milenária escala da lubricidade, que vai descendo até a ralé da infâmia. E não há dinheiro! mentira; prova da mentira: a Acrobata pela vigésima parte.

VIOLANTE – Então... essa desgraçada criatura...

BRAZ – Delírio de solteiros e casados, de rapazes e de velhos; a Acrobata é o tipo da unidade, porque bebe, come, sonha, deseja e exige sempre uma coisa única – dinheiro; dá caridade, porque ama sem exceção e com perfeita indiferença a todos que lhe dão – dinheiro. A Acrobata é um prodígio; madrinha, subamos à varanda, acompanhemos a Acrobata.

CENA V

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VIOLANTE, BRAZ, LEOPOLDO e TIMÓTEO

TIMÓTEO (A Leopoldo) – O peixe boi saiu do lago para conversar com o Braz de Souza.

LEOPOLDO (A Timóteo) – Com efeito, é a velha mais horrível que tenho visto; é uma coruja monumental promovida pelo demônio a velha criatura humana.

BRAZ – Preclaríssimos amigos! (Cumprimentam-se.)

TIMÓTEO – Sr. Braz! minha senhora!

LEOPOLDO – Minha senhora! (A Braz) Como passou de ontem? adivinha-se... perfeitamente ditoso.

BRAZ (Apresentando) – A sra. dª. Violante, irmã do nosso amigo Casimiro.

TIMÓTEO – Oh! minha senhora... tenho muita honra... (Fala a Violante.)

LEOPOLDO (A Braz) – Mas... é um dragão de feia!

BRAZ (A Leopoldo) – Não me desanimes... estou apaixonado-me; onde a vês, é solteira ainda, e herdou há quatro meses de um tio e padrinho a insignificância de quinhentos contos de réis.

LEOPOLDO (A Braz) – Um! meio milhão! (Olhando) reparando-se bem, não é tão feia, como à primeira vista me pareceu; os óculos e a touca dão-lhe até certa graça...

VIOLANTE – Vamos, Braz. (Cumprimenta aos dois.)

BRAZ (Aos dois) – Até logo. (Indo-se com Violante.) Já deixei um iscado.

VIOLANTE (A Braz) – Quem?

BRAZ (A Violante) – O de pince-nez: é dos três designados por Clemência. (Vai-se com Violante.)

CENA VI

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TIMÓTEO e LEOPOLDO

TIMÓTEO – Ainda não vi a tua bela Clemência; mas a horrorosa tia nos garante o feliz encontro; a tia é a noite que precede a aurora.

LEOPOLDO – A noite... eu gosto da frescura da noite... porém a aurora não tarda a aparecer, e é bela como os amores...

TIMÓTEO – E leviana, inconstante, como as borboletas; olha, há mais namorados de Clemência do que candidatos ao trono de Espanha. Eu não me casava com ela.

LEOPOLDO – Nem eu; quem pensa em casamento! com uns cinqüenta contos de réis de dote seria ouro sobre azul; mas pobre, como é, afigura-se-me um banco de emissão sem fundo de reserva metálico.

TIMÓTEO – E neste maldito tempo, em que andam todos à bolina, furtando o vento.

LEOPOLDO – É verdade, não há casa sólida; a minha começou, que era a quem mais caía com o mel! mas a estagnação do comércio! os sustos e as concentrações do Banco do Brasil, que dantes consolava a gente! a casa ainda vai bem, vai muito bem; mas se eu ajeitasse uma noiva que me enchesse os olhos com o dote, eim?

TIMÓTEO – Para que então perdes o teu tempo com Clemência?

LEOPOLDO – Ora! ela é que o perde comigo; eu divirto-me, namoro-a pela mesma razão porque vou ao teatro, ou ao circo da Guarda-Velha. Se ao menos a tia desse a quinta parte do que possui à sobrinha!

TIMÓTEO – Pois a tia é rica?

LEOPOLDO – Meio milhão!... quinhentos contos de réis de herança, diz o Braz.

TIMÓTEO – Meio milhão! é caso de bater bandeiras: quinhentos contos! que senhora de bem! vale quinhentas vezes mais do que a sobrinha!

LEOPOLDO – Se o Braz não mente, vale. Uma velha bem velha, se é rica, é preferível à moça mais formosa, precisamente porque é a precursora infalível da moça formosa.

TIMÓTEO – Não entendo: mas concordo pela regra da preferência.

LEOPOLDO – A moça tem longa vida diante de si e não morre nem a poder de ceias, de vigílias, de constipações, de indigestões, do diabo, e portanto significa um casamento sem probabilidade de viuvez; a uma noiva bem velha e bem rica enche-se de brilhantes, leva-se a todos os bailes e a todos os teatros, dá-se-lhe sorvetes quando o calor excita mais a transpiração, faz-se cear mayonaise, peru a Eglantine, fiambre e cabeça de porco, até que uma boa indigestão a livre dos trabalhos deste mundo, ficando o marido com o testamento que arranjou, e então ele se consola da morte da velha enfeitando-se com uma noiva moça e bonita... bem entendido, se a fortuna não lhe depara segunda velha ainda mais rica. Vamos procurar Clemência. (Vão-se)

CENA VII

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MÁRIO, POLIDORO, logo a ACROBATA e imediatamente CASIMIRO e PORFÍRIO

POLIDORO – A Acrobata é bonita rapariga; mas eu prefiro o amor platônico e as emoções do lasquenet.

MÁRIO – Vai pois ver as damas dos teus baralhos, e deixa-me apanhar de surpresa a Acrobata, e na passagem tomar-lhe contas de certo logro. (Oculta-se)

POLIDORO (Afastando-se) – Aí vem ela. (Para e espera)

ACROBATA (A um mocinho que lhe sorri) – Cresça e apareça.

CASIMIRO (A Porfírio) – Violante e Clemência nos seguem? (Polidoro faz debalde sinais a Mário)

PORFÍRIO (Olhando para trás) – Não. (Continuam os sinais de Polidoro)

CASIMIRO (Quase junto da Acrobata) – Ficas esta noite em casa?

ACROBATA – Isso é conforme: em todo caso não dormirei na rua.

CASIMIRO – Vai passar pelo outeiro...

ACROBATA – Queres dar-me cerveja? (Mário e Casimiro esbarram-se um com o outro) Adeus, pequeno! (Rindo-se)

CASIMIRO (A Porfírio) – Evidentemente o Mário está muito desmoralizado!... começo a suspeitar que até me espia! (Desaparece a Acrobata)

MÁRIO (A Porfírio) – Meu pai está perdido: é de uma inconveniência que me vexa. (Indo-se)

POLIDORO – Já tinha idade para limitar-se ao lasquenet. (Vão-se os dois)

CENA VIII

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CASIMIRO e PORFÍRIO

CASIMIRO – O tratante vai sem dúvida encontrar-se com a Acrobata; não posso, não devo seguí-la: seria indecoroso. Mas donde tira ele dinheiro, chave de ouro para abrir a porta do inferno daquele demônio?

PORFÍRIO – Ah! Casimiro! estas mulheres são perversas: na gíria dessas harpias os mocetões da nossa idade têm um nome horrível, um nome com cheiro de armazém de secos e molhados.

CASIMIRO – Que nome?

PORFÍRIO – Paios, a explicação tu sabes.

CASIMIRO – Mas a Acrobata é uma perdição... e demais está na moda... confesso-me doído por ela. Aquilo é uma centopéia de encantos!

PORFÍRIO – E a linda Irene?

CASIMIRO – Amor de outro gênero... loucura de outra espécie...

PORFÍRIO – E ela... vai-se abrandando... pendendo... caindo?

CASIMIRO – Exagera o recato: creio que é porque ainda não lhe falei em casamento.

PORFÍRIO – E que demora é essa tua?

CASIMIRO – Sabes que sou o modelo dos pais: hesito em dar madrasta a meus filhos.

PORFÍRIO – Quem diz que te cases? prometer não é cumprir. Irene, rapariga pobre, depois de seduzida julgar-se-ia feliz, tendo casa e tratamento sob a proteção e os cuidados do teu amor. Eu, apesar de casado, não tive dúvida em arranjar uma dessas distrações.

CASIMIRO – E a comadre?

PORFÍRIO – Consola-se com os filhos e nada lhe falta; aos cinqüenta e dois anos perdeu o direito de opor embargos: é guarda nacional da reserva.

CASIMIRO – Ah! Porfírio! se ela te ouvisse...

PORFÍRIO – Rufa em casa, como um tambor; por isso ando sempre por fora; tu estás em melhores condições, és viúvo; faze o que te disse, Irene é uma economia, porque te fará esquecer a Acrobata.

CASIMIRO (Suspirando) – Ah! seu eu fosse rico...

PORFÍRIO – Que farias?

CASIMIRO – Tomava ambas; eu adoro o belo sexo... é o meu fraco; todavia... pensarei no teu conselho... mas...

PORFÍRIO – Que é?

CASIMIRO – E o sr. Mário eclipsou-se!

PORFÍRIO – Naturalmente: ele o sol, a Acrobata a lua, tu ficas sendo terra; deuse o eclipse.

CASIMIRO – O que me espanta é a desmoralização da mocidade!

PORFÍRIO – Tens razão; porque os velhos, como nós, dão aos moços o exemplo da mais austera virtude; ora viva lá! sejamos francos: são os pais que deitam a perder os filhos, tem paciência, e vamos ver as moças. (Vão-se)

CENA IX

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VIOLANTE, BRAZ, CLEMÊNCIA, AUGUSTO e LEOPOLDO

CLEMÊNCIA – Como são belos os cisnes! que colos majestosos!

LEOPOLDO – Há quem tenha mais admirável pescoço.

CLEMÊNCIA – Pode-se saber quem é?

LEOPOLDO – É segredo meu; mas todos os dias por mais de uma vez lho revelam.

CLEMÊNCIA – Já adivinhei; mas desconfio do revelador.

LEOPOLDO – Por que?

CLEMÊNCIA – O meu espelho deixou-se corromper pela lisonja. (Conversam)

BRAZ (A Violante) – O doutor já está harpoado: não perca tempo.

VIOLANTE (A Braz) – Por fim de contas vou entrar no fogo. (Alto) Clemência fica discorrendo sobre os colos dos cisnes, enquanto continuo a apreciar as reformas do Fialho.

BRAZ – Eis o meu braço madrinha.

VIOLANTE – Você nada me explica; apenas sabe maldizer do próximo: se o sr. doutor quisesse sacrificar dez minutos à minha companhia...

AUGUSTO – Oh, minha senhora! vossa excelência me transporta com esta distinção.

CENA X

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BRAZ, CLEMÊNCIA e LEOPOLDO

BRAZ – A madrinha cometeu dois estelionatos; um contra mim, roubando-me o seu braço, outro contra dª. Clemência, roubando-lhe o dr. Augusto.

CLEMÊNCIA – Está vendo que não posso queixar-me; minha tia somente me poupou a um embaraço de cortesia; o sr. Leopoldo vai ter a bondade de mostrar-me o viveiro de plantas de mr. Graziaux.

LEOPOLDO – Abençoada seja a minha fortuna! ( Vão-se os dois)

BRAZ – Também eu abençôo a minha fortuna, que me traz dali o meu amigo Polidoro.

CENA XI

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BRAZ e POLIDORO

POLIDORO – “Ela vai-se! e com ela vai minha alma!” amigo... (Saúda) que contraste!

BRAZ – Entre ela que vai-se e eu que fiquei?

POLIDORO – Não; eu me explico: tenho na vida duas paixões, a do amor platônico e a do lasquenet; no lasquenet, quando paro mais forte, é sempre nas damas; no passeio, no baile, cortejo por devoção a todas as senhoras.

BRAZ – Mas dª. Clemência...

POLIDORO – A essa amo, adoro; porém não me interrompa; nunca pensei que houvesse dama que me fizesse recuar de medo, e hoje... aqui mesmo... ind’á pouco... misericórdia! sabe quem é a velha que vai pelo braço do sr. Augusto?.

BRAZ – É dama de ouros.

POLIDORO – Como dama de ouros?

BRAZ – Irmã de Casimiro, minha preclara madrinha, feliz celibatária, a quem um tio legou há quatro meses a insignificante fortuna de quinhentos contos de réis.

POLIDORO – Olá!... então dª. Clemência, como sobrinha, está em perspectiva de riqueza? bem o merece: é tão bela!

BRAZ – Qual! a velha é um verdadeiro tipo de avareza, complicada com a mania do casamento. Apesar de afilhado, acho-a medonha; mas meio milhão é dinheiro e já me apresentei candidato.

POLIDORO – E casa-se com ela?

BRAZ – Quem me dera! a velha imagina impedimentos por ser minha madrinha, e, tomando-me por agente e procurador de seus cabedais, rejeita-me como noivo. Há dois meses que me ferve o sangue por isso!

POLIDORO – É uma dama de página muito feia e verso muito bonito! quinhentos contos de réis... ah! eu já possuí cerca de cem, e em três anos perdi-os todos com as damas do baralho, e de fora do baralho; mas então eu não sabia os segredos do lasquenet! ah, meu Braz! com meio milhão e bons parceiros, em um ano pode-se ganhar nem sei quantos milhões! a sua madrinha, não digo que seja horrível... digo... na verdade, aqui para nós, não é bonita; é, porém, sublime.

BRAZ – E... “Ela vai-se: e com ela vai minha alma!”

POLIDORO – Mas o senhor, que é o procurador, o fac-totum da... velha, tem as mãos sobre os quinhentos contos de réis...

BRAZ – Martírio de Tântalo! se eu não fosse afilhado! oh! antes não me tivessem batizado.

POLIDORO – E todavia o senhor não joga; não compreende as emoções do lasquenet!

BRAZ – E que vem isto ao caso?

POLIDORO – É o caso de cem sortes a dobrar! eu amo doidamente a encantadora dª. Clemência... mas...

BRAZ – É coisa sabida: conta-se com o casamento...

POLIDORO – Sr. Braz... a que horas pode ser procurado amanhã para negócio importante?... os amigos devem entender-se.

BRAZ – No meu escritório até às três horas da tarde.

POLIDORO – Quinhentos contos de réis... deveras?

BRAZ – Palavra de honra: quinhentos contos de réis e mais alguns quebrados que não chegam a um.

POLIDORO – Que idade tem a respeitável senhora?

BRAZ – Está quase a completar os sessenta e três.

POLIDORO – Não é absolutamente velha; pareceu-me que roçava pelos cinqüenta; sem a touca e sem os óculos há de ganhar muito...

BRAZ – A mim se me afigura um anjo ainda mesmo de touca e óculos.

POLIDORO – Anjo de salvação é... sr. Braz, amanhã ao meio-dia em ponto irei ao seu encontro.

BRAZ – Chiton.

CENA XII

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BRAZ, POLIDORO, CASIMIRO e PORFÍRIO

CASIMIRO (A Porfírio) – Vês? também aqui não está; seguiu a Acrobata, positivamente é um rapaz de costumes pervertidos...

PORFÍRIO (A Casimiro) – Deixa-o aproveitar o seu tempo.

CASIMIRO (A Porfírio) – Mas por que diabo há de logo aproveitá-lo com a Acrobata?

BRAZ – Vejo que te aborrece o passeio: vens com fisionomia de logrado, a quem furtaram o relógio.

CASIMIRO – É isso pouco mais ou menos, mas onde estão as senhoras?... o tempo está se enfarruscando de repente.

BRAZ – Aí chega a primeira.

CENA XIII

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BRAZ, POLIDORO, CASIMIRO, PORFÍRIO, CLEMÊNCIA e LEOPOLDO (Escurece rapidamente: começa a retirar-se a gente que concorrera ao Passeio)

CLEMÊNCIA – A titia? que é dela?...

BRAZ – Ainda não voltou; o dr. Augusto lhe está explicando as reformas do Fialho.

CASIMIRO – E o tempo vai a pior: temos aguaceiro certo.

CLEMÊNCIA – O povo começa a retirar-se: ainda bem que o nosso carro está à porta do jardim.

BRAZ – Eis a madrinha...e como vem alegre...

CENA XIV

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BRAZ, POLIDORO, CASIMIRO, PORFÍRIO, CLEMÊNCIA, LEOPOLDO, VIOLANTE e AUGUSTO

VIOLANTE (Chegando-se a Clemência e cheirando o ramalhete de violetas) – Como é suave o perfume das violetas! gostas dele Clemência?

BRAZ (A Clemência) – Que ingratidão! derrota número primeira.

CLEMÊNCIA (A Braz contrariada) – Como? não ouvi: ah! sim... mas a chuva... (Rompe a chover; Leopoldo, Augusto e Polidoro abrem os guarda-chuvas e correm a Violante)

LEOPOLDO – Minha senhora!

AUGUSTO – Excelentíssima!

POLIDORO – Minha senhora!... (Braz desata a rir)

VIOLANTE – Basta-me um guarda-chuva!

PORFÍRIO – Até mais ver! (Vai-se correndo)

CASIMIRO – Mas Clemência está se inundando! um guarda-chuva para a menina, senhores!

BRAZ (Abrindo grande guarda-chuva inglês) – Eis aqui a barraca do Braz! (A Clemência) Está vendo? um velho amigo vale mais do que três namorados. (Multidão de ambos os sexos a fugir da chuva, uns com chapéus de chuva e outros sem eles; Violante segue enfim ao braço de Leopoldo. Polidoro também a serve, inclinando para a frente o guarda-chuva; Augusto fazia o mesmo, mas Casimiro agarra-se a ele e o conquista à força. Braz a rir leva Clemência desapontada. Corrida geral)

FIM DO SEGUNDO ATO