Salão elegante, que abre ao fundo portas para a varanda, que se vê em parte; janelas ao lado esquerdo, abrindo para o jardim; portas ao lado direito.
CENA I
editarCASIMIRO e PORFÍRIO
PORFÍRIO – Isso não tem senso comum.
CASIMIRO – Digo-te que é um dever de honra, e um recurso para a felicidade da minha vida; seguindo teus conselhos, ofendi Irene, embora não ousasse deixar perceber a extrema e indigna proposição...
PORFÍRIO – Elas arrepiam-se muito no princípio, mas acabam por ceder; teima.
CASIMIRO – Não. Irene é um anjo de pureza, depois do que lhe disse, devo pedi-la em casamento; cumprirei o dever, e me farei ditoso.
PORFÍRIO – Irene tem dezoito anos; daqui a dezesseis anos terá trinta e quatro, e será ainda moça e bela; tu, então, contarás setenta, será inválido da pátria, posto fora do serviço ativo, e apesar teu contemplado na passiva.
CASIMIRO – Setenta anos!... não chego lá; quero passar em flores o resto da vida.
PORFÍRIO – Darás a Clemência madrasta dois anos mais moça.
CASIMIRO – Melhor; brincarão ambas como se fossem irmãs; elas são muito amigas; além disso... Clemência que trate de achar marido... já é tempo.
PORFÍRIO – E Mário?
CASIMIRO – Conheço-lhe o caráter; é de gênio revoltoso, mas por fim obedece-me sempre; hei de convencê-lo a entrar para o seminário de S. José, os padres lazaristas deve ganhar muito.
PORFÍRIO – Estás desarrazoando.
CASIMIRO – Nunca tive tanto juízo; olha, tudo me anda às avessas: a Acrobata adoeceu de bexigas e adeus amores! é pena: o ladrão da rapariga arrebatava! a mana Violante está doida, e quer casar; adeus herança! Eu ganho suficientemente no comércio para manter com decência e algum luxo a minha família; e até para capitalizar dois a três contos de réis por ano; mas a paixão pelo belo sexo traz-me sempre a bolsa rasa, e cria-me dificuldades. Irene é pois um sábio recurso; com os seus encantos me fará esquecer todas as Acrobatas, me consolará do casamento de Violante, e me tornará caseiro, circunspecto, grave, econômico e feliz; não achas?
PORFÍRIO – Acho que é uma grande asneira.
CENA II
editarCASIMIRO, PORFÍRIO, BRAZ que entra pelo fundo.
BRAZ – Qual é a asneira? são tantas! agora serão pelo menos duas.
PORFÍRIO – Que lhe importa? nós nunca podemos estar de acordo.
CASIMIRO – Ao contrário, estou certo que desta vez o Braz me apoiará.
PORFÍRIO – Entende-te pois com ele. (Indo-se)
CASIMIRO – Espera: não tarda o jantar...
PORFÍRIO – Com o Braz à mesa a indigestão é infalível. (Vai-se)
BRAZ – Efeito do molho, tens medo da mostarda et coetera.
CENA III
editarCASIMIRO e BRAZ
CASIMIRO – Quero os teus conselhos; prometes ouvir-me e falar-me seriamente?
BRAZ – Conforme: eu canto segundo o gênero e o caráter da música.
CASIMIRO – Estou cansado de fazer loucuras impróprias da minha idade; ontem fiz a última.
BRAZ – Veremos, qual foi a última?
CASIMIRO – Direi depois; faço-te uma confidência de irmão: eu amo Irene...
BRAZ – Ainda hoje?
CASIMIRO – Hoje mil vezes mais.
BRAZ – Ah! de que data é a tua última loucura?
CASIMIRO – De ontem; já to disse.
BRAZ – Ah! et coetera; continua.
CASIMIRO – Amo Irene, mas ontem... eis a loucura... falei-lhe de um modo de que ela justamente se ofendeu... fui insensato... grosseiro...
BRAZ – Até aí muito bem pela conclusão, e Irene?
CASIMIRO – Tratou-me com o desprezo mais esmagador.
BRAZ – E tu?
CASIMIRO – Choro o meu arrependimento, e adoro-a perdidamente; sem Irene continuarei a ser o que tenho sido; com Irene me corrigirei e serei feliz; e tendo-a... des.... des... desconsiderado um pouco... entendo que o dever por um lado e o amor pelo outro me ordenam...
BRAZ – A pedi-la em casamento et coetera.
CASIMIRO – Essas tuas et coetera me apoquentam...
BRAZ – Não faças caso; é costume: porém... essa idéia de casamento na tua idade, e no teu estado...
CASIMIRO – Esquece essas circunstâncias, e, abstração feita, aconselha-me.
BRAZ – Ah! abstração feita, aprovo unanimente.
CASIMIRO – Não zombas comigo?
BRAZ – De modo nenhum; postas de lado aquelas circunstâncias et coetera, aprova-se por força o teu projeto.
CASIMIRO – Falas sério, Braz?
BRAZ – Não vês? abstração feita...
CASIMIRO – Então... é o caso de me prestares o maior favor; Irene está arrufada... se te quisesse encarregar de falar-lhe... de convencê-la...
BRAZ – Encarrego-me, conta comigo; mas... atende, casamento de velho com menina é fazê-lo de improviso, ou falha.
CASIMIRO – Eu não me sinto velho; concordo, porém, e se fosse possível... amanhã mesmo...
BRAZ – Amanhã é impossível, Casimiro; há muita obra a fazer; primeiro alcançar a palavra de Irene, depois obter todas as dispensas na Conceição; tomo tudo a mim; se é que não estás abusando da minha simplicidade, basta que assines os papéis que logo te darei...
CASIMIRO – És meu irmão adotivo, não deves iludir-me, não podes gracejar em tão grave assunto...
BRAZ – Sou teu irmão adotivo, lembraste-o bem; farei por tua felicidade e por tua reputação mais do que esperavas em mim.
CASIMIRO – Braz! meu Braz!
BRAZ – Deixa para depois os agradecimentos; estou tomando gosto à negociação e ao serviço de que me encarregas pela mais interessante coincidência...
CASIMIRO – Que coincidência?
BRAZ – No domingo a madrinha proclama o seu casamento, e no mesmo dia poderás realizar o teu; mas... tu sabes, a alma do negócio é o segredo, e neste gênero de negócios...
CASIMIRO – Principalmente; ninguém me ouvirá palavra, confio em ti, farás tudo. Quanto à coincidência... se pudesses também convencer Violante de que não lhe está bem casar-se na sua idade... de que o ridículo, a murmuração de todos... o mal que faz a seus parentes...
BRAZ – No coração de uma velha o badalo do casamento soa mais forte que o bombo em música de timbaleiros; não há esperança: lasciate ogni speranza; a velha entra por força a porta do inferno.
CASIMIRO – Aí chega ela... eu vou passear pelo jardim... Violante me irrita com a sua mania: já brigamos hoje, é melhor sair...
CENA IV
editarBRAZ e VIOLANTE
VIOLANTE(A Casimiro) – Pode voltar-me as costas quantas vezes quiser! agradeço-lhe a sua ausência...
BRAZ – Madrinha!
VIOLANTE – Pois não! tenho passado o dia em uma roda-viva; que tem ele de opor-se ao meu casamento?
BRAZ – Mas... eu não a julgava com tanto talento para a zombaria! tem tocado o sublime...
VIOLANTE – Por fim de contas... não tornes a falar-me assim... tenho uma idéia a ferver-me na cabeça... mandei-te chamar por isso.
BRAZ – Desde ontem à noite que a madrinha me está logogrifando com a idéia que lhe ferve na cabeça; ainda bem que me mandou chamar: às ordens!
VIOLANTE – Como te direi, Braz? tu és quase meu filho, atende-me e aconselha-me; mas... não olhes para mim com esses olhos espantados... por fim de contas meteste-me a brincar com fogo... por um lado só a idéia do meu casamento pôs em fúria Casimiro contra mim, e me deu a mostra do pano, e do que devo esperar destes meus parentes; por outro lado, três moços bonitos, amáveis e cada qual mais extremoso, se oferecem a proteger e aditar meus últimos anos.
BRAZ – Madrinha... o que está dizendo... por quem é... uma senhora de tanto juízo... (Mudando de tom) bravo, madrinha! admirável!... até a mim própria iludia! representa perfeitamente!
VIOLANTE – Mas não há ilusão... é a idéia que me está fervendo na cabeça...
BRAZ – Estupendo! é de arrebatar! bravo, madrinha!
VIOLANTE – Pior! queres fazer-me perder a paciência? principias a faltar-me ao respeito!..
BRAZ – Como?... pois não é graça, madrinha?
VIOLANTE – Meu Braz, se eu não me casar, que contarei deste mundo no outro? e por fim de contas quem pode assegurar que eu não seja amada por meu marido? e ainda não amada, ele pelo menos fingirá amar-me, e há de cercar-me de cuidados para que eu lhe deixe toda minha fortuna: esse fingimento me fará feliz... BRAZ – Et coetera... et coetera...
VIOLANTE – Não entendo.
BRAZ – Naturalmente: et coetera é grego; mas tem sua eloqüência nestes casos.
VIOLANTE – Eu não pensava nestas coisas; tu me expusestes ao fogo... criaste a hipótese... fizeste-me desejar a realidade, oferencendo-ma ou mostrando-ma de perto!... Braz, a gente não é de ferro...
BRAZ – Ah, madrinha! a serpente não pensou que houvesse tentação para a Eva de sessenta e dois anos! sou o maior tolo do Brasil!
VIOLANTE – Reprovas também?...
BRAZ – Não digo isso... mas reflita por algumas semanas antes de se decidir... madrinha... a sua idade...
VIOLANTE – Não vem ao caso; com os anos que tenho, achei de uma vez três pretendentes à minha mão; parte deste princípio e raciocina.
BRAZ – Partindo desse princípio, não há que raciocinar: é casar et coetera.
VIOLANTE – Pretendes meter-me à bulha?
BRAZ – Qual! tenho visto disparates maiores; exemplo: o do... o da... o de... não acho agora exemplo; mas sem dúvida haverá muitos; a madrinha quer casar? aprovo; conte comigo em tudo, por tudo e para tudo.
VIOLANTE – Eu contava tanto com os teus epigramas como com a tua dedicação. Agora quero de ti um favor: preciso que até amanhã à noite, me tragas informações miúdas e completas sobre os meus três pretendentes.
BRAZ – Honradíssimos e desinteressadíssimos jovens: iguaizinhos todos três.
VIOLANTE – A tua voz tem um tom de ironia...
BRAZ – Não, senhora; apenas falei em grifo, como diz certo amigo; vá descansar, madrinha; amanhã lhe trarei o relatório das virtudes e das hipotéticas fraquezas daqueles três primores... serei leal, como sempre; vá descansar. VIOLANTE – Sim, e preciso bem; desde ontem que não durmo... sinto uns abalos no coração...
BRAZ – Vá dormir sossegada; o seu casamento se fará et coetera... et coetera.
VIOLANTE – Tu és trigo sem joio. (Vai-se)
CENA V
editarBRAZ e CLEMÊNCIA
BRAZ (Acena para dentro chamando) – Psiu! psiu!
CLEMÊNCIA (Dando-lhe a mão) – Como passou?
BRAZ – Melhor do que merecia; falemos com algum cuidado... (Observando)
CLEMÊNCIA – Que há?
BRAZ – Virei de bordo e venho bater bandeiras; abandonei o partido da madrinha e passo-me para o seu; não se admire, porque isto é trivial.
CLEMÊNCIA – Na minha questão com a titia dispenso absolutamente o seu apoio.
BRAZ – Dê forte, que bem o mereço; mas o caso tornou-se grave; na sua família manifestou-se a loucura contagiosa; é para fazer medo! não me espantaria se hoje ou amanhã a senhora se dirigisse à minha casa para pedir-me em casamento.
CLEMÊNCIA – Tranqüilize-se.
BRAZ – Não posso, porque esse é o caráter da epidemia; escute, guarde segredo e auxilie-me em seu próprio interesse; seu pai incumbiu-me de pedir para ele a menina Irene em casamento.
CLEMÊNCIA – É possível?!!! vou contar a Mário.
BRAZ – Deitaria tudo a perder.
CLEMÊNCIA – Meu pai então está doido?
BRAZ – Se a moléstia é reinante!
CLEMÊNCIA – Tem razão... gosto de Irene; mas se meu pai ma desse por madrasta... sim... era caso de correr a sua casa a pedi-lo em casamento... é demais!
BRAZ - Não se encolerize; ouça o que mais me ataranta: a madrinha, que instigada por mim fizera a famosa aposta com o único fim de castigar um pouco a sua vaidade, e de ensiná-la a conhecer a torpeza de certos homens, tomou gosto ao brinquedo e quer deveras casar-se.
CLEMÊNCIA – O senhor está gracejando.
BRAZ – O que eu estou é em brasas.
CLEMÊNCIA – Não... a titia diverte-se com os três ambiciosos, e dá-me boa lição...
BRAZ – Falo-lhe como amigo, e membro adotivo da sua família...
CLEMÊNCIA – Mas a titia quer fazer mal a todos nós, expondo-se a muito maior mal?... isso me aflige realmente.
BRAZ – Eis aí pois dois casos de loucura; sou, por felicidade, o confidente da madrinha, e o corretor da negociação casamenteira de Casimiro, mas preciso de auxiliares.
CLEMÊNCIA – Que posso eu fazer?
BRAZ – Muito, conforme as circunstâncias; na questão paterna há de facilitarme hoje mesmo uma conferência com Irene; mas nem de leve indiciará que a não quer por madrasta.
CLEMÊNCIA – Convém prevenir...
BRAZ – Deseja mais um doido na história? a senhora é homeopata, espera curar pelos semelhantes.
CLEMÊNCIA – Farei o que me ordenar.
BRAZ – Quanto à madrinha, estou ainda a ver navios; velha com esperança de casamento é mais teimosa que um galo da Índia a brigar; não sei que faça; a senhora, porém, descobriu um recurso, que me pode servir.
CLEMÊNCIA – Qual! estou aniquilada...
BRAZ – Deixe-se de fingimentos; pediu uma dilatação de três dias; para que? preciso saber tudo.
CLEMÊNCIA – Apelação de condenada; mme. Dubarry com o pescoço na guilhotina dizia ainda ao algoz: “un petit moment, monsieur le baourreau!”
BRAZ – Desconfia de mim, não é?
CLEMÊNCIA – Desconfio: só tenho um recurso, espere por ele, e vá laborando, como puder, contra a loucura da titia, se é que não veio armar-me uma cilada.
BRAZ – Não tenho direito de protestar... ao menos porém trabalhemos de acordo; eu creio... mas o meu ouvido é ótimo (Baixo) são pisadas de velha; ela pode dispor de si! se fosse pobre, vocês haviam de empurrá-la! (Baixo) não faça caso: (Alto) esta oposição é pelo receio de perder a herança, com que calculavam! (Baixo) ataqueme de rijo: (Alto) a madrinha não precisa de tutores! (Baixo) proteste.
CLEMÊNCIA – Pois que se case... sentirá as conseqüências...
BRAZ – Et coetera.
CENA VI
editarBRAZ, CLEMÊNCIA e VIOLANTE, que viera chegando
VIOLANTE – A senhora também pretende por-me impedimentos?
CLEMÊNCIA – Não, senhora; case-se, e há de ver o que a espera; por mim já tive o que desejava, a dilação de três dias.
VIOLANTE – Que me importa a dilação? agora o caso é sério e nele só o Braz goza a minha plena confiança.
CLEMÊNCIA – Mas eu não prescindo da aposta.
VIOLANTE – Já ganhei-a, e vou deixar-te para tua consolação dois infelizes, como desprezados despojos do meu triunfo.
BRAZ (A Clemência) – Caráter da loucura epidêmica; não apuro as coisas. (Alto) É o que eu dizia: a madrinha vencerá, casará, e, celebrado o casamento, haverá festa, banquete, glória, et coetera, et coetera.
VIOLANTE – Ah, meu Braz!
CENA VII
editarBRAZ, CLEMÊNCIA, VIOLANTE e MÁRIO
MÁRIO – Revolução a consumar-se!
CLEMÊNCIA – Que temos?
MÁRIO – Sou outro, porque vou ser outro; decididamente quebrei com o meu passado: quebrei e era de razão; não era? tenho vergonha do que fui...
CLEMÊNCIA – Mário, tu nos assustas, que é que foste?
MÁRIO – Um vadio, o escândalo da sociedade, um traste sem préstimo; tenho vergonha... não é de razão? o que me abriu os olhos foi o sopro de um anjo.
BRAZ – Explica-te, relâmpago!
MÁRIO – Há uma hora que Irene me disse: “Juras amar-me e que me queres por esposa: em que te ocupas? qual o trabalho de que tirarás o pão para me sustentar?...” Olhei ao redor de mim e dentro de mim, por fora e por dentro achei-me no vácuo! Palavra de honra, tenho sido um vadio descomunal! não tenho? se são capazes digam em que me ocupo... digam... digam!...
BRAZ – Em trocar as pernas: é ocupação de muitos outros, como tu.
MÁRIO – Não as trocarei mais: Irene fez-me ver a verdade com a luz do amor.
BRAZ – Pois é raro que essa luz mostre assim as coisas.
MÁRIO – Virtude da fonte lucífera; as Irene também são raras o caso é que consumou-se a revolução; sou outro, porque vou ser outro, e não vendo hoje mesmo Hipogrifo, porque Irene mo proibiu.
BRAZ – Nisso ela errou: conservando Hipogrifo, ainda podes desencabrestar.
MÁRIO – Não tenha medo: quero estabelecer-me, trabalhar e enriquecer.
VIOLANTE – A resolução é ótima: que calculas ser?...
MÁRIO – Se eu pudesse, seria banqueiro; mas falta-me a matéria prima; não tenho riqueza... não tenho fundos...
BRAZ – Que asneira, Mário! para ser banqueiro basta o dinheiro dos outros.
MÁRIO – Quero um mister decente: arranjam-mo? vejam se mo arranjam, e cuidado comigo, que adoro os extremos; olhem, que sou capaz de ir quebrar pedras, ou de mostrar-me puxando uma carroça d’água.
BRAZ – E não te vexarias?
MÁRIO – Eu, vexar-me? chapéu desabado à cabeça, blusa a operário francês, calças grossas a ilhéu, sapatões ferrados a italiano, puxando o burro preso à carroça, erguerei orgulhoso a fronte ao passar diante das janelas de Irene, porque, vendo-me assim, Irene dirá: “É por mim!”
VIOLANTE – E nós? e o nosso vexame?
MÁRIO – Pois arranjem-me um mister mais decente: eu declaro que estou decidido, sou outro, porque vou ser outro, consumou-se a revolução.
BRAZ – Mas onde tens o capital para comprar dois burros pelo menos, a carroça e os barris?...
VIOLANTE – Para isso não te empresto dinheiro, não contes comigo por fim de contas.
MÁRIO – Nem eu preciso, vendo Hipogrifo: dois contos de reis... é querer.
CLEMÊNCIA – Nunca serás aguadeiro... seria um opróbrio...
MÁRIO – Opróbrio é ser vadio; arranjem-me ocupação mais decente e mais rendosa... concedo oito dias às vaidades de família...
CLEMÊNCIA – Papai trata de obter para ti um emprego público.
MÁRIO – Rejeito in limine, por duas razões: primeira, quero estar em oposição muito independente a todos os ministérios; segunda, um aguadeiro ganha mais do que os empregados públicos de escala superior.
BRAZ – Abaixo o aguadeiro! ofereço-te a administração duma pequena fazenda de café com cinqüenta escravos sob a condição de metade nos lucros.
CLEMÊNCIA – Excelente!
VIOLANTE – Que fazenda é essa, Braz? suponho que não será a minha.
MÁRIO – Também não aceito.
BRAZ – Então és incontestável.
MÁRIO – Não caio nessa; fora da cidade só casado com Irene.
VOZES (Dentro) – Mário!... Mário! Mário!...
CENA VIII
editarBRAZ, CLEMÊNCIA, VIOLANTE, MÁRIO e CASIMIRO
CASIMIRO – Mário, aí estão à porta dez ou doze cavaleiros teus amigos... bradam por ti... não ouves?
VOZES (Dentro) – Mário! Mário!
MÁRIO – Passeio oficial de sportemen... parece extraordinário e singular em S. Cristóvão... (Luta interior) tentação diabólica... eu tinha dado a minha palavra!
VOZES (Dentro) – Mário! Mário!
MÁRIO – Hipogrifo a brilhar... vou... não vou... (Vai e volta)
CASIMIRO – Há de ir... deves cumprir a tua palavra...
MÁRIO – Sou outro, porque vou ser outro... consumou-se a revolução... não vou!
VOZES (Dentro: batem com os açoites nas janelas) – Mário! mandrião! vem!
MÁRIO (Correndo à janela) – Relache par indisposition: Hipogrifo constipou-se.
FIM DO QUARTO ATO