Tivemos hoje concerto de sanfona durante a viagem da tarde. O homem tocava bem, e tocava de tudo.
Amo de coração estes artistas humildes, que têm a paixão da arte, com o mínimo possível de cálculo, ou sem nenhum. São, na sua imperfeição, mais artistas do que muitos outros mais hábeis, mais cultos, mais refinados: não procuram na arte senão o seu prazer - sem pensar em proveitos; e exercem-na com a simplicidade e a inocência de quem pratica os atos mais ordinários da vida. Dão generosamente e anonimamente o que têm, o bom e o mau, o certo e o errado, sem presunção e sem torturas, e vão seguindo o seu caminho. Quem gostar, goste à vontade; quem não gostar, perdoe; e, se não quiser perdoar, é o mesmo. Que boa, alegre e higiênica maneira de ser artista! Durante vinte minutos, o homenzinho da sanfona foi o único que veio deitar um pouco de alegria purificadora na alma fechada e amarrotada de quarenta e tantos passageiros.
Pela minha parte, Deus lhe pague, frater desconhecido!