Senhor, des quando vos vi
e que fui vosco falar
sabed'agora per mi
que tanto fui desejar
vosso bem; e pois é si,
que pouco posso durar
e moiro-m'assi de chão
porque mi fazedes mal
e de vós nom ar hei al
mia morte tenho na mão.
   
Ca tam muito desejei
haver bem de vós senhor,
que verdade vos direi
se Deus mi dê voss'amor:
por quant' ieu[1] creer sei,
com cuidad'e com pavor
meu coraçom nom é são
porque mi fazedes mal
e de vós nom ar hei al
mia morte tenho na mão.

E venho-vo-lo dizer,
senhor do meu coraçom,
que possades entender
como prendi o cajom[2]
quando vos eu fui veer;
e por aquesta razon
moir'assi servind'em vão
porque mi fazedes mal
e de vós nom ar hei al
mia morte tenho na mão.

  1. Ieu, variação do pronome eu da língua dos trovadores, como se vê a cada passo do Romance de Flamenca:
    Mais vol que sia castellana
    E qu' ieu veia la semana, etc.
  2. Cajon, cajom ou cajão: desastre, infelicidade, desgraça, infortunio.