1Senhores: com que motivo
vós tentastes a fazer,
sem castigo algum temer,
um excesso tão nocivo?
(disse o Algoz compassivo
a um dos da carambola,
quando o leva pela gola)
e a gente, que ali se pôs,
via a pé quedo o Algoz
muitas vezes dar à sola.

2Nestas retiradas suas,
que fazia o tal madraço
sacudia-lhe o espinhaço
cum par de soletas cruas:
dava-lhe nas costas nuas
palmadas tão bem dispostas,
que o Mulato co'as mãos postas
disse dos açoutes dados,
sendo dos mais os pecados,
eu somente os levo às costas.

3A gente, que isto lhe ouviu,
por saber do caso atroz,
pedia muito ao Algoz,
lho dissesse, e ele se riu:
finalmente prosseguiu
a dizer o caso a uns poucos,
que de pasmo ficam moucos
a alguns deles quase mudos
de ver, que quatro sisudos
tomem ofícios de loucos.

4Diz-lhe mais o Algoz pascácio,
que sem terem nisso medras,
os quatro atiraram pedras
as janelas do Palácio:
e que fazendo agarrácio
dos três, escapou de um,
mas cuidando se algum
dos mais lizeiros ao peso,
fora, o que escapou de preso,
mais ligeiro, que nenhum.

5Um inocente agarrado
foi também na travessura,
sendo que não faz loucura
moço tão bem inclinado:
outro será castigado
pela ousadia sobeja
e porque este vulgo veja
(se com ele não se engana)
fez, com que pela semana
não fosse o Domingo à Igreja.

6Estes outros dous, ou três,
que se agarraram de noite,
se se escaparam do açoite,
terão por certo galés:
Não de sentir o revés
deste excesso, que fizeram,
pois eles assim quiseram:
mas vejo não sentirão,
se por castigo lhes dão
ir para donde vieram.

7Vós, que do caso adversário
em seguro vos pusestes,
porque dos pés vos valestes
não sejais tão temerário:
sede nisto imaginário,
pois tão bem destes à sola,
que se noutra carambola
vos meteis co amigo Baco,
ele às vezes é velhaco,
dará convosco em Angola.