Àquela hora, meio tarde no dia, não sei que compunção evangélica me assaltou, me invadiu a alma, que eu penetrei no templo iluminado.

Altas naves sombrias pela névoa crepuscular da tarde, já em tons violáceos, abriram-se aos meus olhos, numa solene paz mística.

No alto do altar-mor vinha uma austera eloqüência da Religião, da Fé Católica, de Rito Romano.

Velas amareladas e frias, de chama nobre e ardente, elevavam-se em tucheiros cinzelados, numa luz oscilante, trêmula às vezes por alguma momentânea aragem, com almas na indecisão de viver.

Na capela do Santíssimo, rutilante de caros brocados e doiraduras custosas, de fulgentes pratarias, de tons azulados e brancos de jarras esbeltas, uma lâmpada fulgurava, toda em esmalte de prata, por entre meia-tinta aveludada da hora, através do silêncio eucarístico, monástico da capela.

Uma serenidade de força divinal, de majestade tranqüila, enchia o templo de um grande ar panteísta.

Nos altares laterais, os santos, histerismos mumificados, no imortal resplendor das coisas abstratas, dos impulsos misteriosos que alucinam e por vezes fazem vacilar a matéria, tinham dolorosas e fortes expressões de luxúria.

Eu sentia, sob aquelas rígidas carnes mortificadas, frêmito vivo do sangue envenenado e demoníaco do pecado.

E, de repente, não sei por que profana, tentadora sugestão, vi nitidamente Nossa Senhora descer aos poucos do altar, branca e muda, arrastando u manto estrelado, e, vindo anelante para mim, de braços abertos, dar-me, com os olhos claros de azul, profundos e celtas, infinitas, inefáveis promessas...

Ah! naturalmente eu sonhara acordado, porque Tu, durante este meu sonambulismo de sátiro lascivo, subitamente entraste, trêfega, com vivacidade de pássaro, no templo iluminado; e eu então logo senti que os lindos olhos claros de azul que virginalmente se encaminharam para os meus, na ardência de um desejo, eram, por certo, os teus olhos, sempre meigos, sempre amorosos, ó luz, ó sol, ó esplendor dos meus olhos!