Sophia


Foi na sala branca, de leves listrões d'ouro, que eu a vi interpretar um dia ao piano Mendelsohn, Schumann, as fugas de Bach, as synphonias de Beethoven.

Tinha um nome biblico, lembrando palmeiras e cisternas: chamava-se Sophia.

Era alta, de uma brancura de hostia, como certas aves esguias que os aviarios conservam e que ahi vivem n'um grande ar dolente de nostalgia de sélvas, de mattas cerradas, de sombrios bosques.

Nervosa, de um desdem fidalgo de fria flôr dos gelos polares, e triste, trahia a Arte aquele altivo aspecto, a orgulhosa erecta em frente às partituras, que os seus olhos garços liam e que os seus dedos rosados e aristocráticos executavam com perfeição, com claro entendimento nas teclas.

E de todo esse nobre ser delicado, de todo esse perfil de imagem de jaspe, irradiava uma harmonia vaga, melancólica, uma auréola de pungitiva amargura, mais desoladas que as sinfonias de Beethoven, como se todas aquelas músicas excelsas tivessem sido inspiradas nela.


Ó aromas, sutilíssimas essências dos finos frascos facetados do luxuoso boudoir dessa musical Magnólia; aromas vaporosos, maravilhosos perfumes que incensais, à noite, de volúpia, a sua alcova, como as purpurinas bocas das rosas, falai a linguagem alada que as vozes humanas não podem falar e dizei os murmúrios estranhos dos sentimentos imperceptíveis, imaculados, que alvoroçam a alma ansiosa dessa sonhadora Sofia.

Só os aromas, só as essências terão os eflúvios castos, os fluidos luares de expressão, o ritmo inefável para contar que latentes palpitações traz Ela no sangue, que chama d’astro lhe inflama o peito, quando volta triste dos concertos egrégios e vai enclausurar-se na alcova, - muda, muda, talvez sob a névoa de lágrimas, na comovente concentração dos que morrem amando...