Sonetos (Antero de Quental, 1880)/Anima mea
ANIMA MEA
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente,
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.
Era de vêr a funebre bacchante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»
— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a bôca fria).
Eu não busco o teu corpo... Era um tropheu
Glorioso demais... Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»