PARA
A GENTE DO GRANDE TOM



Seja um sabio o fabricante,
Seja a fabrica mui rica,
Quem carapuças fabrica
Soffre um dissabor constante:
Obra prompta, vôa errante,
Feita avulso, e sem medida;
Mas no vôo suspendida,
Por qualquer que lhe appareça,
Lá lhe fica na cabeça,
Té as orelhas mettida.

(F. X. de Novaes.)


Se grosseiro alveitar ou charlatão
Entre nós se proclama sabichão;
E, com cartas compradas na Allemanha,
Por anil nos impinge ipecacuanha;

Se mata, por honrar a Medicina,
Mas voraz do que uma ave de rapina;
E n’um dia, si errando na receita,
Pratica no mortal cura perfeita;
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se os nobres d’esta terra, empanturrados,
Em Guiné teem parentes enterrados;
E, cedendo á prosapia, ou duros vicios,
Esquecem os negrinhos seus patricios;
Se mulatos de côr esbranquiçada,
Jà se julgam de origem refinada,
E, curvos á mania que os domina,
Desprezam a vovò que é preta-mina:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se o governo do Império Brasileiro,
Faz cousas de espantar o mundo inteiro,
Transcendendo o Autor da geração,
O jumento transforma em sor Barão;
Se estupido matuto, apatetado,
Idolatra o papel de mascarado;
E fazendo-se o lorpa deputado,
N’Assembléa vai dar seu — apolhado:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se impera no Brasil o patronato,
Fazendo que o Camello seja Gato,
Levando o seu dominio a ponto tal,
Que torna em sapiente o animal;
Se deslustram honrosos pergaminhos
Patetas que nem servem p’ra meirinhos,
E que sendo formados Bachareis,
Sabem menos do que pêcos bedeis
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se temos Deputados, Senadores,
Bons Ministros, e outros chuchadores;
Que se afferram ás tetas da Nação
Com mais sanha que o tigre, ou que q Leão;
Se jà temos calçados — mac-lama,
Novidade que esfalfa a voz da Fama,
Blasonando as gazettas — que ha progresso,
Quando tudo caminha p’ra o regresso:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil è chucliadeira!

Se contamos vadios empregados,
Porque sam das potencias afilhados,
E succumbe, á matróca, abandonado,
O homem do criterio, que è honrado;
Se temos militares de trapaça,
Que da guerra jámais viram fumaça,
Mas que empolgam chistosos ordenados,
Que ao povo, sem sentir sam arrancados:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil è chucliadeira!

Se faz opposição o Deputado,
Com discurso medonho, enfarruscado;
E pilhando a maminha da lambança
Descrepa do papel, e faz mudança;
Se esperto capadocio ou maganão,
Alcança de um jornal a redacção,
E com quanto não passe de um birbante,
Vai fisgando o metal aurisonante:
Nao te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

Se a guarda que se diz — Nacional,
Tambem tem caixa-pia, ou muzical,
E da qual o dinheiro se evapora,
Como o — Mal — da bocêta de Pandora;
Se depois por chamar nova pitança,

No fundo se conserva a — Esperança;
E n’isto resmungando o cidadão
Lá vai ter ao calvario da prisão:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil è chuchadeira!

Se temos magestosas Faculdades,
Onde imperam egregias potestades,
E, apezar das luzes dos mentores,
Os burregos tambem sahem Doctores;
Se varões de preclara intelligencia
Animam a nefanda decadencia,
E a Patria sepultando em vil desdouro
Perjuram como judas — só por ouro:
E’ que o sabio, no Brasil, só quer lambança
Onde possa empantufar a larga pança!

Se a Lei fundamental — Constipação,
Faz papel de fallaz camaleão,
E surgindo no tempo de eleições,
Aos patetas illude, aos tolerões;
Se luzidos Ministros, d’alta escolha,
Com geito, tambem mascam grossa rolha;
E clamando que — sam independentes — ,
Em segredo recebem bons presentes:
E’ que o sabio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!

Se a justiça, por ter olhos vendados,
E’ vendida, por certos Magistrados,
Que o pudor afferrando na gaveta,
Sustentam — que o Direito é pura pêta;
E si os altos poderes sociaes,
Toleram estas scenas immoraes;
Se não mente o rifão já mui sabido:
Ladrão que muito furta é protegido
E’ que o sabio, no Brasil, só quer lambança
Onde possa empantufar a larga pança!

Se ardente campeão da liberdade,
Apregoa dos povos a igualdade,
Libellos escrevendo formidaveis,
Com phrases da peçonha impenetraveis:
Já do Céo perscrutando alta eminencia,
Abandona os tropheos da intelligencia;
Ao som d’argem se curva, qual vilão
O nome vende, a gloria, a posição:
E’ que o sabio, no Brasil, só quer lambança
Onde possa empantufar a larga pança!

E se eu, que amigo sou da patuscada,
Pespego no Leitor esta maçada;
Que já sendo avesado ao soffrimento,
Bonachão se tem feito e pachorrento;
Se por mais que me esforce contra o vicio
Desmontar não consigo o artificio;
E quebrando a cabeça do Leitor
De um tarélo não passo, ou fallador;
E’ que tudo que não cheira a pepineira
Logo taxam de maçante frioleira.