- Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
- Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
- Arredores irregulares da minha emoção sincera,
- Sou eu aqui em mim, sou eu.
- Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
- Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
- Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
- E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
- Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
- De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
- Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
- E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
- Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
- De haver melhor em mim do que eu.
- Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
- Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
- De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
- De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
- De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
- Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
- Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
- De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
- A impressão de pão com manteiga e brinquedos
- De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
- De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
- Num ver chover com som lá fora
- E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
- Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
- O emissário sem carta nem credenciais,
- O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
- A quem tinem as campainhas da cabeça
- Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
- Sou eu mesmo, a charada sincopada
- Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
- Sou eu mesmo, que remédio! ...