Suspiros poéticos e saudades (1865)/A Vista de Roma
É Roma! É Roma! É a cidade eterna!
Lá sobre a catedral do cristão mundo
De Buonarotti [1] o gênio se levanta,
Prodígio d'arte, maravilha humana
Consagrada a Deus vivo.
Entre suas ruínas, majestosa
Inda Roma se ostenta.
Inda seu nome impõe respeito ao mundo,
E entusiasmo gera.
Mas Roma entre ruínas se me antolha
Como essa arrependida penitente,
Que a vã pompa do mundo desprezando,
A cruz do Redentor humilde abraça.
Em vez de capacete, esparsa a coma;
Em vez de cetro, cruz; o márcio riso
Não mais lhe habita os lábios,
Nem lampejantes olhos mais incutem
Terror, vingança, e morte.
Religiosa dor hoje a sublima,
E a veste de candura, e de beleza.
Rainha das Nações, eu te saúdo!
Mãe ilustre de heróis do mundo espanto!
Eu te vejo, e minha alma inda duvida!
E não sentida comoção me abala.
Esta vermelha terra, árida e seca,
Qu'inda exala mortíferos vapores;
Este inculto deserto abandonado
Dos homens, e das feras,
Onde uma flor sequer não ri-se ao menos;
Esta desolação, esta tristeza,
Este horror sepulcral, que em torno gira
Da senhora do mundo,
Tudo alfim aqui fala, e os olhos mostra
As sangrentas tragédias, que juncaram
Estes campos outrora.
De tanto sangue humano que a ensopara,
De tanto ferro gasto que a cobrira,
Conserva ainda a cor a terra estéril!
Por que nuvens de corvos esvoaçam
Nestes ares pejados de vapores?
Por que arrancam gemidos dolorosos,
Que as carnes, e os cabelos arrepiam,
Como se eles um mal também carpissem?
Odor carnificino
Ainda exalarão de Roma os campos?
É que não acham mais sangue que bebam!
Cadáveres que os cevem!
Que Romano saído do sepulcro
Reconhecer-te, oh Roma, poderia
Que viajor, entrando em tuas portas,
Não dirá: Onde estou? onde está Roma?
Se uma voz respondesse: Eis aqui Roma.
Como não exclamar cheio de assombro:
Que maldição do céu caiu sobre ela!
Também têm as Nações suas idades.
Jovem já foste, oh Roma!
Já guerreiro vigor armou-te o braço;
Já tremeram de ti milhões de povos.
Fatigada de glória, e já curvada
Entre tuas ruínas,
Hoje tu tremes, como uma Rainha
Anosa sobre o trono,
Que em anos juvenis calcara ufana.
Hoje só em teu Deus arrimo encontras;
Só a Religião te ampara a fronte,
Que co'o peso dos séculos já pende.
Sem este novo Deus morta já foras.
Teus velhos deuses a paixões sujeitos,
Teus senhores, teus Neros, e teus filhos,
Degenerada raça
Dos Brutos, e Catões, raça maldita,
Nos mais nefandos crimes só nutrida,
Tudo alfim te arrastava ao horror, e à morte,
E te ia despenhar na sepultura.
Mas um Deus novo te salvou do abismo;
Novas virtudes deu-te, graças novas,
E tu por ele só inda hoje vives.
Da guerra o Gênio que nas pugnas vela,
E o pacífico Gênio que aos destinos
Dos Impérios preside,
Entorpecidos de fadigas tantas,
Entre a poeira das ruínas tuas,
Cobertos de lauréis, prostrados jazem.
Co'a espada o antigo mundo amedrontavas,
Co'a Ciência, e a Razão guiaste o novo;
Sim; a glória perdeste dos combates,
Mas alcançaste da Ciência a glória.
Ignora o mundo teu porvir augusto,
Que ao mundo oculta Deus seu pensamento;
Mas tu despertarás à voz de um Gênio,
Do sono em que te abismas.
Dorme, dorme, que o Tempo não perece;
Dorme, que um dia te erguerás mais bela;
Dorme, até que a trombeta do teu Anjo
No mausoléu ressoe de Adriano.
Os desígnios de Deus serão cumpridos;
Não, tu não morrerás, cidade eterna.
Roma, dezembro de 1834
Notas do autor
editar- ↑ Michelangelo Buonarotti, arquiteto da magnífica cúpula de S. Pedro, em Roma.