Depois da pequena pausa que tinham feito, apressaram os dous irmãos o passo, a fim de ressarcir a perda do tempo, que pouco tinham para o passeio até a hora habitual do almoço.

Assim atravessaram os canaviais, divididos em alqueires por largas alamedas e cortados em cruz por carreadores mais estreitos.

Nessa ocasião, não repararam como de costume no verde-gaio e risonho daquelas ondas de folhas que flutuam graciosamente ao sopro da brisa; nem ouviram os brandos cicios, tão doces ao ouvido, como é ao paladar a polpa deliciosa dos gomos.

Entraram em seguida na roça, onde o feijão estava em flor e o milho espigava, agitando os seus louros pendões. Logo adiante ficavam os vastos cafezais, recentemente carpados e já frondosos para mais tarde se cobrirem de bagas escarlates, como fios de corais, entrelaçados pela folhagem de brilhante esmeralda. Aí à sombra dos renques de cafezeiros, descansavam os pretos recebendo a ração do almoço, que as rancheiras de cada turma dividiam pelas gamelas e palanganas que lhes apresentavam.

Passaram os dous irmãos apressadamente e sem dar-lhes mostra de atenção, para não perturbar-lhes o descanso e a refeição.

Além, na assomada de uma colina frondava um vistoso ramalhete de palmeiras de diversas espécies, entre as quais avultava o jerivá com seus lindos penachos. Chamavam a este lugar o Palmar, e dele proviera o nome à fazenda.

Pela encosta da colina estendia-se o pasto; e na base estava uma capuava onde já se começara o trabalho da derrubada, e se afolhavam as terras destinadas à lavoura de mantimentos, dividindo-a em quartéis, como os partidos de canas.

Fronteiro ao Palmar, ficava um grande feital que prolongava-se até a orla da mata. Essa terra descansada desde muitos anos já estava convertida em capoeira, que invadindo os carreadores deixava a descoberto apenas o trilho batido pela constante passagem.

Por essa vereda meteram-se os dous irmãos, Afonso adiante, malhando com o bastão os tufos de capim e relva para espantar as cobras; Linda no encalço, rocegando a fímbria da saia de musselina para guardá-la dos orvalhos. Foram sair em um pequeno gramado, de um pitoresco encantador.

Parecia esmero d'arte o sítio aprazível; não que possa o gênio do homem jamais atingir os primores da criação; ordena, porém, muitas vezes e resume em breve quadro cenas que a natureza só desdobra em larga tela; e colige em uma só paisagem cópia de belezas que andam esparsas por vários sítios.

Desenhava-se o pequeno e mimoso prado em oval alcatifado com a alfombra de relva e cingido quase em volta pela floresta emaranhada, que a fechava como panos de muralha, cobertos de verdes tapeçarias e vistosas colgaduras, apanhadas em sanefas e bambolins de flores. À face oposta assomava a soberba colunata do Palmar que estendia-se até ali, formando arcarias góticas, fustes elegantes em estilo dórico, e arabescos rendados de maravilhoso efeito.

À margem do Tanquinho, bonito lago formado pela represa de um ribeirão, que saía gorgotando do mais embrenhado da floresta, e traçava meandros entre as palmeiras para perder-se no pasto, uma figueira brava esfraldava os ramos, em esparavel, ensombrando a pelúcia de relva.

Aí próximo contornava-se um oiteirinho coroado de uma grinalda de juncos floridos, donde borbulhava também um fio d'água que alimentava o lago. De seu tope descortinava-se a casa das Palmas e toda a várzea até a margem do Piracicaba.

Ao entrar no descampado, caíram os olhos de Afonso direito sobre o tronco de figueira e voltaram-se logo desconsolados para Linda. Os dous irmãos trocaram um sorriso displicente.

— Não vieram, disse Afonso.

— Já foram.

— Não há tal.

Levou o moço as mãos à boca e apitou. Não teve resposta.

— Então?

— É que já estão longe!

— Não tinham tempo.

— A culpa é sua.

— Quem primeiro boliu com o outro?

— Eu hei de contar à Berta.

Depois de uma pequena volta pelo prado, os dous irmãos cuidaram de voltar do insípido passeio que tão malogrado fora.

Entretanto não estavam longe aqueles que supunham encontrar, conforme o costume, à sombra da figueira; e eram, como já se adivinhou, Miguel e Inhá a quem Linda tratava pelo nome.

Afastando-se de Miguel para passar a tronqueira, dera a menina ao talhe uma inflexão sedutora. Daquela travessa rapariga, com ares de diabrete, surgira de repente a mulher em toda a brilhante fascinação, na plenitude da graça irresistível que rapta a alma, e a arrasta após si cativa como um despojo, de rojo pelo chão e feliz de rojar-lhe aos pés.

Miguel levou as mãos aos olhos julgando-se ludíbrio de uma visão, e deslumbrado foi seguindo a menina sem consciência do que fazia.

Não voltou Inhá a cabeça, mas tinha ela a certeza de que o moço a acompanhava enlevado pelo garbo de seu passo, como pelo flexuoso requebro de seu talhe donoso.

Dirigiu-se a menina a uma aberta, que havia entre o palmar e a mata, e dava caminho para o prado. Também ela ia pressurosa ao encontro da amiga e camarada de infância, cuidando já encontrá-la no lugar emprazado, à sombra da figueira.

Ouvindo o apito de Afonso, deitou a correr; e Miguel despeitado com a sofreguidão que ela mostrara, deixou de responder ao camarada como costumava.

Chegou Berta à precinta do prado, justamente quando os dous irmãos iam desaparecer na vereda por onde tinham vindo.

— Linda!

— Ah! Berta! Eu não disse que ela vinha!

— Chegou agora, acudiu Afonso. Que dorminhoca!

— Hoje não quero graças com o senhor! replicou Berta com um sério petulante.

— Deveras! Pois estamos mal.

— Veio sozinha?

— Miguel aí vem; está se fazendo de rogado. Olhe!

Com efeito, Miguel apareceu da outra banda da esplanada.

— Quer campar de sério; mas aquilo é um maganão! Sonso como ele só; parece-se com certa pessoazinha que cá sei.

— Está bom, mano, eu lhe peço! balbuciou Linda acesa em rubores.

— Então, Miguel, chegas ou não chegas? Queres um cavalo para a viagem. Aqui tens um.

E o faceto rapaz apanhando um ramo seco, fez dele cavalo de pau, e lá se foi galopando oferecer a montaria ao camarada.

— Sai! Não estou para brincadeiras, disse Miguel.

— Que têm vocês hoje? Chegam aqui ambos de nariz torcido... Acaso viram borboleta preta no caminho?

— Assim, Afonso, brigue com ele! exclamou Berta batendo com a mão direita fechada na palma da mão esquerda. Eu cá já estou contente; vi um passarinho verde!

— Mas vamos a saber, Miguel. Se é comigo que você está zangado, diga a razão. Que lhe fiz eu?

Tão franca era a fisionomia de Afonso ao proferir estas palavras, e tão cordial afeto ressumbrava de sua voz, que Miguel correu-se de seu injusto ressentimento contra o amigo, e de todo se lhe desvaneceram no coração os ressaibos de ciúme, que o pungiam.

— Engano seu, Afonso. Não estou zangado com você. Vinha pensando em uma cousa desagradável, mas já se foi, respondeu Miguel com um sorriso de efusão, apertando comovido a mão do camarada.

— Ai! Ai! Cuido que houve sua briga entre os dous! Não lhe parece, Linda?

— Não sei; por que haviam de brigar?

— Pois eu digo o que foi, acudiu Inhá. Miguel quis deixar-me no caminho e ir caçar!

— Ah! exclamou Linda, com um trêmulo na voz maviosa. Não queria vir!

— Mas era só para me fazer pirraça! tornou Inhá. E senão veja, Linda; como eu lhe disse que me não importava com isso e vinha mesmo, logo ele não falou mais em caça, e veio pescar seu peixãozinho!...

— Berta!... murmurou Linda puxando a manga do corpinho da amiga.

— Uma piabinha do rio, não é, Inhá? dissera Afonso de envolta com uma gargalhada gostosa, que Inhá acompanhava com os trilos argentinos de seu riso fresco e puro.

— Não sei de que estão a rir com tanto gosto, observou Miguel enleado, sem ânimo de erguer os olhos para Linda.

— Acham graça em uma cousa à toa.

Súbito no mato soou um grito bravio, e logo após a voz estranha, ao mesmo tempo saturada de dor e impregnada de sarcasmo, lançou em uma gama estridente este clamor incompreensível:

— Til!... Til!... Til!... Ó Til!...