1Toda a cidade derrota
esta fome universal,
uns dão a culpa total
à Câmara, outros à frota:
a frota tudo abarrota
dentro nos escotilhões
a carne, o peixe, os feijões,
e se a Câmara olha, e ri,
porque anda farta até aqui,
é cousa, que me não toca;
Ponto em boca.
2Se dizem, que o Marinheiro
nos precede a toda a Lei,
porque é serviço d'EI-Rei,
concedo, que está primeiro:
mas tenho por mais inteiro
o conselho, que reparte
com igual mão, igual arte
por todos, jantar, e ceia:
mas frota com tripa cheia,
e povo com pança oca!
Ponto em boca.
3A fome me tem já mudo,
que é muda a boca esfaimada;
mas se a frota não traz nada,
por que razão leva tudo?
que o Povo por ser sisudo
largue o ouro, e largue a prata
a uma frota patarata,
que entrando co’a vela cheia,
o lastro que traz de areia,
por lastro de açúcar troca!
Ponto em boca.
4Se quando vem para cá,
nenhum frete vem ganhar,
quando para lá tornar,
o mesmo não ganhará:
quem o açúcar lhe dá,
perde a caixa, e paga o frete,
porque o ano não promete
mais negócio, que perder
o frete, por se dever,
a caixa, porque se choca:
Ponto em boca.
5Eles tanto em seu abrigo,
e o povo todo faminto,
ele chora, e eu não minto,
se chorando vo-lo digo:
tem-me cortado o embigo
este nosso General,
por isso de tanto mal
lhe não ponho alguma culpa;
mas se merece desculpa
o respeito, a que provoca,
Ponto em boca.
6Com justiça pois me torno
à Câmara Nó Senhora,
que pois me trespassa agora,
agora leve o retorno:
praza a Deus, que o caldo morno,
que a mim me fazem cear
da má vaca do jantar
por falta do bom pescado
lhe seja em cristéis lançado;
mas se a saúde lhes toca:
Ponto em boca.