Não me pareceu cousa fora de propósito tratar também neste Sumário de alguns bichos que nestas partes se criam, pois tudo há nesta mesma terra, dado que daqui se não compreenda mais que a diferença e a variedade das criaturas que há dumas terras para outras.
Há nestas partes muitos bichos ferozes e peçonhentos, principalmente cobras de muitas castas e de nomes diversos. Umas há tão grandes e tão disformes que engolem um veado todo inteiro, e afirmam que tem esta cobra tal qualidade que depois de o ter comido arrebenta pela barriga e apodrece com a cabeça e a ponta do rabo sãs; e tanto que desta maneira fica torna pouco a pouco a criar carne nova até que se cobre outra vez da mesma carne tão perfeitamente como a de antes: isto viram e experimentaram muitos índios e moradores da terra, a estas chamam pela língua dos índios jiboioçu. Outras há muito maiores e peçonhentas, de outra casta diferente, são tão grandes em tanto extremo que apenas dezesseis índios podiam levar uma que mataram junto da costa entre os portugueses; a esta cobra chamam surucucu. Outra geração há delas que lhe chamam boiteninga, tem na ponta do rabo uma cousa que soa propriamente como cascavel, e por onde esta cobra vai sempre anda rugindo, é uma das feras bichas que há na terra. Outras há na terra que lhe chamam hebijaras, têm duas bocas uma na cabeça outra no rabo, mordem com ambas: esta cobra é branca e muito curta, o mais do tempo está debaixo da terra, é peçonhentíssima sobre todas; quem desta for mordido não terá vida muitas horas, e assim qualquer destas outras que mordem alguma pessoa o mais que dura são vinte e quatro horas. Há outra qualidade delas que não têm dentes nem mordem. Estas não são peçonhentas nem tampouco muito grandes, chamam-lhes japaranas. Também afirmam alguns homens que viram serpentes nesta terra com asas muito grandes e espantosas, mas acham-se raramente.
Há muitos lagartos e grandes pelos rios d’água doce e pelos matos, cujos testículos cheiram melhor que almiscre. E a qualquer roupa que o chegam fica o cheiro pegado por muitos dias.
Os bichos mais ferozes e mais danosos que há na terra são tigres, e estes animais são deles tamanhos como bezerros, vão-se aos currais do gado dos moradores e matam muito dele e são tão ferozes e forçosos que uma mão que lançam a uma vitela ou novilho lhe fazem botar os miolos fora e levam-no arrasto pera o mato. Também pela terra dentro matam e comem alguns índios quando se acham famintos. Sobem pelas árvores como gatos, e dali espreitam a caça que por baixo passa e remetem de salto a ela, e desta maneira não lhes escapa nada: alguns destes animais matam em fojos os moradores da terra.
Toda esta terra do Brasil é coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano às parreiras dos moradores, e às laranjeiras que têm nos quintais; e se não foram estas formigas houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que lá são pouco necessárias porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra dele está provida. Também há muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre umas árvores que se chamam mangues, não pode nenhuma pessoa esperá-los; e pelo mato quando não há viração são muito sobejos e perseguem muito a gente.
Também há uma geração de ratos que trazem os filhinhos pendurados na barriga, e ali se criam e andam assim pegados até serem grandes. Bugios há muito e de muitas castas, como já se sabe. Tanto que as fêmeas parem pegam-se os filhos nas suas costas e sempre andam cavalgados nas mais até serem bem criados. E posto que as persigam e as matem não se querem desapegar delas. Há também muitos lobos-mari- Tratado da Terra do Brasil – História da Província Santa Cruz nhos e porcos-marinhos que se criam no mar e na terra. Outros muitos bichos há nestas partes pela terra dentro que será impossível poderem se conhecer nem escrever tanta multidão, porque assim como a terra é grandíssima, assim são muitas as qualidades e feições das criaturas que Deus nela criou.