Ao Dr. Reinaldo Porchat, mestre e amigo.
Soturna, verde-negra, impenetrável, dorme,
Ao sol canicular do estio, a mata bruta:
Sertão cerrado e umbroso, em cujo seio enorme,
Braceja emaranhada, a galharia hirsuta.
Dorme, escutando, ao longe, a voz do grande rio,
Que vem, turbilhonando as águas, campo fora,
Romper-lhe o matagal selvático e sombrio,
Desbravar-lhe o sertão, desvirginar-lhe a flora.
Rolando, estrepitando as ondas tributárias,
Que em seu calcáreo leito os rios vão depor,
Vem, como um rei, por entre as brenhas solitárias,
Rasgar-lhes a rudez do coração em flor.
Vem, todo azul, a uivar como um revolto oceano,
Povoar a solidão dos velhos troncos rudos,
O verde tremedal desse trevoso arcano,
Com o áspero fragor dos vagalhões sanhudos.
É o Tietê!... Rebramando as turbulentas vagas,
Que de tão longe vêm, para tão longe vão,
Bufando em gorgolões, espumarando as fragas,
Penetra o labirinto escuso do sertão.
Penetra a inextricada e virgem natureza,
Com o clamor feroz duma tribo selvagem.
Espelhando, no azul da vasta correnteza,
O tosco resplendor da rústica paisagem!
Retumba-lhe o bramar dos gritos acachoantes
Nessa imensa amplidão de matas brasileiras;
Dum lado e doutro lado, as árvores gigantes
Ensombram-lhe o pendor das velhas ribanceiras.
Pelos troncos ançiãos, pelos cipós da altura,
Viçam, bizarramente, agrestes parasitas;
E a densa mataria, esplêndida, fulgura
Num rubro carnaval de flores esquisitas.
E à natureza, casta e forte, de nateiros,
De tredos socavãos, de florestas estranhas,
Guardando, entesourada em séculos inteiros,
Uma fecundidade ardente nas entranhas.
Assim, por entre a terra exuberante e boa,
Por entre a seiva bruta, o rio que esbraveja,
Léguas e léguas vai surdo fragor que atroa,
Roncando pelo chão da brenha sertaneja.
A voz se lhe redobra; engrossa-lhe o alarido;
Ruge, furiosamente, a correnteza brava;
E eis que rebenta, uivando, o horríssono estampido.
O férvido acachoar do rouco "Avanhandava".
Já de longe se escuta, hediondo, rebramando
Pelos fundos desvios recônditos da mata,
Reboando com furor, colérico estrondando,
O estrupido brutal dessa brutal cascata!
A túrbida caudal, a ecoar de penha em penha.
Rola à beira do abismo as águas ululantes:
Remoinha, e ferve, e estoira, e toda se despenha
Num fervilhoso alvor de espumas borbulhantes!
Tal como um bandeirante, ousado na conquista,
O Tietê, encrespando as vagas cor de prata,
Largo, a rugir su'alma heróica de paulista,
Embrenha-se outra vez no coração da mata...