Minh'alma é como o deserto
De dúbia areia coberto,
Batido pelo tufão;
como a rocha isolada
Pelas espumas banhada,
— Dos mares na solidão. —

Nem uma luz de esperança,
Nem um sopro de bonança
Na fronte sinto passar!
Os invernos me despiram,
E as ilusões que fugiram
Nunca mais hão de voltar!

Roem-me atrozes idéias,
A febre me queima as veias,
A vertigem me tortura!...
Oh! por Deus! quero dormir,
Deixem-me os braços abrir
Ao sono da sepultura!

Despem-se as matas frondosas,
Caem as flores mimosas
Da morte na palidez:
Tudo, tudo vai passando,
Mas eu pergunto chorando
— Quando virá minha vez?


Vem, oh virgem descorada,
Com a fronte pálida ornada
De cipreste funerário,
Vem! oh quero nos meus braços
Cerrar-te em meigos abraços
Sobre o leito mortuário!

Vem oh morte! a turba imunda,
Em sua miséria profunda,
Te odeia, te calunia,
— Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No termo da romaria.

Quero morrer, que este mundo
Com seu sarcasmo profundo
Manchou-me de lodo e fel;
Porque meu seio gastou-se,
Meu talento evaporou-se
Dos martírios ao tropel!

Quero morrer: não é crime
O fardo que me comprime
Dos ombros lançar ao chão,
Do pó desprender-me rindo
E as asas brancas abrindo
Lançar-me pela amplidão!

Oh! quantas loiras crianças
Coroadas de esperanças
Descem da campa à friez!...
Os vivos vão repousando
Mas eu pergunto chorando:
— Quando virá minha vez? —


Minh'alma é triste, pendida,
Como a palmeira batida
Pela fúria do tufão;
É como a praia que alveja;
Como a planta que viceja
Nos muros de uma prisão!


S. Paulo — 1861.