Há uma porção de coisas que estão patentes ou se deduzem do capítulo anterior. Eusébio abandonou a mulher, foi para a guerra do Paraguai, veio ao Rio de Janeiro, nos fins de 1866, doente, com licença. Volta para a campanha. Não odeia a mulher, tanto que lhe manda lembranças e presentes. O que se não pode deduzir tão claramente é que Eusébio é capitão de voluntários; é capitão, tendo ido tenente; portanto, subiu de posto, e, na conversa com o tio, prometeu voltar coronel.
Agora, por que motivo, sendo a mulher tão boa, e, não a odiando ele, pois que lhe remete uns mimos, comprados para ela, de propósito, não aqui, mas já em Buenos Aires, por que motivo, digo eu, resiste o Capitão Eusébio à proposta de vir ver Cirila? That is the rub. Eis aí justamente o ponto intrincado. A imaginação perde-se em um mar de conjeturas, sem achar nunca o porto da verdade, ou pelo menos, a angra da verossimilhança. Não; há uma angra; parece-me que o leitor sagaz, não atinando com outro motivo, recorre à incompatibilidade de gênio, único modo de explicar este capitão, que manda presentes à consorte, e a repele.
Sim e não. A questão reduz-se a uma troca de datas. Troca de datas? Mas... Sim, senhor, troca de datas, uma cláusula psicológica e sentimental, uma coisa que o leitor não entende, nem entenderá se se não der ao trabalho de ler este escrito.
Em primeiro lugar, fique sabendo que o nosso Eusébio nasceu em 1842; está com vinte e quatro anos, depois da batalha de Curuzu. Foi criado por um pai severo e uma mãe severíssima. A mãe faleceu em 1854; em 1862 o pai determinou casá-lo com a filha de um correligionário político, isto é, conservador, ou, para falar a linguagem do tempo e do lugar, saquarema. Essa moça é D. Cirila. Segundo todas as versões, até de adversários, D. Cirila era a primeira beleza da província, fruta da roça, não da corte, aonde já viera duas ou três vezes, — fruta agreste e sadia. “Parece uma santa!” era o modo de exprimir a admiração dos que olhavam para ela; era assim que definiam a serenidade da fisionomia e a mansidão dos olhos. Da alma podia dizer-se a mesma coisa, uma criatura plácida, parecia cheia de paciência e doçura.
Saiba agora, em segundo lugar, que o nosso Eusébio não criticou a escolha do pai, aprovou-a, gostou da noiva logo que a viu. Ela também; ao alvoroço da virgem acresceu a simpatia que Eusébio lhe inspirou, mas uma e outra coisa, alvoroço e simpatia, não foram extraordinários, não subiram de certa medida escassa, compatível com a natureza de Cirila.
Com efeito, Cirila era apática. Nascera para as funções angélicas, servir ao Senhor, cantar nos coros divinos, com a sua voz fraca e melodiosa, mas sem calor, nem arrebatamentos. Eusébio não lhe viu senão os olhos, que eram, como digo, bonitos, e a boca fresca e bem rasgada; aceitou a noiva, e casaram-se daí a um mês.
A opinião de toda a gente foi unânime. — Um rapagão! diziam consigo as damas. E os rapazes: — Uma linda pequena! A opinião foi que o casamento não podia ser mais acertado e, portanto, devia ser felicíssimo. Pouco tempo depois de casados, morreu o pai de Eusébio; este convidou o tio a tomar conta da fazenda, e deixou-se ali ficar ao pé da mulher. São dois pombinhos, dizia o tio João aos amigos. E enganava-se. Era uma pomba e um gavião.
Dentro de quatro meses, as duas naturezas tão opostas achavam-se divorciadas. Eusébio tinha as paixões enérgicas, tanto mais enérgicas quanto que a educação as comprimira. Para ele o amor devia ser vulcânico, uma fusão de duas naturezas impetuosas; uma torrente em suma, figura excelente, que me permite o contraste do lago quieto. O lago era Cirila. Cirila era incapaz de paixões grandes, nem boas nem más; tinha a sensibilidade curta, e afeição moderada, quase nenhuma, antes obediência do que impulso, mais conformidade que arrojo. Não contradizia nada, mas também não exigia nada. Provavelmente, não teria ciúmes. Eusébio disse consigo que a mulher era um cadáver, e, lembrando-se do Eurico, emendou-lhe uma frase: — Ninguém vive atado a um cadáver, disse ele.
Três meses depois, deixou ele a mulher e a fazenda, tendo assinado todas as procurações necessárias. A razão dada foi a guerra do Paraguai; e, com efeito, ele ofereceu os seus serviços ao governo; mas não há inconveniente que uma razão nasça com outra, ao lado, ou dentro de si mesma. A verdade é que, na ocasião em que ele resolvia ir para a campanha, deliciava os habitantes do Piraí uma companhia de cavalinhos na qual uma certa dama, rija, de olhos negros e quentes, fazia maravilhas no trapézio e na corrida em pêlo. Chamava-se Rosita; e era oriental. Eusébio assinou com essa representante da república vizinha um tratado de perpétua aliança, que durou dois meses. Foi depois do rompimento que Eusébio, tendo provado o vinho dos fortes, determinou deixar a água simples de casa. Não queria fazer as coisas com escândalo, e adotou o pretexto marcial. Cirila ouviu a notícia com tristeza, mas sem tumulto. Estava fazendo crivo; parou, fitou-o, parece que com os olhos um tanto úmidos, mas sem nenhum soluço e até nenhuma lágrima. Levantou-se e foi cuidar da bagagem. Creio que é tempo de acabar este capítulo.