ULTIMA FOLHA.


Tout passe,
Tout fuit.
V. Hugo.


Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
        A ultima harmonia.

Dos teus cabellos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cahir ao chão as alvas rosas
        E as alvas margaridas.


Vês? Não é noite, não, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pallidos e frios
        O sol resplandecente.

Vês? Lá ao fundo o valle arido e secco
Abre-se, como um leito mortuario;
Espera-te o silencio da planicie,
        Como um frio sudario.

Desce. Virá um dia em que mais bella,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
        Dos teus primeiros dias,

Então coroarás a ingenua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva phantastica dos ermos,
        Irás, musa celeste!

Então, nas horas solemnes
Em que o mystico hymeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;


Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enluctou,
Bafeja a brisa suave
Cedros que o vento abalou;

E o rio, a arvore e o campo,
A arêa, a face do mar,
Parecem, como um concerto,
Palpitar, sorrir, orar;

Então sim, alma de poeta,
Nos teus sonhos cantarás
A gloria da natureza,
A ventura, o amor e a paz!

Ah! mas então será mais alto ainda;
    Lá onde a alma do vate
    Possa escutar os anjos,
E onde não chegue o vão rumor dos homens;

Lá onde, abrindo as asas ambiciosas,
Possa adejar no espaço luminoso,
Viver de luz mais viva e de ar mais puro,
    Fartar-se do infinito!


Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao éco dos sagrados ermos
    A ultima harmonia!