São dez horas da manhã. Estamos em casa de Maria Alexandrovna, na Rua Grande, no aposento que a dona da casa, nos dias duplices, enfeita com o titulo de sala. (Maria Alexandrovna, dispõe tambem de um camarim.) O papel das paredes é correctissimo. Os moveis, pouco commodos, arvoram com verdadeira predilecção a côr vermelha. Ha um fogão, e em cima do fogão um espelho; deante do espelho um relogio tendo por assunto um Cupido do mais execrando gosto. Nas paredes, no intervallo das janéllas, dois espelhos a que já tiraram as capas. Adeante dos espelhos, duas banquinhas, e ainda dois relogios. Toma a metade de um apainelado um piano de cauda. (Mandaram vir o dito piano para a Zina: cultiva a musica.) Ao pé do fogão, no qual arde uma bôa fogueira, estão dispostas umas poltronas em desalinho pinturesco a mais não poder ser. Ao meio outra banquinha. No outro extremo da casa, ainda outra mesa, tapada com uma toalha immaculada e em cima, um samovar de prata, a ferver, no meio de um lindissimo serviço para chá. Uma senhora, residente em casa de Maria Alexandrovna, a titulo de parenta affastada, Nastassia Petrovna Ziablova, está especialmente incumbida do chá.

Duas palavras ácerca da alludida senhora. É viuva, frescalhona, com uns olhos castanhos escuros muito vivos, assaz bem parecida; é alegre, velhaca, até; linguareira, escusado será dizê-lo, e sabendo levar agua ao seu moinho; tem dois filhos no collegio, para ahi, algures. Não se lhe daria de tornar a casar; vive com bastante independencia; o marido era official.

Maria Alexandrovna em pessoa está sentada ao pé do fogão: acha-se de boa catadura. Traja um vestido verde claro, assentando-lhe a primor. Está contentissima com a vinda do principe. N'este ensejo, o principe está lá em cima, todo elle entregue á tarefa de se infunicar.

Maria Alexandrovna nem sequer pensa em esconder o seu contentamento. Deante d'ella, um rapaz a fazer boquinhas e a cantar, muito animado, seja o que fôr. Percebe-se que se desvéla por agradar a quem o está escutando. Tem vinte e cinco annos. Se não fossem as suas exuberancias, se não fossem tambem as suas pretensões a engraçado, seria toleravel. Está bem vestido, é loiro e de agradavel presença. Já a elle nos referimos, é o senhor Mozgliakov, môço sobre quem se fundaram esperanças matrimoniaes. Maria Alexandrovna acha-lhe a cabeça um tanto ôca, mas nem por isso deixa de o receber muito bem. Diz elle que está loucamente apaixonado pela Zina. Dirige-se a esta continuamente, ancioso por alcançar um ar de riso a poder de bons ditos e de azoamento. Ella, comtudo, mantem-n'o a distancia, com extrema frialdade. A joven está de pé junto ao piano, a folhear um almanaque. É uma dessas mulheres que produzem effeito geral ao entrarem numa sala. É peregrinamente formosa: alta, morena, com uns immensos olhos quasi pretos, esbelta, com um collo magnifico, uns pésinhos encantadores, espaduas e mãos de molde classico, e um pisar de rainha. Está hoje um tanto descoráda, a pallidez, comtudo, torna-lhe mais conspicuo o rubido fulgor dos labios por entre os quaes lhe luzem, tal qual perolas em fio, uns dentinhos miudinhos e regulares. Era caso para qualquer de nós sonhar com elles, três dias a fio, só de lhes ter posto a vista em cima. É séria a sua expressão.

O senhor Mozgliakov dir-se-hia arrecear-se do olhar fito da Zina, pelo menos não ergue para esta os olhos sem um tal qual enleio.

É singelissimo o vestido da joven, de gaze branca: Está-lhe bem o branco, está-lhe lindamente o branco... E d'ahi, que haverá que lhe não fique bem? Traz enfiado n'um dedo um annel de cabello entrançado. A julgar pela côr, aquelles cabellos não são os da mamã. Mozgliakov nunca se afoitou a perguntar de quem seriam aquelles cabellos. Está taciturna, esta manhã, triste, até, ou preoccupada, pelo menos. Em compensação, Maria Alexandrovna acha-se em maré de dar á lingua. De vez em quando, esguêlha uns olhos desconfiados para a Zina, e olhos furtivos quanto possivel, como que não se arreceando menos da joven.

—Estou tão contente, Pavel Alexandrovitch, (dir-se-hia pipilar) que estou capaz de gritar da janella abaixo o meu contentamento a quem passa pela rua. Sem falarmos da agradabilissima surpreza que nos proporcionou, a mim e á Zina, com vir quinze dias mais cedo do que o esperavamos. É caso á parte. Mas o que mais me penhorou foi a attenção que teve comnosco trazendo comsigo o principe. Se soubesse como eu adoro aquelle encanto aquelle vélhinho! Não pode comprehender-me! As pessoas da sua edade seriam incapazes de semelhante affeição. Não sabe as circumstancias que entre mim e elle se deram, ha seis annos? Lembras-te, Zina? E eu sem me lembrar de que n'esse tempo estavas em casa de tua tia. Estou que me não acreditaria, Pavel Alexandrovitch, se eu lhe dissesse, que servi de guia ao principe, que fui para elle, irmã, mãe? Havia lhaneza, carinho, nobreza n'aquella nossa ligação. Era... pastoril!... Nem eu sei como a hei de definir. Eis o motivo porque elle se lembrou da minha casa com tamanha gratidão, o pobre do principe! E se eu lhe disser, Pavel Alexandrovitch, que é possivel até que o salvasse trazendo-o para minha casa? Não podia evitar o confranger-se-me o coração, durante aquelles seis annos, sempre que me punha a pensar n'elle!... Eu... quer acreditar?... até sonhava com elle! Dizem que aquella creatura, a tal sua carcereira, o enfeitiçou, que o deitou a perder... mas, emfim, o senhor arrancou-o das garras d'aquella harpia! Urge aproveitar a occasião para o salvar completamente... Mas conte-me, mais uma vez, como foi que o conseguiu? Descreva-me, muito por miudos, o encontro de um e outro. Eu ainda agora fiquei tão sobresaltada! Não vi senão os traços geraes, mas não ha pormenor que não seja precioso a meus olhos. Se eu sou assim! Pello-me pelas minudencias, nos acontecimentos de maior vulto, são os pormenores que primeiramente me chamam attenção... e... emquanto elle se está arrebicando...

—Mas se eu já lhe contei tudo, apressa-se em responder Mozgliakov, prompto a recapitular a narrativa pela décima vez. Tinha viajado toda a noite... não tinha pregado olho; estava com tanta pressa de chegar ao meu destino! (Esta ultima phrase ia sobrescritada para a Zina.) Tive que aturar contendas, berreiros por occasião das mudas. Eu proprio, confesso, não fiz tambem pouca algazarra. É um poema moderno, sem tirar nem pôr. Mas vamos adeante. Ás seis horas da manhã, em ponto, eis que chêgo á ultima muda, em Ignichévo. Tranzido, mas, isso sim! nem sequer tiro uns minutos para me aquécer. Pégo a gritar: "Cavallos!" Estou em dizer, até, que metti um susto á mulher do capataz das mudas: tinha ao collo um néné, de peito, e estou com receio que se lhe talhasse o leite.—Era admiravel o despontar do sol! Sabe, aquelle pó da geada escarlate e prateada? E eu, sem attentar em coisa nenhuma, ia a vapor!

Empalmo uns cavallos a um tal conselheiro de collegio,—com quem por um triz que não tenho um duéllo. Afiançam-me que um quarto de hora antes tinha abalado da dita muda um certo principe que viaja com cavallos proprios. Que pernoitara na muda. Quasi que nem lhes dou ouvidos, salto para a carruagem, vôo por ali fóra tal qual um prisioneiro escapulido.—Ha uma situação parecida em uma elegia de Fet[1].—Ora, a nove verstas da cidade, justamente, em vista do retiro de Svietozerskaia, avisto o que quer que seja de singular! Uma grande carruagem de jornada caída na estrada. O cocheiro e dois latagões de dois lacaios, de pé, junto da mesma, e muito atrapalhados. Lá do fundo da carruagem vinham uns bérros que me confrangiam a alma!... Eu podia seguir por deante, não tinha nada com isso, mas levou a melhor a humanidade, pois, como diz Heine, mette o nariz em toda a parte. Paro, pois. Eu, o meu yamstchik Semene, e uma outra alma russa, accudimos a ajudar e entre nós seis pômos em pé a carruagem. Pômol-a de pé,—quero dizer, sobre os patins.—Uns mujiks que levavam uma carga de lenha para a cidade ajudaram-nos tambem, (apanharam bem boa gorgêta). E eu a dizer commigo: É o tal principe que passou a noite na muda. Ólho: Santo Deus! É o principe Gavrila! Que encontro este! "Principe! bradei: tiozinho!" Á primeira vista, não me conheceu; nem sei se me reconheceria á segunda: e agora mesmo não estou bem certo em que me reconhecesse. Creio que nem sequer já se lembra do nosso parentesco. Vi-o pela primeira vez, em Petersburgo. N'esse tempo era eu um garoto. Lembro-me muito bem, mas elle, podia-se lá lembrar de mim? Apresento-me: fica encantado! Beija-me, e depois pega a tremer de susto e, em conclusão, desata a soluçar. Por Deus! Vi-o com meus proprios olhos: até chorou! Palavra puxa palavra e, em conclusão, acabei por lhe propôr que viesse até Mordassov tomar um dia de descanso. Consentiu sem hesitações. Declarou-me que ia para o retiro de Svietozerskaia, para casa do arcypreste Missail a quem tem em grande conta; que a Stepanida Matvéina—qual de nós, parentes do Principe, não terá ouvido falar de Stepanida Matveiévna? O anno passado, escorraçou-me de Dukhanovo com o pau da vassoira!... Que a Stepanida Matveiévna recebera pois uma carta exigindo a sua presença em Moscou pelo fallecimento de alguem, o pae ou a filha, nem sei nem quero saber,—talvez que pae e filha ao mesmo tempo, e ainda por cima para ahi qualquer segundo sobrinho empregado na fiscalização dos vinhos. N'uma palavra, tivera que conformar-se, desamparar o seu principe por uns dez dias e levantar vôo, a toda a pressa, para a capital.

O principe demóra-se um dia; dois dias, sem se mexer, a experimentar chinós, a encalamistrar-se, a pentear-se, a fazer paciencias: em conclusão, a solidão acabou por lhe ser pesada. Foi então que mandou pôr o trem e metteu a caminho do retiro de Svietozerskaia. Alguem do seu séquito, com medo do phantasma da Stepanida Matveiévna, atrevera-se a ir-lhe á mão. Mas o principe é cabeçudo e tinha abalado na vespera, depois de jantar, pernoitando em Ignichevo, largara da muda de madrugada, e, justamente na volta do caminho que vae ter á residencia do arcypreste, por pouco se não despenha com a carruagem n'uma barroca. Salvei-o e persuadi-o a vir para casa da nossa amiga commum, a dignissima Maria Alexandrovna. Diz elle que a senhora é a dama mais encantadora que tem encontrado em toda a sua vida, e cá estamos. O principe está a pôr em ordem os arrebiques com o criado particular de quem porfiou em não prescindir. Mais depressa se deixaria morrer do que apresentar-se em casa de uma senhora sem a roupa toda da ordem... E aqui tem a historia toda... é uma historia deliciosa!

—Que humorista, hein! Zina? exclama Maria Alexandrovna. Que captivante narrador! Escute, Pavel, uma pergunta: explique-me bem o seu parentesco com o principe. O senhor trata-o de tio.

—Por Deus! Maria Alexandrovna, se eu sou o proprio a não saber, como é que sou seu parente. Estou em dizer, até, que talvez seja preciso para ahi um cento de gravêtos para sermos do mesmo ramo. Mas eu cá trato-o de tiozinho, e elle responde-me. E ahi tem, até hoje, todo o nosso parentesco...

—Foi Deus em pessoa que o inspirou em m'o trazer para aqui. Arrepio-me só de pensar que poderia ter ido hospedar-se para outra qualquer parte. Devoravam-n'o! Atiravam-se a elle como quem se atira a um thesouro, a uma mina!... Eram capazes de lhe tirar a camisa! Não põe na sua ideia o que por ahi vae de almas sofregas, vis e arteiras n'esta nossa Mordassov.

—Ah! meu Deus! mas para onde queria que o levassem a não ser para sua casa? Sempre tem cada uma, Maria Alexandrovna, interveiu Nastassia Petrovna, a incumbida do chá. Talvez quisesse que carregassem com elle para casa da Anna Nikolaievna!

—Mas com tudo isso, por que se demorará elle tanto? É exquisito! disse Maria Alexandrovna, erguendo-se, impaciente.

—O tio? Aquillo ainda é negocio para cinco horas! E d'ahi, bem sabe que está perdido da memoria; é capaz de se ter esquecido de que é seu hospede. É um homem extraordinario, Maria Alexandrovna. Se soubesse!

—Ora vamos! Que está a dizer?

—A verdade, Maria Alexandrovna. É um homem mecanico. Não o vê ha seis annos, mas sei o que ha a esse respeito. É a recordação de um homem, esquéceram-se de o enterrar. Tem olhos de vidro, pernas de cortiça; todo elle de engonços, a propria voz é artificial.

—Valha-nos Deus, sempre é um tal esturdio! exclamou Maria Alexandrovna com uns modos doridos. Não tem vergonha, o senhor, a falar assim de um veneravel ancião, que é seu parente? (A voz de Maria Alexandrovna, n'esta altura assume entonação tocante.) Sequer ao menos, lembre-se de que é uma reliquia da nossa aristocracia! Meu amigo, essas leviandades provêm-lhe das taes novas ideias em que está sempre a falar. Meu Deus! tambem eu participo dessas ideias; comprehendo que o principio que rege as suas opiniões é nobre, honrado. Presinto n'essas ideias novas o que quer que é de elevado, de sublime. Mas tudo isso não me impede de ver os lados praticos, por assim dizer—da questão. Tenho vivido na sociedade, conheço melhor que o senhor os homens e as coisas, pois que o senhor é apenas um rapaz. Este vélhinho afigura-se-lhe ridiculo lá por causa da edade. O senhor, ha dias, affirmava que queria dar alforria aos seus servos, que cada qual deve ir com o seu século. Tudo isso, sem duvida, lá por que o leu para ahi algures no tal seu Shakespeare! Acredite, Pavel Alexandrovitch, o seu Shakespeare já lá vae ha que tempos. Se elle resuscitasse, apezar de ser um génio, não percebia uma palavra do viver moderno. Se alguma coisa existe de majestoso, de cavalheiresco n'esta nossa sociedade contemporanea, é com certeza a aristocracia. Um principe é sempre um principe; faz um palacio ainda que seja de uma cabana. Ao passo que o marido da Natalia Dmitrievna, que mandou construir um palacio, fica sendo o marido da Natalia Dmitrievna, e mais nada,—e a Natalia Dmitrievna pode pôr em cima de si meio cento de crinólines, que nunca passará de ser a Natalia Dmitrievna como d'antes. Tambem o senhor, meu caro Pavel, é um representante da aristocracia, de lá veiu. Aqui onde me vê, ouso tambem ter-me na conta de não ser alheia á aristocracia. Pois bem! Ai do filho que chasqueia dos proprios antepassados! E d'ahi, não deixará de convir, d'aqui a nada, meu amiguinho, que é preciso pôr de lado o seu Shakespeare, sou eu que lh'o digo. Estou certa em que agora mesmo não é sincéro. Está armando ao effeito!... Mas... eu para aqui a dar á lingua! Deixe-se estar, meu querido Pavel; vou saber noticias do principe. Talvez precise de alguma coisa, e com estes meus criados!... E saiu apressada Maria Alexandrovna.

—Maria Alexandrovna parece estar contentissima pelo facto de o principe não se ter ido hospedar para casa da elegante Anna Nikolaievna; e comtudo, a Anna Nikolaievna tem pretensões a ser parente do principe. É capaz de estoirar de raiva!—observou Nastassia Petrovna.

Mas, notando que lhe não respondem, Madame Ziablova, depois de haver esguelhado uma olhadéla para a Zina e para Pavel Alexandrovitch, percebe que é alli de mais e sae, tambem, como quem vae procurar qualquer coisa. E d'ahi, desforra-se da propria discreção deixando-se ficar atráz da porta, de ouvido á escuta.

Pavel Alexandrovitch trata logo de se approximar da Zina; está commovidissimo, com a voz a tremer:

—Zinaida Aphanassievna! Não está zangada commigo? diz timidamente e com modo supplice.

—Com o senhor? Mas por quê? pergunta a Zina um tanto ruborizada, erguendo sobre elle os esplendidos olhos.

—Pela minha vinda prematura, Zinaida Aphanassievna, já não podia supportar mais longo apartamento. Ainda mais quinze dias! E eu a vêl-a sempre em sonhos! Vim para saber a minha sorte... Mas por que franze as sobrancelhas, está zangada? Com que então, ainda hoje não apanho resposta decisiva?

Á Zinaida, effectivamente, carregou-se-lhe o parecer.

—E eu antevia que me havia de falar a esse respeito, encetou ella em voz rispida com uns vislumbres de despeito. (Declina a vista.) E como semelhante apprehensão me maguou em extremo, acho melhor cortar de vez toda e qualquer indecisão... mais vale assim... O senhor exige, quero dizer, pede uma resposta? Seja assim. A minha resposta será a mesma que já lhe dei: espere. Repito-lhe, ainda não estou resolvida, não lhe posso prometter o ser sua mulher... Não é coisa que se obtenha por exigencia, Pavel Alexandrovitch; mas, para o tranquillizar accrescentarei que o não rejeito definitivamente. E comtudo, note que, se o deixo esperar uma decisão favoravel, é por dó da sua inquietação. Repito-lhe que quero tomar em plena liberdade a minha decisão, e se eu em conclusão lhe declarar que o rejeito, nem por isso depois me deve increpar por lhe ter dado esperanças. E fique isto assente por uma vez!

—Mas então, então! exclamou Mozgliakov em voz de mais em mais supplice, será isso uma esperança? Poderei fundar uma qualquer esperança n'essas suas palavras, Zinaida Aphanassievna?

—Lembre-se de tudo que lhe tenho dito e funde tudo que quiser: é livre. E nada mais acrescentarei. Não o rejeito, digo-lhe, tão somente: Espere! Reservo-me o direito de o rejeitar se assim o julgar necessario... Far-lhe-hei ainda notar o seguinte, Pavel Alexandrovitch: se veiu mais cedo do que tinha dito com o sentido em operar por meios indirectos, esperançado em fazer valer a sua influencia, a da mamã, por exemplo, enganou-se nos seus calculos. Se assim fôra, rejeitál-o-hia de vez, entendeu? E agora, basta, se me faz favor! Até que eu proprio lhe torne a falar n'isso, nem palavra a semelhante respeito.

Foi proferido em tom firme, sêcco, o conjuncto d'este discurso, sem hesitações, como se fôra decorado de antemão. E Pavel sente o nariz a crescer-lhe. N'este comenos eis que entra Maria Alexandrovna. Logo atráz d'esta entra madame Ziablova.

—Já ahi vem, Zina! Quer-me parecer que não tarda ahi! Nastassia Petrovna, avie-se... o chá!

E Maria Alexandrovna n'uma azafama, toda ella.

—A Anna Nikolaievna já mandou saber noticias; a Aniutka, a creada, até já veiu pedir informações á copa. Ha de estar como uma bicha! disse a Nastassia Petrovna, investindo com o samovar.

—E a mim que me importa? responde Maria Alexandrovna, a desfechar as palavras por cima do hombro a madame Ziablova. Como se me interessasse o que poderá pensar Anna Nikolaievna! Tenho a certeza em como não serei eu que mande seja quem fôr á sua copa. E demais, fique sabendo, muito me admiro de que me façam passar por inimiga da Anna Nikolaievna, coitada! Pois é opinião corrente em Mordassov. Ora seja juiz, Pavel Alexandrovitch. Conhece-nos a ambas: por que é que eu havia de ser sua inimiga? Para lhe disputar a supremacia? Sou indifferente a essas coisas! Ella que seja a primeira, eu lhe irei dar os parabens! Emfim, é injusto, e quero defendêl-a. É meu dever. Mas para que é que a calumniam, para que hão de andar a malhar assim na pobre da creatura? É nova, gosta de se enfeitar: será por isso? Quanto a mim, acho que vale mais gostar dos trapos do que um certo numero de coisas de que tanto gosta a Natalia Dmitrievna, das taes coisas que nem sequer se podem nomear. Será ainda lá porque a Anna Nikolaievna gosta de visitas e não pode parar em casa? Mas, santo Deus! Se ella não tem instrucção de qualidade nenhuma, e com certeza que lhe havia de ser difficil o abrir um livro e entreter-se dez minutos a fio fosse com o que fosse. É garrida, dá de olho, da janella abaixo, a todo e qualquer que passa pela rua. E d'ahi?... Mas para que será que andam para ahi a apontál-a como uma beldade? É macilenta, que até mete medo! Dansa que é um riso vê-la, chega a ser comica, convenho, mas por que será que dizem que a polkar é um portento? Usa uns chapeus inconcebiveis! E d'ahi, ella terá culpa de lhe faltar o gosto? Affirme-lhe que faz bem em pregar na cabeça um papel de rebuçado, e verá que o faz. É linguareira, mas se por aqui não haverá quem o não seja. O senhor Suchilov, com aquellas suas enormes suissas, está pregado em casa della de manhã até á noite, e de noite até manhã, tenho a certeza. E d'ahi, santo Deus! para que é que o marido joga as cartas até ás cinco horas da madrugada? Se o que se vê por ahi são maus exemplos! E demais, não deixará de ser talvez mais outra calumnia. N'uma palavra, hei de sair sempre, sempre, sempre, sempre a defendêl-a... Mas! ai, Senhor! Ahi vem o principe! É elle! é elle! conheci-lhe os passos! Era capaz de os distinguir entre mil. Até que o vejo, afinal, meu principe!...

Notas editar

  1. Poeta russo.