É o nome de Rotschild que aos olhos do mundo se incarna a idéia da riqueza. A lâmpada de Alam, de que cada um de nós tem na imaginação uma cópia, arranca-lhe de cada sílaba uma chispa de pedra preciosa. Ele é o dístico de um tesouro acumulado com avidez judaica através dos tempos e de que só desabam catadupas de ouro quando solicitadas pela volúpia do negócio. Ele é a glória da raça, a ventosa terrível sugando energias de hebreus e submissões de cristãos, e é o senhor do ouro que, como o mar, recebe de todas as nascentes, e de água turva com água límpida faz a mesma onda que estrondeia em espumaradas de prata.

Rotschild não é uma entidade, é um símbolo - o dinheiro. Ele faz tremer as nações, vê a seus pés os mais nobres governos e finca no mundo as suas garras formidáveis, enterrando-lhas até ao âmago, bem como o abutre enterra as suas na carne tenra de um cordeiro.

Como o frágil animal, o mundo sangra, - na agonia do proletário, do faminto, do sem vintém, para cujos olhos o capital é o roubo, e que aí estão rugindo mais alto que o balir trêmulo do cordeirinho na aflição da morte...

Rotschild! Pode ser amado este nome luminoso e que retine com uma tão ampla sonoridade de ouro? Diria não, se a leitura de um testamento me não viesse provar que ele não quer dizer unicamente: metal, negócio, lucro. É pois certo que Rotschild é nome de homem!



Tenho observado, talvez mal, que o egoísmo humano em nenhuma formula tão bem se evidencia, como na testamentária. Pessoas riquíssimas e cuja fortuna ao serviço de um coração generoso se podia expandir num largo círculo, fazem testamentos em que concentram todos os haveres nos seus herdeiros da lei ou em pouquíssimos mais. Assim, ninguém que as não tivesse conhecido em vida as diria capazes de matar com um bocado de pão duro, a fome de qualquer mendigo que lhes batesse à porta.

Toda aquela fortuna parece ter sido passada a outrem a contragosto, de olhos fechados, num mergulho inevitável.

É bem difícil fazer-se um testamento, visto que é tão raro aparecer algum em que a justiça, a ternura e a humanidade transpareçam.

Entretanto, nenhum ato pode ser mais consolador nem mais belo para um homem de grande fortuna e largo espírito, do que esse de espalhar, após o seu completo desaparecimento da Terra, o bem estar e a alegria por um punhado de gente que sofre e que trabalha.

É ainda a maneira que os ricos têm de se fazerem perdoados de bens, adquiridos muitas vezes pelo seu próprio esforço, mas que nem por isso deixam de ser mal vistos pelos que nada alcançam...

Rotschild! é de Adolfo Rotschild o testamento glorioso, que li em um jornal e onde há legados comovedores.

Se houve culpas nos seus antepassados, este homem de bem redime-as todas nestas páginas de clemência. Sem apagar um único beneficio que o coração decretara no primeiro impulso, ele quarenta e quatro vezes alterou o seu testamento, para desenvolver, acrescentar os socorros que a observação da vida lhe ia sugerindo.

Sem falar nos asilos, hospitais, escolas e museus, para os quais deixou montões e montões de dinheiro, milhares e milhares de contos; sem comentar a abundância das verbas destinadas à manutenção dos institutos, onde a raiva e o croup encontram lenitivo e remédio, destacarei os legados, que me pareceram mais reveladores de um coração raro. Este, por exemplo: determinou uma quantia para auxílio de moças pobres que vivam do seu trabalho. Isto não tem o valor banal da caridade, atirando dinheiro aos pobres como migalhas aos peixes; encerra uma idéia de acoroçoamento, de estímulo, de aplauso, é como um carinho fraternal, que não será recebido sem lágrimas.

O grande argentário pensou na operária sacrificada, na laboriosa filha do povo, para quem só têm olhos a concupiscência e a perdição, e atirou-lhe um adeus de amigo, que tão raramente o homem dá à mulher, e que seria sempre o mais suave esteio para as suas fraquezas...

Não é menos encantador, na sua simplicidade, o benefício aos animais em geral, cuja sorte triste procurou minorar. Assim, os cavalos que tenham trabalhado, chegado o instante inevitável da decadência ou da ruma, não serão aproveitados em misteres brutais, em que o seu pobre corpo esfalfado vergue ainda no interesse do dono egoísta.

Chegamos ao último legado, que eu não classificarei, porque toda a sua filosofia adorável fala por si. É simples:

Adolfo Rotschild, deixou a uns tantos sacerdotes velhos, de qualquer religião, soma que lhes permita exercerem tranqüilamente em França o seu ministério.

Esta lembrança abre-se aos meus olhos como uma flor até hoje desconhecida. Nem a cor, nem a forma, nem o aroma denunciam a semente que lhe deu origem; tão sabido é que a tolerância absoluta raro germina na Terra.

Cada um de nós pensa que da nossa religião é que há de vir a felicidade ao mundo, porque só ela é perfeita e é verdadeira. Bálsamos que outras derramem, que nos importam, se nem elas são justas, nem os seus filhos nossos irmãos?

Guerreêmo-nos, matemo-nos em nome da nossa Fé, que será um dia a de todos que nós tivermos vencido ou que vierem ao nosso chamamento. A esta idéia turbulenta, desorientadora e triste, responde a voz serena daquele parágrafo, em que um judeu oferece amparo a velhos sacerdotes pobres, católicos, israelitas ou protestantes, para a sua manutenção, aconselhando ao mesmo tempo aos seus descendentes, que lhe sigam o exemplo de tolerância e de liberdade religiosa.