(Mile de Maupin.)

É porque eu sou assim que o mundo me repele,
E é por isso também que eu nada quero dele
Minh'alma é uma região ridente e esplendorosa,
Na aparência; porém pútrida e pantanosa,
Cheia de emanações mefíticas, repleta
De imundos vibriões, como a região infecta
Da Batávia, de um ar pestífero e nocivo.
Olha a vegetação: tulipas de ouro vivo,
Fulvos nagassaris de ampla coroa, flores
De angsoka, pompeando a opulência das cores,
Viçam; viçam rosais de púrpura, sorrindo
Sob o límpido azul de um céu sereno e infindo...
Mas a flórea cortina entreabre, e vê: - no fundo,
Sobre os trôpegos pés movendo o corpo imundo,
Vai de rastos um sapo hidrópico e nojento...

Olha esta fonte agora: o claro firmamento
Traz no puro cristal, puro como um diamante.
Viajor! de longe vens, ardendo em sede? Adiante!
Segue! Fora melhor, ao cabo da jornada,
De um pântano beber a água que, estagnada
Entre os podres juncais, em meio da floresta
Dorme... Fora melhor beber dessa água! Nesta
Se acaso a incauta mão mergulha um dia a gente,
Ao sentir-lhe a frescura ao mesmo tempo sente
As picadas mortais das peçonhentas cobras,
Que coleiam, torcendo e destorcendo as dobras
Da escama, e da atra boca expelindo o veneno...

Segue! porque é maldito e ingrato este terreno:
Quando, cheio de fé na colheita futura,
Antegozando o bem da próxima fartura,
Na terra, que fecunda e boa te parece,
Semeares trigo, - em vez da ambicionada messe,
Em vez da espiga de ouro a cintilar, - apenas
Colherás o meimendro, e as cabeludas penas
Que, como serpes, brande a mandrágora bruta,
Entre vegetações de asfódelo e cicuta...

Ninguém logrou jamais atravessar em vida
A floresta sem fim, negra e desconhecida,
Que eu tenho dentro d'alma. É uma floresta enorme,
Onde, virgem intacta, a natureza dorme,
Como nos matagais da América e de Java:
Cresce, crespa e cerrada, a laçaria brava
Dos fléxiles cipós, curvos e resistentes,
As árvores atando em voltas de serpentes;
Lá dentro, na espessura, entre o esplendor selvagem
Da flora tropical, nos arcos de folhagem
Balançam-se animais fantásticos, suspensos:
Morcegos de uma forma extraordinária, e imensos
Escaravelhos que o ar pesado e morno agitam.
Monstros de horrendo aspecto estas furnas habitam:
- Elefantes brutais, brutais rinocerontes,
Esfregando ao passar contra os rugosos montes
A rugosa couraça, e espedaçando os troncos
Das árvores, lá vão; e hipopótamos broncos
De túmido focinho e orelhas eriçadas,
Batem pausadamente as patas compassadas.

Na clareira, onde o sol penetra ao meio-dia
O auriverde dossel das ramagens, e enfia
Como uma cunha de ouro um raio luminoso,
E onde um calmo retiro achar contaste ansioso,
- Transido de pavor encontrarás, piscando
Os olhos verdes, e o ar, sôfrego, respirando,
Um tigre a dormitar, com a língua rubra o pêlo
De veludo lustrando, ou, em calma, um novelo
De boas, digerindo o touro devorado...

Tem receio de tudo! O céu puro e azulado,
A erva, o fruto maduro, o sol, o ambiente mudo,
Tudo aquilo é mortal... Tem receio de tudo!





E é porque eu sou assim que o mundo me repele,
E é por isso também que eu nada quero dele!