Um dia de manhã o sr. Mateus teve um acesso de cólera. Abrira o Jornal do Commercio e lera a lista definitiva dos candidatos ao eleitorado da Paróquia. O nome do filho brilhava pela ausência!
Foi um Dies irae.
O sr. Mateus, com o jornal amarrotado na mão, precipitou-se no quarto de José Cândido.
— Malandro! pelintra, ratoneiro! Que é isto? Onde estão os meus quatro contos? dizia ele fazendo da gazeta um chicote e ferindo com ele o ar.
— Que é? disse o filho espantado.
O sr. Mateus berrou ainda alguns adjetivos, primeiro que explicasse o motivo da cólera. Depois explicou. José Cândido ficou pálido, mas dominou-se logo. Simulou um grande espanto, e prometeu que ia saber o motivo daquilo. O dinheiro não estava perdido, porque só o dera com a condição do eleitorado.
— Tolo fui eu em ceder! exclamou o sr. Mateus.
José Cândido saiu e voltou daí a uma hora.
— Tudo está explicado, disse ele, essa lista é apócrifa.
José Cândido tinha apreendido a palavra apócrifa, nas lutas eleitorais; o pai, que nunca entrara nelas, ignorava absolutamente o sentido da palavra e teve vergonha de o pedir. Felizmente o boticário defronte tinha um dicionário, que lhe emprestou, e ele pôde ler a definição do termo, e com certo custo aplicou-o ao caso.
Infelizmente, no dia seguinte era publicada uma circular política recomendando a lista que se dizia apócrifa; e dessa vez não era lícito duvidar, salvo se a circular fosse também apócrifa, o que José Cândido não teve ânimo de dizer. Confessou tudo; acrescentou que por motivos políticos ele não fora incluído na lista, mas que o partido o ajudaria por trás da cortina.
— Mas o dinheiro? bradou o pai, que ia achando apócrifos tanto o partido como a cortina.
— O dinheiro...
— Sim, onde está?
— O dinheiro é necessário à luta, disse José Cândido com um ar ingênuo. Quando duas facções de um mesmo grupo de interesses...
— Qual, interesses! Vai buscar o dinheiro.
Era difícil obedecer. Parte dele estava já em jantares, charutos, paletós, empréstimos, pagamento de dívidas. Demais, José Cândido não cederia nunca. Disse-lhe que o dinheiro tinha seguido o seu destino.
O sr. Mateus sentiu alguma coisa semelhante a um tiro na boca do estômago. Caiu numa cadeira, bufou, espumou, declarou a José Cândido, que saísse e nunca mais lhe pusesse os pés em casa. José Cândido não fez grande esforço para ficar; aceitou a solução e saiu.
— Nunca mais! bradou o pai. Ouviste? nunca mais!
E vendo-o sair sem dizer palavra, sem tentar abrandá-lo, sem um remorso aparente, o sr. Mateus sentiu uma comoção superior à da perda dos quatro contos. A paternidade falou mais alto que o dinheiro.
Meia hora depois voltou à loja com os olhos vermelhos.
Tinha chorado.
José Cândido não chorou; saiu teso, até risonho, com os olhos na estrela eleitoral, certo de que o pai lhe abriria a porta e os braços no dia em que o visse aparecer triunfante. Foi dali ao barbeiro, contou-lhe o caso e as esperanças, que não perdera de abrandar a cólera do pai, quando fosse eleito. O barbeiro, dentro em si, reprovou o incidente; mas a esperança de um triunfo à custa do dinheiro de José Cândido, fê-lo calar todos os escrúpulos. Ele aprovou de boca o procedimento de José Cândido, que achou digno sem ser desrespeitoso. Esta opinião, que o envergonhava, foi dita ao mesmo tempo que ele afinava a rabeca; meio de se não ouvir a si próprio.
A notícia da expulsão de José Cândido caiu como uma bomba em casa da sra. Inácia. Esta deu um salto ao xale e precipitou-se para casa do primo, a saber do que havia, enquanto Emília, a namorada de José Cândido, se desfazia em lágrimas amargas.
No meio das lágrimas apareceu-lhe José Cândido.
— Será verdade? perguntou a moça.
— O quê?
— Que você foi posto fora de casa.
José Cândido ergueu os ombros. Emília soltou um dilúvio de novas lágrimas.
— Mas por que chora você? perguntou José Cândido exasperado.
— Por quê? perguntou a moça indignada.
— Sim, por quê?
Emília disse que ele era um ingrato, e intimou-o a reconciliar-se com o pai; insinuou-lhe mesmo que o fato da expulsão podia demorar ou tornar impossível a aliança conjugal que os dois ambicionavam. Sou obrigado a dizer que este era o motivo secreto das lágrimas de Emília.
José Cândido respondeu com um repelão, declarou que tudo estava acabado entre eles, e saiu, sempre com os olhos na estrela eleitoral. O barbeiro teve igualmente notícia deste rompimento; e secretamente achou que era complicar a situação já melindrosa; mas de viva voz confessou que os sentimentos de segunda ordem não podem impedir a expansão dos altos interesses e das nobres paixões cívicas. Seu estilo foi menos levantado, mas a idéia foi aquela.
José Cândido concordava com tudo; animava-o a idéia de que não há arrufos diante de um candidato vencedor, e vivia com os olhos nas urnas. Uma dúzia de sujeitos trabalhava em favor dele; dois viviam dia e noite a copiar cédulas. José Cândido, vendo quinhentas, mil, duas mil cédulas manuscritas, imaginara que eram outros tantos votos, e figurava já o efeito de seu nome impresso com o algarismo dos votos adiante. Nunca mais fora à casa do capitão. Este duas ou três vezes mandou-o chamar; uma vez chegou a procurá-lo, mas não o encontrou; deixou um recado, inútil.
Os dois caudilhos estavam divorciados.
E à proporção que os quatro contos iam fugindo, a aurora esperada vinha a aproximar-se de José Cândido; o barbeiro e mais dois ou três férvidos partidários faziam esforços hercúleos. José Cândido chegou a sacrificar alguns mil-réis, nos jornais, em mofinas deste gênero:
ELEITORADO
Recomendamos o nome de um jovem cheio de serviços e de incontestável aptidão: o sr. José Cândido.
Um do Povo
Ou assim:
AO POVO!
Votemos no sr. José Cândido, uma das esperanças da mocidade e um dos fluminenses mais dignos por seus serviços e modéstia.
Justus
Ou assim:
À URNAS!
Os homens honestos, amigos do talento e reconhecidos aos verdadeiros serviços, têm um candidato certo, que sairá eleito, porque felizmente goza da mais vasta popularidade na paróquia: o sr. José Cândido. Às urnas! às urnas!
Um que não falta