Eram duas pessoas diferentes até àquele dia; daí a pouco, pareciam entender-se, harmonizar-se, completar-se.
Tendo compreendido e sondado a situação, Andrade não deixou de prosseguir no ataque em regra. Sabia para onde iam as simpatias da moça; foi com elas, e tão cauteloso, e ao mesmo tempo tão audaz, que inspirou ao espírito de Sara pouco disfarçável entusiasmo.
Entusiasmo, digo, e era esse o sentimento que devia inspirar quem pretendesse o coração de Miss Hope.
Amor é bom para as almas angélicas.
Sara não era assim; a ambição não se contenta com flores e horizontes curtos. Não pelo amor, mas pelo entusiasmo, é que ela devia ser vencida.
Sara via Andrade com olhos de admiração. Ele soubera, a pouco e pouco, convencê-la de que era um homem essencialmente ambicioso, confiado na sua estrela, e seguro dos seus destinos.
Que mais queria a moça?
Ela era efetivamente ambiciosa e sedenta de honras e eminências. Se tivesse nascido nas imediações de um trono, poria esse trono em perigo.
Para que ela amasse alguém, era necessário que esse pudesse competir com ela no gênio, e lhe afiançasse a vinda de glórias futuras.
Andrade compreendera isso.
E tão hábil se houve que conseguira fascinar a moça.
Hábil, digo eu, e nada mais; porque, se houve jamais criatura desambiciosa neste mundo, espírito mais tímido, gênio menos desejoso de mando e poderio, esse foi sem dúvida o nosso Andrade.
A paz era para ele o ideal.
E a ambição não existe sem perpétua guerra.
Como conciliar, pois, este gênio natural com as esperanças que inspirara à ambiciosa Sara?
Deixava ao futuro?
Desenganá-la-ia, quando fosse conveniente?
A viagem à Europa foi ainda uma vez adiada, porque Andrade, competentemente autorizado pela moça, pediu-a em casamento ao honrado comerciante James Hope.
— Perco ainda uma vez a minha viagem, disse o velho, mas desta vez por um motivo legítimo e agradável; faço minha filha feliz.
— Parece-lhe que eu... murmurou Andrade.
— Ande lá, disse Hope batendo no ombro do futuro genro; minha filha morre pelo senhor.
O casamento foi celebrado dentro de um mês. Os noivos foram passar a lua-de-mel na Tijuca. Cinco meses depois, estavam ambos na cidade, ocupando uma casa poética e romanesca em Andaraí.
Até então a vida foi um caminho semeado de flores. Mas o amor não podia tudo numa aliança iniciada pela ambição.
Andrade estava satisfeito e feliz. Simulou enquanto pôde o caráter que não tinha; mas le naturel chassé, revenait au galop. A pouco e pouco iam manifestando-se as preferências do rapaz por uma vida calma e pacífica, sem ambições, nem ruído.
Sara começou a notar que a política e todas as grandezas do Estado aborreciam sobremaneira o marido. Lia alguns romances, alguns versos, e nada mais, aquele homem que, pouco antes de casar, parecia destinado a mudar a face do globo. Política era para ele sinônimo de dormideira.
Tarde conheceu Sara quanto se havia enganado. Grande foi a sua desilusão. Como possuísse realmente uma alma ávida de grandeza e poderio, sentiu amargamente este desengano.
Quis disfarçá-lo, mas não pôde.
E um dia disse a Andrade:
— Por que razão a águia perdeu as asas?
— Qual águia? perguntou ele.
Andrade compreendeu a intenção dela.
— A águia era apenas uma pomba, disse ele, passando-lhe o braço à roda da cintura.
Sara recuou e foi encostar-se à janela.
Caía, então, a tarde; e tudo parecia convidar aos devaneios do coração.
— Suspiras? perguntou Andrade.
Não teve resposta.
Houve longo silêncio, interrompido apenas pelo tacão de Andrade, que batia compassadamente no chão.
Afinal, levantou-se o rapaz.
— Olha, Sara, disse ele, vês este céu dourado e esta natureza tranqüila?
A moça não respondeu.
— Isto é a vida, isto é a verdadeira glória, continuou o marido. Tudo mais é manjar de almas doentias. Gozemos isto, que deste mundo é o melhor.
Deu-lhe um beijo na testa e saiu.
Sara ficou longo tempo pensativa, à janela; e não sei se a leitora achará ridículo que ela vertesse alguma lágrima.
Verteu duas.
Uma pelas ambições abatidas e desfeitas.
Outra pelo erro em que estivera até então.
Porquanto, se o espírito parecia magoado e entorpecido com o desenlace de tantas ilusões, dizia-lhe o coração que a verdadeira felicidade de uma mulher está na paz doméstica.
Que mais lhe direi para completar a narrativa?
Sara disse adeus às ambições dos primeiros anos, e voltou-se toda para outra ordem de desejos.
Quis Deus que ela os realizasse. Quando morrer não terá página na história; mas o marido poderá escrever-lhe na sepultura: Foi boa esposa e teve muitos filhos.