Setembro 1871.
Os jornais deste mês travaram uma questão singular. Acusava-se este facto: a Srª
D. Eugénia de Montijo, condessa de Teba, ex-imperatriz dos Franceses (por um crime de seu marido) atravessara Lisboa para ir ver a Espanha os antigos paraísos da sua antiga mocidade; e o Governo expedira à Alfândega uma portaria galante, para que não fossem revistadas as bagagens de S. Exª! A isto respondiam algumas gazetas negando esta portaria - mas lembrando outra pela qual são isentas das indiscrições fiscais as bagagens em trânsito, e afirmando que os baús ex-imperiais, com um desdém censurável pelas glórias de Lisboa, tinham passado rapidamente, sem curiosidade, da
Alfândega para a estação de Santa Apolónia. Os periódicos acusadores, porém, declaravam que conheciam de antiga data a portaria de excepção para as bagagens em trânsito - mas que tal não era o caso da loura e altiva inquilina das Tulherias. Por este tempo, porém, a índia penetrou nos artigos graves, e a questão das malas perdeu-se na esbatida penumbra das locais folgazãs. Nunca se averiguou se Madama Bonaparte tinha sido privilegiada delicadamente com uma portaria quase amorosa - ou se aproveitara as disposições de uma portaria qualquer, feita para mim, e para ti.
Se o privilégio se deu - atenda-se bem! - o privilégio não nos escandaliza. E, todavia, temos visto bastantes vezes, estendidas nos balcões da Alfândega, numa desordem impiedosa, toda a traparia obscura que habita as nossas malas! Mas como todo o privilégio pressupõe um mérito, nós queremos indagar qual é o mérito da Srª condessa de Teba: e procuraremos desde logo alcançá-lo para nós mesmos e para todos os nossos concidadãos-pondo assim a nossa roupa branca, e a roupa branca daqueles que amamos, ao abrigo das instituições!
Ora da Srª D. Eugénia de Montijo achamos que ela é casada com o assassino de 2 de Dezembro, com o deportador para Caiena e para Lambessa, com o destruidor da riqueza da França, com o comedor das substituições militares, com o esmagador de toda a liberdade, com o escravizador de todo o pensamento, com o bandido que, pelas estradas de Sedan, sacudia a cinza do seu cigarrinho histórico sobre o peito dilacerado da Pátria. Tudo isto destinge sobre a Srª condessa, tudo isto impõe à Srª condessa uma cumplicidade moral... Oh! sim, meus senhores, bem sabemos! «É uma infeliz, é uma dama, etc., etc.». Trégua às frases! E vamos direitos aos factos como uma bala justiceira. A pobre Catarina de Médicis era também uma infeliz, e era também uma dama! Lucrécia Bórgia gozava estas qualidades franzinas. M.me de Brinvilliers, feroz devota, não se julgava também feliz, e não era um homem!
A Srª condessa de Teba não se apresenta decerto tão especialmente nociva como estas três espécies: - mas no seu tempo deportavam-se para Caiena, para Lambessa e para a ilha do Fogo, homens cujo único crime era terem servido a república de 48, que
Luís Bonaparte tinha também servido! E esses homens eram mandados aos milhares no porão dos navios, esfomeados, vergastados, cobertos de vérmina, a trabalhar nos presídios! E as famílias ficavam dispersas, os filhos na miséria ou na casa de correcção, as viúvas nas lágrimas perpétuas. E que fazia, no entanto, a Srª condessa de Teba? A Srª condessa de Teba, esposa e mãe, dançava nas salas das Tulherias, entre o esvoaçar dos tules, aos compassos da rabeca de Strauss! Se essa devota Bénoiton, leitora simultânea dos manuscritos eróticos de Merimée e das efusões místicas de M.me Swetchine, crê em
Deus, nunca terá bastante vida para consumir em bastante penitência!
Tais são os méritos que encontramos na senhora D. Eugénia Montijo. Se foi a eles que S. Exª deveu a delicada vantagem de lhe não serem revistadas as suas bagagens, nada temos que estranhar. Somente pedimos que se declare explicitamente por uma portaria: - «que alguns crimes cometidos no estrangeiro isentam a bagagem de revista, quando se entra no reino!»
Assim, estamos todos prevenidos, e não custa nada, quando se chega à barra, matar dois ou três grumetes. Com este documento, o sujeito tem a alta vantagem de não ver amarrotada a goma das suas camisas. Antes de desembarcar, todo aquele que desejar ordem na sua roupa, aproxima-se de um marinheiro ou de outro passageiro, e murmura-lhe com doçura:
— O cavalheiro tenha paciência, mas eu não queria que na Alfândega me desarranjassem as minhas ceroulas, e há-de dar portanto licença que eu lhe crave esta navalha no fígado!
Não havendo esta precaução, é triste realmente que um homem, que não goze a vantagem de ter fuzilado o seu semelhante no boulevard ou de o ter mandado morrer de febres para Caiena, chegue à Alfândega, e por falta de três ou quatro crimes, veja o pudor das suas peúgas exposto à indiscrição pública!