Por certa cidade
Sósinho vagando,
Ao morbido corpo
Allivio buscando:
Accorde harmonia
Ao longe escutei,
E aos dulios accentos
Meus passos guiei.
Além, n’uma rua,
Em casa antiquada,
Diviso ao luar
De Euterpe a morada.
A’ ella me chego,
Com gesto tardio
Por entre as janellas
Os olhos enfio.
Mas eis que diviso
Um velho zangão,
Zurzindo raivoso
No seu rabecão.
Marcava o compasso
A pausa empinava,
Que, em clave de bufo,
Confuso roncava...
Mexia-se todo,
Fazendo caretas;
As ventas fungavão
— Sonantes trombetas.
Na vasta batata,
Que tem por nariz,
Formára seu ninho
Crescida perdiz.
Sobr’ella, de encaixe,
Luzindo se via
A vitrea cangalha
Que a vista auxilia.
N’um lado da penca,
Emalto degráo,
Sereno cantava
Audaz Picapáo.
Da lucta cansado,
Tremendo e suando,
A bola afrescava
Pitadas tomando.
As grossas c’ravelhas
Ligeiro torcia,
Na banza afinada
De novo zurzia.
— Sentada n’um canto,
Bochechas inchadas,
De solfa na frente,
Em notas pausadas,
De venta enfunada,
Com ar de Sultão,
A dona da casa
Tocando trombão!
— Formosa deidade,
Galante Cyprina,
— Vestida á romana —
Trajando batina,
Tapava os suspiros
De seu clarinete,
Soprando com furia
D’um anglo paquete!
A filha mais velha
Do tal Coripheo,
Que em flauta d’um tubo
Tem fama d’Orpheo,
Melliflua tocava
No seu canudinho,
A menos preludios,
Lundú miudinho.
A outra, segunda,
Dione formosa,
Impando as bochechas,
Possante e raivosa
Berrava na trompa,
Qual doida Avertana,
Mão-dentro, mão-fóra
Da rasa campana!
Ridente menina,
Que um lustre contava,
Roliça baqueta
Airosa empunhava.
Nos pratos batia,
Malhava o zabumba,
N’um moto continuo
De bumba-catumba!
No meio da bulha,
Que os ares feria,
O velho, de gosto,
Contente sorria.
A testa esfregava
Co’a dextra enrugada,
Nas largas ventrechas
Sorvia a pitada.
Com voz de soprano
Fazendo tregeitos,
Alegre exclamava,
Battendo nos peitos:
“— Maestros famosos
"Da Grecia não temo,
"Nem Chinas ou Pernas
“Da raça do demo.
“A’ todos confundo
"Com meu rabecão,
"Que ronca e rebrame,
“Qual fero trovão!
“Ferindo estas cordas
“Bezerros imito,
“Grunhido de porcos,
“Berrar de cabrito;
"Zurzidos de burros
“Miados de gato,
“Coachados de sapos
"— Em tom pizzicato —.
"Oh vinde Maestro,
“Da Italia e da França,
“De passo ligeiro
“Dançar contradança!
“Oh vinde Aritino,
“Mozart e Bossini,
“Deixando a rabeca
“Tambem Paganini!
"Que todos patetas
“Aqui ficaráõ,
"Ao som retumbante
"Do meu rabecão!
“— Toquemos meninas,
“Faceiras Camenas,
“Valsitas, quadrilhas
“Nas brandas avenas.
“E todos alegres,
“Vibrando o compasso,
“Os nomes gravemos,
“Na lyra d’um Tasso!...”