S. João do Príncipe tem uma espécie de largo no lugar onde atracam as embarcações do Iapurá.

Para ele convergem as mal alinhadas vielas do povoado, fazendo nesse ponto o seu centro de atividade; apesar disso, a não ser em domingo, só se vêem aí uns sete ou oito ociosos que passam as horas de interminável palestra. Todavia, em uma quinta-feira, o que era extraordinário, achavam-se numerosas pessoas reunidas em grupos que discutiam com alento.

De vez em quando cessavam as altercações para refrescarem-se com os chapéus de abas largas, porque o calor se tornava insuportável.

Depois, continuavam a aventurar hipóteses, para a explicação de uns tiros ouvidos durante a noite.

Já se decidiam até a ir à casa do subdelegado.

De repente, escutaram um galopar de cavalo e um cavaleiro apontou, à rédea solta, em uma rua.

Era um negro, que sem prestar atenção aos conversadores atirou-se da sela à porta de uma casinha do largo.

Todos os olhos estavam sobre ele.

Viram-no bater e entrar.

Siga-o leitor.

Apenas introduzido o preto, um padre veio-lhe ao encontro.

— Oh Ruperto! Você por aqui! O que há de novo?

— Muita cousa, senhor padre, respondeu o recém-vindo,

— Pois fale, disse o sacerdote, que não era menos que um amigo de Eustáquio.

— Não é necessário, senhor padre Jorge, aí tem esta carta que dirá tudo e mais ainda.

O padre Jorge recebeu a carta que lhe apresentava Ruperto, e leu-a toda.

O seu amigo depois de referir o que sabia sobre os soldados agredidos, pedia-lhe que enviasse, incontinenti, homens corajosos para sua guarda.

— Vou já satisfazer ao subdelegado, disse o padre, caminhando para a porta, onde se fizera ajuntamento de gente.

Com a familiaridade de que usava para com esses homens, contou-lhes o que sucedera aos policiais e perguntou quem deles se queria pôr a serviço de Eustáquio, mediante boa paga.

Muitos se ofereceram porém o padre só escolheu os quatro mais conhecidos pela sua valentia e dedicação.

Eram todos uns paraenses morenos e corpulentos, cuja bondade de coração se pintava num sorriso quase constante em seus lábios.

Levando uma carta em que o padre fazia a apresentação dos paraenses, partiram estes e Ruperto para a morada do subdelegado.

Em caminho foram alvo de alguns tiros sem resultado e revistadas as balsas que bordam a picada cousa alguma distinguiram além de vestígios de recentes passos.

Logo que o subdelegado os recebeu deu ordem a Ruperto de velar pela casa e, armando os improvisados guardas, fez enterrar o soldado, indo depois explorar os lugares que julgava terem sido o teatro do assassínio.

A chuva da noite lavara o sangue, mas pelas plantinhas quebradas e pelos fragmentos de pano esparzidos, muito devera ter sofrido a vítima atrozmente arrastada.

Eustáquio não sabia a quem atribuir tais crimes.

Quem seriam os seus autores? Qual seria o seu móvel? A primeira pergunta o seu íntimo como que respondia, mas era-lhe incrível.

Ia nestas meditações, quando os exploradores que examinavam a ribanceira exclamaram:

— Um cadáver!

Via-se, com efeito, meio mergulhado no rio, um corpo

Pertencia a um negro de repelente fisionomia, e segurava com os rígidos dedos um bacamarte.

Era este o vulto sobre quem o jovem policial descarregara a pistola.

O espírito do subdelegado foi intrigado pelo aparecimento deste cadáver.

Com certeza, era de um indivíduo que atacara os guardas e devia ter sido morto por eles, mas esse negro Eustáquio julgava reconhecê-lo, e suas reminiscências se avivando, suas idéias se iluminaram.

Julgava ter descoberto a verdade e uma nuvem de raiva sombria pousou-lhe na fronte.

Não consentiu que o corpo fosse transferido para sua casa, enviando-o para S. João do Príncipe, e teve o cuidado de ocultar à família suas crenças e suspeitas. Podiam ser falsas.

Estabeleceu-se a vigilância dos arredores do sítio pelos quatro engajados, embora provisoriamente, porque Eustáquio escrevera para Manaus exigindo pronto reforço não só de policiais como de munições.

As notícias, levadas por uma dessas embarcações que sulcam vagorosamente o Amazonas, causaram grande sensação na capital da província, indo ainda repercutir em Belém, todavia no Rio de Janeiro talvez nem divulgadas fossem.

Seis praças comandadas por um cabo seguiram de Manaus, a fim de acalmar os ânimos aterrorizados dos moradores de S. João doPríncipe.