A Hostílio de Sousa Araújo
Eu com saudades, muita vez me lembro,
De quando, nos bons tempos de estudante,
Passei as grandes férias de dezembro,
Numa fazenda amiga, bem distante.
Lá - quem diria? - lá, nesse abandono;
Perdi meu coração nesta cegueira:
Amei, com fúria, a filha dum colono,
Que era a mais bela da colônia inteira.
Eu, rapazola ingênuo e ventoinha,
Que então vivia nas regiões aéreas,
Sonhei fazer da humilde caipirinha
A musa que inspirasse as minhas férias.
E ela, a vaidosa, no ermo da fazenda,
Fina e matreira, com gentil desvelo,
Vestia sempre muita fita e renda,
Botava sempre rosas no cabelo
Para estreitar essa aventura doce,
Tecer com ela um tosco romancinho,
Eu, indo à vila, certa vez lhe trouxe
Um corte de vestido azul-marinho.
Ao receber meu tímido presente,
A moça, olhos no chão, o sangue em lava,
Disse-me apenas, com a voz tremente:
"Que incômodo lhe dei! Não precisa..."
Assim, unidos por tão bela chama,
Vivíamos os dois em mútua estima,
Quando um dia chegou, sem telegrama,
Minha formosa e tentadora prima.
Com seu donaire fino e romanesco,
Veio à procura de melhor saúde,
Beber na serra um leite gordo e fresco,
Haurir no campo a luz dum sol bem rude.
Eis porque, de manhã, nós dois saímos
— Ambos a rir da madrugada nossa! -
Mostrando a todos como um par de primos
Sabe gozar as distrações da roça.
Ela, espantando aquela pobre gente,
Molhando os caros borzeguins no orvalho,
Vinha embuçada, friorentamente,
Num fofo, moderníssimo agasalho.
E a estrada, e os bois e os carros indo e vindo.
E a ponte velha, e os canaviais, e a moenda,
Tudo nós vimos, papagueando e rindo,
Pela rural simpleza da fazenda.
Quando voltamos, pálida e severa,
Com um ar de furor, nada indeciso,
A caipirinha estava à minha espera.
Tinha nos lábios um cruel sorriso.
"É aquela?" perguntou, com frio orgulho,
Mostrando a prima que subia a escada.
E atirando, com raiva, estranho embrulho,
Partiu, correndo, sem dizer mais nada.
Parei... Que é isto? Que pesar tamanho
Fê-la explodir nesse rancor sentido?
Abri, ansioso, aquele embrulho estranho.
— Pus-me a sorrir: o corte de vestido!