Havia grande agitação em casa do comendador Nunes, em certa noite de abril de 1860.

Não era comendador o sr. Nicolau Nunes, era apenas oficial da Ordem da Rosa, mas todos lhe davam o título de comendador, e o sr. Nunes não resistia a esta deliciosa falsificação. A princípio reclamou sorrindo contra a liberdade dos amigos, que desta maneira emendaram a parcimônia do governo. Mas os amigos insistiam no tratamento, e até hoje ainda se não descobriu o meio de recusarmos uma coisa que desejamos do fundo d'alma ser comendador, e quando falou ao seu compadre, o conselheiro F., foi com a mira na comenda. O conselheiro empenhou-se com o ministro, e este apenas consentiu em dar o hábito ao sr. Nunes. Graças aos empenhos, pôde o candidato obter o oficialato.

Era ele um homem de 45 anos, um tanto calvo, bem apessoado, nariz não vulgar, se atendermos no tamanho, mas vulgaríssimo se lhe estudarmos a expressão. O nariz é um livro, até hoje pouco estudado pelos romancistas, que aliás se presumem grandes analistas da pessoa humana. Eu, quando vejo alguém pela primeira vez, não lhe estudo a boca nem os olhos, nem as mãos; estudo-lhe o nariz. Mostra-me o nariz, e eu direi quem és.

O nariz do comendador Nunes era a coisa mais vulgar deste mundo; não exprimia coisa nenhuma de jeito, nem de elevação. Era um promontório, nada mais. E, todavia, o comendador Nunes tirava grande vaidade do nariz, por lhe haver dito um sobrinho que era nariz romano. Havia, é verdade, uma corcova no meio da extensa linha nasal do comendador Nunes, e naturalmente foi por zombaria que o sobrinho chamou àquilo romano. A corcova era um acervo de protuberâncias irregulares e impossíveis. Em suma, podia-se dizer que a cara do comendador Nunes era composta de dois Estados divididos por uma cordilheira extensa.

Fora destas circunstâncias nasais, nada havia que dizer da pessoa do comendador Nunes. Era boa figura e boa alma.

Dizer quais eram os seus meios de vida, e o seu passado, importa pouco para a nossa história. Basta dizer que se quisesse deixar de trabalhar, já tinha que comer, e deixar aos filhos, e à esposa.

A esposa do comendador Nunes era uma rechonchuda senhora de 46 anos, relativamente fresca, pouco amiga de brilhar fora de casa, e toda dada aos cuidados do governo doméstico. O seu casamento com o comendador Nunes foi feito contra a vontade do pai, pela razão de que, nesse tempo, Nunes não tinha vintém. Mas o pai era boa alma, e apenas soube que o genro ia fazendo fortuna, fez as pazes com a filha. Morreu nos braços de ambos.

Amaram-se muito os dois esposos, e os frutos desse amor foram nada menos de dez filhos, dos quais apenas escaparam três, Luísa, Nicolau e Pedrinho.

Nicolau tinha 20 anos, Pedrinho 7, e apesar desta notável diferença de idade não se pode dizer quem tinha mais juízo, se Pedrinho, se Nicolau.

Desejoso de o ver em boa posição literária, Nunes mandara o filho passar alguns anos na Academia de São Paulo, e realmente ele os passou ali, até obter uma carta de bacharel. O diploma dado ao jovem Nicolau podia fazer crer que ele de fato sabia alguma coisa; mas era completa ilusão. Nicolau saiu sabendo pouco mais ou menos o que sabia antes de lá entrar.

Em compensação, ninguém era mais versado no esticado das luvas, no talhado da casaca, no apertado da bota, e outras coisas assim, em que Nicolau era mais que bacharel, era doutor de borla e capelo.

Luísa tinha 18 anos, e podia-se dizer que era a flor da família. Baixinha e delgada, um tanto pálida e morena, Luísa inspirava facilmente simpatia, e mais do que simpatia a quem a visse pela primeira vez. Vestia bem, mas aborrecia o luxo. Tocava piano, mas aborrecia a música. Alguns caprichos tinha que, à primeira vista, poderiam desagradar à gente, mas, bem pesadas as coisas, as suas qualidades venciam os caprichos; o que era uma grande compensação.

D. Feliciana tinha na filha todas as suas esperanças de imortalidade. Dizia ela que a sua ascendência era uma linha não interrompida de donas-de-casa. Queria que a filha fosse uma digna descendente de tão preclaro sangue, e continuasse a tradição que recebera. Luísa dava esperança disso.

Tal era a família Nunes.