Qual era a causa da tristeza ou aborrecimento de Luísa?

Quem a adivinhou foi Chiquinha. A causa foi um despeito de moça bonita. Alberto era amável demais, amável com todos, olhando para ela com a mesma indiferença com que olhava para as outras pessoas.

Luísa não queria ser olhada assim.

Imaginava ela que um rapaz, que fizera uma viagem para vir apresentar-se candidato à sua mão, devia prestar-lhe alguma homenagem, em vez de a tratar com a mesma delicadeza que dispensava aos outros.

No dia seguinte estas impressões de Luísa estavam mais dissipadas. O sono foi a causa disso, e também a reflexão.

— Talvez que ele não ousasse... pensava ela.

E esperou que ele lá fosse nesse dia.

Pouco depois do almoço recebeu Luísa uma carta do alferes Coutinho. O namorado já tinha notícia do pretendente, e escrevera a epístola meia lacrimosa, meia ameaçadora. Era notável o seguinte período:

..... Podes, mulher ingrata, calcar a teus pés o meu coração, cujo crime foi amar-te com todas as suas forças, e palpitar por ti a todas as horas!... Mas o que tu não podes, o que ninguém poderia nem Deus, é fazer com que eu te não ame agora e sempre, e até debaixo da fria campa!... E um amor destes merece desprezo, Luísa?...

A epístola do alferes impressionou a moça.

— Este ama-me, pensava ela, e o outro!...

O outro chegou pouco depois, já reformado na roupa, já mais cortesão com a moça. Um quarto de hora bastou para que Luísa modificasse a sua opinião a respeito do rapaz.

Alberto aproveitou as liberdades que lhe davam com ela para lhe dizer que a achava mais bela do que a sua imaginação sonhara.

— E de ordinário, acrescentou ele, a nossa imaginação nos ilude. Se desta vez estive abaixo da realidade, a causa disto é que a sua beleza está além da imaginação humana.

Neste sentido fez o noivo um discurso obscuro, oco e mal alinhavado, que ela ouviu com delícias.

— Veio de tão longe para zombar de mim? perguntou ela.

— Zombar! disse Alberto ficando sério.

— Oh! perdão, disse ela, eu não queria ofendê-lo; mas creio que isso só por zombaria se poderia dizer...

— Oh! nunca! exclamou Alberto apertando docemente a mão de Luísa.

O comendador surpreendeu esta cena, e a sua alegria não conheceu limites. Todavia era conveniente dissimulá-la, e assim o fez.

— Tudo caminha bem, dizia ele consigo. O rapaz não é peco.

E não era. Nessa mesma tarde perguntou ele a Luísa se queria aceitá-lo por esposo. A moça não contava com esta pergunta à queima-roupa e não soube que lhe responder.

— Não quer? perguntou o rapaz.

— Eu não disse isso.

— Mas responda.

— Isso é com meu pai.

— Com seu pai? perguntou Alberto espantado; mas ele governa então o seu coração?...

Luísa nada respondeu, nem podia responder. Houve um longo silêncio; Alberto foi o primeiro que falou.

— Então, disse ele; que me responde?

— Deixe-me refletir.

Alberto fez uma careta.

— Refletir? perguntou ele. Mas o amor é uma coisa e a reflexão é outra.

É verdade, respondeu a moça; e neste caso, deixe que eu o ame.

Não contando com esta resposta, Alberto empalideceu, e viu bem que era uma espécie de castigo que ela queria dar-lhe por causa da sua intempestiva reflexão. Pareceu-lhe que fora esquisito falar de amor a uma moça a quem via pela primeira vez.

Luísa não se arrependeu da pequena lição dada ao pretendente, e pareceu-lhe conveniente conservá-lo na incerteza durante alguns dias, a fim de o castigar ainda mais.

Não contava ela porém com o golpe que lhe preparava o alferes Coutinho.

Já sabemos que este alferes era íntimo amigo de Nicolau. Várias vezes o filho de Nunes o convidara para ir à casa do pai; mas Coutinho sempre recusara o convite delicadamente, e parece que o fazia justamente para se não aproximar de Luísa.

Como?

É verdade. Na opinião de Coutinho, o amor não vive só de mistério, vive também de distância.

A máxima poderia ser excelente, mas no caso atual não prestava para nada. Coutinho compreendeu isto perfeitamente, e com destreza conseguiu ser convidado nessa noite por Nicolau para lá ir.

De maneira que, no meio de seus devaneios poéticos, ouvindo as narrações que Alberto fazia diante da família encantada com o narrador, Luísa viu assomar à porta a figura do irmão e a do alferes.

Luísa reteve um grito.

Nicolau apresentou o amigo a toda a família, e a conversa um pouco esfriou com a chegada do novo personagem; mas não tardou que continuasse no mesmo tom.

Luísa não ousava olhar para um nem para outro. Alberto nada percebeu nos primeiros momentos; mas Coutinho tinha os olhos cravados nela com tanta insistência, que era impossível não ver nele, senão um rival feliz, ao menos um pretendente resoluto.

— Veremos! disse ele consigo.

— Quem vencerá? perguntava a si mesmo o alferes Coutinho olhando a furto para o candidato do Norte.