Suspiros poéticos e saudades (1865)/Uma Manhã no Monte Jura
Deixemos este lúgubre aposento,
Estas estreitas, tortuosas ruas, [1]
E subamos, Amigo, este fraguedo.
Íngreme, escabrosíssimo, impossível
Parece que o vinguemos;
Mas se à forte vontade a ação se aduna,
O que há na terra que resista ao homem?
Eia, Amigo, subamos.
Já as flores da noite alvinitentes,
Que o firmamento esmaltam,
A desmaiar começam, só co'a vista
Dos arrebóis d'aurora.
Da terra alvos vapores se levantam
Condensados, e no ar se desnovelam,
Montes bosquejam, mares, e cidades,
E nos campos se perdem do infinito,
Como agora se perde o pensamento
Na vastidão de idéias, em que vaga.
Subamos do rochedo até ao cume;
Lá, respirando um ar puro e suave,
Recebendo do sol os primos raios,
Louvores ao Altíssimo entoemos.
Subamos. — Que vastíssima paisagem!
Que cadeias de montes araçados,
E como torreões, grimpas, espectros,
Às nuvens se levantam!
Que tapetes de vinhas se desdobram,
E as várzeas, e as encostas alcatifam!
Que escuros tetos de mesquinhas vilas
Salpicadas aqui, e ali, quais combros
De terra, que formigas amontoam!
De tantas sensações extasiada,
Minha alma se sublima, e se converte
Num hino harmonioso,
Em louvor do Senhor da Natureza.
A lucífera estrela ali fulgura;
Lá se ergue o Sol num Oceano de ouro,
De rubins ondeado!
Tu, que iluminas mil milhões de povos,
Que outros tantos baixar tens visto ao nada,
E outros tantos subir ao grau daqueles;
Cem, e cem vezes eu te vi radiante
Atravessar contente e vagaroso
De minha Pátria os campos,
Os serros, e as cidades,
Como se, lei não sendo o movimento,
Eterno no Brasil brilhar quisesses.
Oh Sol, ind'ontem viste essa ditosa
Pátria, por quem suspiro aqui saudoso;
Pátria, por quem me afano; mas se embalde,
Longe dela acabar prefiro ao opróbrio
De vê-la, e ser-lhe inútil.
Não, oh Pátria, não estou de ti distante;
Comigo estás, é teu meu pensamento.
Um desejo violento, irresistível,
Como a enchente, que de alto se desaba,
Todo me ocupa, e o coração me abala;
Desejo de te ver no orbe cantada
Como a primeira das Nações da terra.
Descansemos, Amigo,
Descansemos um pouco, que é difícil
Por não trilhadas, perigosas sendas,
Sem fadiga vencer tal penedia.
Olha, vês tu aquele que pasmado
Debaixo nos contempla, e se confunde,
Envolto na poeira,
Co'as pequenas ovelhas que apascenta?
Quiçá de nós dizendo esteja agora:
Eis dos homens té onde o arrojo chega!
Por que a plana estrada desprezaram,
Onde sem risco todos nós marchamos,
Para perigos afrontar ousados?
Cairão, cairão; serão punidos...
Assim mesquinhos entes invejosos,
Tristes aves de agouro,
Que no charco comum patinham, grasnam,
Quando vêm remontar altivos gênios
Às sublimes esferas,
Esses, cuja missão é o progresso,
E das mãos arrancar da Natureza
Novas, úteis verdades,
Clamam, praguejam, mas no charco morrem;
Enquanto que de céu em céu voando,
De Nação em Nação, de povo em povo,
Da Humanidade os astros benfeitores,
Em torno a Deus, na Eternidade pairam
De própria luz radiantes.
Trabalhemos, Amigo, pela Pátria,
Só por amor da Pátria,
E entreguemos a Deus nosso destino.
Se à região dos astros não subirmos,
Pirilampos seremos nos desertos,
E aos nossos reunidos, luz daremos,
Que nas trevas talvez ao desgarrado
Viajor encaminhe.
Trabalhemos, Amigo, pela Pátria,
Só por amor da Pátria,
E entreguemos a Deus nosso destino.
Ah subamos ainda,
E cheguemos ao tope da montanha.
Esta pedra que cai, bate, e reflete,
E assim de curva em curva saltitante,
Vai rolando, e batendo, até que chega
Desfeita em mil pedaços,
É a imagem dos seres subalternos,
Que só grandes parecem pela altura,
Em que a cega ignorância os colocara;
Mas quando se despenham, desaparecem,
Sem que se abale o mundo; nem arrastam
Satélites consigo,
A não ser a poeira
Que só os rodeava.
Assim muitos colossos se abismaram,
Colossos de vaidade:
Assim se enterrarão no eterno olvido
Muitos que a Pátria nossa inda hoje oprimem
Co'o peso da ignorância.
Nossa Pátria tão bela! — Nossa Pátria
Tão digna de um porvir grande e sublime!
Ei-la, como um cadáver de gigante,
Roída por milhões de vis insetos,
Que ela mesma alimenta!
Olha, Amigo, esta pálida saudade,
Que nesta penedia a custo vive.
Aqui não é que vegetar devia
Flor tão cara à minha alma.
Vês tu como ela pende a roxa fronte
Mal que a colho, e a coloco no meu peito?
Como ela o coração, sofrendo a mágoa
Que o nome dela explica,
Longe da Pátria, em que meus pais habitam,
De languidez se encolhe.
Irás comigo, oh flor, terna saudade,
Inda que murcha e seca; — irás comigo,
E acabaremos juntos.
Poligny, 7 de outubro de1834
Notas do autor
editar- ↑ De Poligny, cidade da França, situada nas abas do monte Jura.