Góis teve um dia a idéia de propor a D. Paula que deixassem o Rio de Janeiro e o Brasil, e fossem para qualquer país do mundo — os Estados Unidos da América do Norte, se ela quisesse, ou qualquer recanto da Itália. A própria França, Paris, era um mundo em que ninguém mais daria com eles.

— Você hesita...

— Não hesito, respondeu D. Paula.

— Por que não me responde?

— A proposta é grave, mas não é a gravidade que me impede de responder já e já. Você sabe que irei com você ao fim do mundo, se for preciso...

— Pois eu não te proponho o fim do mundo.

— Sim; e acaso é preciso?

Góis ia a sorrir, mas suspendeu a tempo o sorriso, e fechou o rosto. D. Paula acudiu que estava por tudo; iria à China, com ele, a uma ilha deserta e inabitada...

Pleno romantismo. Góis pegou-lhe nas mãos e agradeceu-lhe a resposta. Perguntou-lhe ainda se não cedia de má-vontade, ou se era de coração, se padeceria, caso ele se fosse embora só, e a deixasse... A resposta de D. Paula foi tapar-lhe a boca; não a podia haver mais eloqüente. Góis beijou-lhe a mão.

— Deixar-me? Você pensaria acaso em semelhante coisa, se eu recusasse...?

— Talvez.

— Então é falso que...

— Não, não é falso que te amo sobre tudo neste mundo; mas tenho um coração orgulhoso, e se percebesse que preferias os teus cômodos ao nosso amor, eu preferia perder-te.

— Cala-te.

Calaram-se ambos, por alguns instantes. Ele brincava com uma das mãos dela; ela alisava-lhe os cabelos. Se indagarmo-nos em que iam pensando, acharemos que um e outro, e nada na terra para onde iriam. Góis, ao menos, só cuidou disso, passados uns dez minutos ou mais de enlevo, de devaneio, reminiscências, sonhos — e cuidou para dar à bela D. Paula uma nova causa de espanto.

— E se eu não te propuser o fim do mundo mas o princípio?

— Não entendo. O princípio?

— Sim, há de haver um princípio do mundo pois que há um fim.

— Mas explica-te.

— Se eu te propusesse simplesmente a minha casa?

D. Paula não achou que responder. A proposta era agora tão audaciosa, tão fora de um plano possível, que supôs fosse gracejo, e olhou para ele sem dizer nada. Parece que até começou a rir; mas ficou logo séria, desde que não viu no rosto dele nada que se parecesse com gracejo, nem sequer doçura. Ela já lhe conhecia a expressão da teimosia, e tinha razão para saber toda a escala dos seus atrevimentos. Ainda assim, não creu logo. Compreendia que deixassem a terra pátria para ir purgar os seus erros em algum buraco do mundo; mas sair de uma casa para outra, praticar um escândalo, gratuito, sem necessidade, sem explicação...

— Sei tudo o que estás pensando, disse-lhe ele após alguns segundos.

— Tudo?

— Então és da minha opinião.

— Que...?

— Que me propões um absurdo.

— Tudo se explica pelo amor, continuou ele. Se não achas explicação nenhuma, é que não me amaste nunca ou já não me amas...

D. Paula não teve ânimo desta vez, para tapar-lhe a boca. Abanou a cabeça, com um olhar de censura, e um jeito amargo dos lábios; foi como se não fizesse nada. Góis ergueu-se e estendeu a mão. Ela fechou-a entre as suas; obrigou-o a sentar-se, quis mostrar-lhe que a proposta era um erro, mas perdeu-se em palavras vagas e descosidas, que ele não ouviu, porque tinha os olhos na ponta dos sapatos.