No dia seguinte, Xavier acordou tarde, tendo-se recolhido tarde, na forma do costume. Indo almoçar não viu a mulher que assistia sempre ao almoço dele; perguntou se estava doente.

— Não, senhor.

— Então, por quê...?

— Está no quarto, sim, senhor.

Xavier acabou de almoçar e foi ter com ela. Achou-a atirada a um canapé, com os olhos meios cerrados, o ar abatido. Tinha dormido mal à noite, duas horas, quando muito, e interrompidamente. Não disse a causa da insônia; não referiu que a idéia de ser a última noite que passava sob o teto conjugal é que a pusera nervosa, inquieta, meia delirante. Também ele não lhe perguntou nada, se teria tido febre, ou dor de cabeça, um resfriado; deu duas voltas e pegou em um livro que viu sobre uma cadeira, um romance francês; leu duas linhas e deixou-o. Em seguida, falou do almoço, que achou detestável, e do tempo, que parecia querer mudar. Consultou o relógio, quase duas horas. Precisava consertá-lo; variava muito. Que horas tinha ela?

— Vai ver, suspirou D. Paula.

Xavier foi ao relógio de mesa — um pequeno relógio de bronze —, e achou que a diferença entre os dois era de quatro minutos. Não valia a pena alterar o seu, salvo se o dela regulava certo.

— Regula.

— Vamos ver amanhã.

E sentou-se para descansar o almoço. Contou-lhe algumas peripécias da noite. Ganhara um conto e oitocentos mil-réis, depois de ter perdido dois contos e tanto; mas o ganho e a perda eram nada. O principal foi a teima de uma carta... E pôs-se a narrar toda a história à mulher, que ouviu calada, enfastiada, engolindo a raiva, e dizendo a si mesma que fazia muito bem deixando a companhia de semelhante homem. Xavier falava com interesse, com ardor, parecia crescer, subir, à medida que os incidentes lhe saíam da boca. E vinham nomes desconhecidos, o Álvaro, dr. Guimarães, o Chico de Mattos, descrevia as figuras, os sestros as relações de uns com outros, anedota da vida de todos. Quando concluiu parecia afrontado, pediu alguma coisa; a mulher preparou-lhe um pouco de água de melissa.

— Você não quer fazer a digestão calado, disse-lhe ela.

Se ele visse bem o rosto de D. Paula, perceberia que aquela frase, proferida com um tom de repreensão branda, não correspondia ao sentimento da mulher. D. Paula, se alguma dúvida pudesse ter em fugir de casa, já não a tinha agora; via-se-lhe na cara uma expressão de asco e desprezo.

— Passou, disse ele.

Ergueu-se; ia ver uns papéis.

— Você por que não se deita um pouco, disse-lhe; veja se passa pelo sono. Eu dou ordem para que não a acordem; e a propósito, janto fora, janto com o Chico de Mattos...

— O do ás de ouro? perguntou ela com os dentes cerrados.

— Justamente, acudiu ele rindo... Que veia de sujeito! O ás de ouros...

— Já sei, interrompeu ela. Vai ver os papéis.

— Um felizardo!

E, se não falou outra vez do Chico de Mattos, contou uma anedota do Roberto, outra do Sales, outra do Marcelino. A mulher ouviu-as todas serenamente — às vezes risonha. Quando ele acabou, disse-lhe em tom amigo:

— Ora, você que tem jogado com tanta gente, só uma vez jogou comigo, há muito tempo, o ecarté... Não é ecarté que se chama aquele jogo que você me ensinou? Vamos a uma partida.

Xavier pôs-se a rir.