Era noite de mui almo luar —
Uma noite em que triste pensava
Em amores que o tempo roubou-me,
Em Maria que eu tanto adorava.
Toda a terra dormia em silencio,
Só eu triste na terra velava,
Nesta terra em que a sorte roubou-me
Os amores que eu tanto adorava!
Foi aqui!… A minh’alma o recorda,
Que tão bella e tão meiga me ouvia,
Quando a sós nossas juras jurando,
Só com ella na terra vivia.
Foi aqui, que ora alegre, esquecendo
Este mundo d’espinhos e dôr,
Contemplava o meu anjo da terra,
Me fallando só fallas d’amor!
Foi aqui, que ora em beijos frementes
Os seus labios tocavam nos meus,
E suas faces córando de pejo —
M’infiltravam delicias dos Ceus! —
Foi aqui!… mas p’ra que recordar
Esses dias de gôso passado,
Para que? — se fugio-me a ventura,
Se na terra hoje sou desgraçado? —
Nesta hora d’amarga lembrança,
Nest’instante d’horrivel penar,
Sinto a dôr que nem lagrimas pódem
Em meu peito faze-la cessar.
Sinto a dôr mais cruel e pungente,
No rigor da mais viva saudade —
Que perfidia de horrenda traição,
Desabrida lançou sem piedade!
Oh! mal haja essa mão impiedosa,
Qu’em meu labios o fel d’amargura
Me roçou, e me obriga a soffrer
Deste mundo a maior desventura!
Oh! mal hajam os meus dias de vida,
Desta vida de crú vegetar,
Que delirios de branto e tormentos
A existencia m’intentam roubar!
E tão triste, qual rôla que geme,
E tão murcho, qual flôr desfolhada,
E tão stéril, qual erma campina,
E tão mudo, qual fonte estagnada,
Hei de embora p’ra sempre opprimido
Em tão triste e medonha soidão,
Adorar-te na vida, e na morte,
Conservar em meu peito a paixão!