Tacendo il nome di questa gentilissima.
(Dante)
I
Car la beauté tue
Qui l’a vue,
Elle enivre et tue.
(A. Briseux)
Tu nasceste de um beijo e de um olhar. O beijo
Numa hora de amor, de ternura e desejo,
Uniu a terra e o céu. O olhar foi do Senhor,
Olhar de vida, olhar de graça, olhar de amor;
Depois, depois vestindo a fórma peregrina,
Aos meus olhos mortais, surgiste-me, Corina!
De um júbilo divino os cantos entoava
A natureza mãe, e tudo palpitava,
A flor aberta e fresca, a pedra bronca e rude,
De uma vida melhor e nova juventude.
Minha alma adivinhou a origem do teu ser:
Quis cantar e sentir; quis amar e viver;
A luz que de ti vinha, ardente, viva, pura,
Palpitou, reviveu a pobre criatura;
Do amor grande, elevado, abriam-se-lhe as fontes;
Fulgiram novos sóis, rasgaram-se horizontes;
Surgiu, abrindo em flor, uma nova região;
Era o dia marcado à minha redenção.
Era assim que eu sonhava a mulher. Era assim:
Corpo de fascinar, alma de querubim;
Era assim: fronte altiva e gesto soberano,
Um porte de rainha a um tempo meigo e ufano,
Em olhos senhoris uma luz tão serena,
E grave como Juno, e bela como Helena!
Era assim, a mulher que extasia e domina,
A mulher que reúne a terra e o céu: Corina!
Neste fundo sentir, nesta fascinação,
Que pede do poeta o amante coração?
Viver como nasceste, ó beleza, ó primor,
De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.
Viver, — fundir a existência
Em um ósculo de amor,
Fazer de ambas – uma essência,
Apagar outras lembranças,
Perder outras ilusões,
E ter por sonho melhor
O sonho das esperanças
De que a única ventura
Não reside em outra vida,
Não vem de outra criatura;
Confundir olhos nos olhos,
Unir um seio a outro seio,
Derramar as mesmas lágrimas
E tremer do mesmo enleio,
Ter o mesmo coração,
Viver um do outro viver...
Tal era a minha ambição.
Donde viria a ventura
Desta vida? Em que jardim
Colheria esta flor pura?
Em que solitária fonte
Esta água iria beber?
Em que encendido horizonte
Podiam meus olhos ver
Tão meiga, tão viva estrela,
Abrir-se e resplandecer?
Só em ti: — em ti que és bela,
Em ti que a paixão respiras,
Em ti cujo olhar se embebe
Na ilusão de que deliras,
Em ti, que um ósculo de Hebe
Teve a singular virtude
De encher, de animar teus dias,
De vida e de juventude...
Amemos! diz a flor à brisa peregrina,
Amemos! diz a brisa, arfando em torno à flor;
Cantemos esta lei e vivamos, Corina,
De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.
II
Mon pauvre coeur, reprends ton sublime courage
Et me chantes ta joie et ton déchirement.
(A. Houssaye)
A minha alma, talvez, não é tão pura,
Como era pura nos primeiros dias;
Eu sei: tive choradas agonias
De que conservo alguma nódoa escura,
Talvez. Apenas à manhã da vida
Abri meus olhos virgens e minha alma,
Nunca mais respirei a paz e a calma,
E me perdi na porfiosa lida.
Não sei que fogo interno me impelia
À conquista da luz, do amor, do gozo,
Não sei que movimento imperioso
De um desusado ardor minha alma enchia.
Corri de campo em campo e plaga em plaga.
(Tanta ansiedade o coração encerra!)
A ver o lírio que brotasse a terra,
A ver a escuma que cuspisse – a vaga.
Mas, no areal da praia, no horto agreste,
Tudo aos meus olhos ávidos fugia...
Desci ao chão do vale que se abria,
Subi ao cume da montanha alpestre.
Nada! Volvi o olhar ao céu. Perdi-me
Em meus sonhos de moço e de poeta;
E contemplei, nesta ambição inquieta,
Da muda noite a página sublime.
Tomei nas mãos a cítara saudosa,
E soltei entre lágrimas um canto...
A terra brava recebeu meu pranto
E o eco repetiu-me a voz chorosa.
Foi em vão. Como um lânguido suspiro,
A voz se me calou, e do ínvio monte
Olhei ainda as linhas do horizonte,
Como se olhasse o último retiro.
Nuvem negra e veloz corria solta
O anjo da tempestade anunciando;
Vi ao longe as alcíones cantando
Doidas correndo à flor da água revolta.
Desiludido, exausto, ermo, perdido,
Busquei a triste estância do abandono,
E esperei, aguardando o último sono,
Volver à terra, de que foi nascido.
— “Ó Cibele fecunda, é no remanso
Do teu seio – que vive a criatura;
Chamem-te outros morada triste e escura,
Chamo-te glória, chamo-te descanso!”
Assim falei. E murmurando aos ventos
Uma blasfêmia atroz – estreito abraço
Homem e terra uniu, e em longo espaço
Aos ecos repeti meus vãos lamentos.
Mas, tu passaste... Houve um grito
Dentro de mim. Aos meus olhos
Visão de amor infinito,
Visão de perpétuo gozo
Perpassava e me atraía,
Como um sonho voluptuoso
De sequiosa fantasia.
Ergui-me logo do chão,
E pousei meus olhos fundos
Em teus olhos soberanos,
Ardentes, vivos, profundos,
Como os olhos da beleza
Que das escumas nasceu...
Eras tu, maga visão
Eras tu o ideal sonhado
Que em toda a parte busquei,
E por quem houvera dado
A vida que fatiguei;
Por quem verti tanto pranto,
Por quem nos longos espinhos
Minhas mãos, meus pés sangrei!
Mas se minha alma, acaso, é menos pura
Do que era pura nos primeiros dias,
Porque não soube em tantas agonias
Abençoar a minha desventura;
Se a blasfêmia os meus lábios poluíra,
Quando, depois do tempo e do cansaço,
Beijei a terra no mortal abraço
E espedacei desanimado a lira;
Podes, visão formosa e peregrina,
No amor profundo, na existência calma,
Desse passado resgatar minha alma
E levantar-me aos olhos teus, — Corina!
III
Se tu pudesses viver um dia na minha alma...
feliz criatura, tu saberias o que é sofrer!
(Mickiewicz .— Sonetos da Criméia)
Quando voarem minhas esperanças,
Como um bando de pombas fugitivas;
E destas ilusões doces e vivas
Só me restarem pálidas lembranças;
E abandonar-me a minha mãe Quimera,
Que me aleitou aos seios abundantes;
E vierem as nuvens flamejantes
Encher o céu da minha primavera;
E raiar para mim um triste dia,
Em que, por completar minha tristeza,
Nem possa ver-te, musa da beleza,
Nem possa ouvir-te, musa da harmonia;
Quando assim seja, por teus olhos juro,
Voto minha alma à escura soledade,
Sem procurar melhor felicidade,
E sem ambicionar prazer mais puro.
Como o viajor que, de falaz miragem
Volta desenganado ao lar tranqüilo,
E procura, naquele último asilo,
Nem evocar memórias da viagem;
Envolvido em mim mesmo, olhos cerrados
A tudo mais, — a minha fantasia
As asas colherá com que algum dia
Quis alcançar os cimos elevados.
És tu a maior glória de minha alma,
Se o meu amor profundo não te alcança,
De que me servirá outra esperança?
Que glória tirarei de alheia palma?
Que valem glórias vãs? A glória, a melhor glória,
É esta que nos orna a poesia da história;
É a glória do céu, é a glória do amor.
É Tasso eternizando a princesa Leonor;
É Lídia ornando a lira ao venusino Horácio;
É a doce Beatriz, flor e honra do Lácio,
Seguindo além da vida as viagens do Dante;
É do cantor do Gama o hino triste e amante
Levando à eternidade o amor de Catarina;
É o amor que une Ovídio à formosa Corina;
O de Cíntia a Propércio, o de Lésbia a Catulo;
O da divina Délia ao divino Tibulo.
Esta a glória que fica, eleva, honra e consola;
Outra não há melhor.
Se faltar esta esmola,
Corina, ao teu poeta, e se a doce ilusão,
Com que se alenta e vive o amante coração,
Deixar-lhe um dia o céu azul, tão tranqüilo,
Nenhuma glória mais há de nunca atraí-lo.
Irá longe do mundo e dos seus vãos prazeres,
Viver na solidão a vida de outros seres,
Vegetar como o arbusto, e murchar, como a flor,
Como um corpo sem alma ou alma sem amor.
Ah! faze que estas ilusões tão vivas
Nunca se tornem pálidas lembranças;
E nem voem as minhas esperanças
Como um bando de pombas fugitivas!
IV
Ne vois-tu pas?
(A.M.)
Tu que és bela e feliz, tu que tens por diadema
A dupla irradiação da beleza e do amor;
E sabes reunir, como o melhor poema,
Um desejo da terra e um toque do Senhor;
Tu, criação feliz de um dia de pureza,
Em que a terra não teve um só pecado, irmã
Das visões que sonhou no culto da beleza
A musa de Petrarca e o pincel de Rembrant;
Tu que, como a ilusão, entre névoas deslizas
Aos versos do poeta um desvelado olhar,
Corina, ouve a canção das amorosas brisas,
Do poeta e da luz, das selvas e do mar.
AS BRISAS
Deu-nos a harpa eólia a excelsa melodia
Que a folhagem desperta e torna alegre a flor,
Mas que vale esta voz, ó musa da harmonia,
Ao pé da tua voz, filha da harpa do amor?
Diz-nos tu como houveste as notas do teu canto?
Que alma de serafim volteia aos lábios teus?
Donde houveste o segredo e o poderoso encanto
Que abre a ouvidos mortais a harmonia dos céus?
A LUZ
Eu sou a luz fecunda, alma da natureza;
Sou o vivo alimento à viva criação.
Deus lançou-me no espaço. A minha realeza
Vai até onde vai meu vívido clarão.
Mas se derramo vida a Cibele fecunda,
Que sou eu ante a luz dos teus olhos? Melhor,
A tua é mais do céu, mais doce, mais profunda,
Se a vida vem de mim, tu dás a vida e o amor.
AS ÁGUAS
Do nume da beleza o berço celebrado
Foi o mar. Vênus bela entre espumas nasceu.
Veio a idade de ferro, e o nume venerado
Do venerado altar baqueou: — pereceu.
Mas a beleza és tu. Como Vênus marinha,
Tens a inefável graça e o inefável ardor.
Se paras, és um nume; andas, uma rainha,
E se quebras um olhar, és tudo isso e és amor!
Chamam-te as águas, vem! tu irás sobre a vaga
A vaga, a tua mãe, que te abre os seios nus,
Buscar adorações de uma plaga a outra plaga,
E das regiões da névoa às regiões da luz!
AS SELVAS
Um silêncio de morte entrou no seio às selvas.
Já não pisa Diana este sagrado chão;
Nem já vem repousar no leito destas relvas
Aguardando saudosa o amor e Endimião.
Da grande caçadora a um solícito aceno
Já não vem, não acode o grupo jovial;
Nem o eco repete a flauta de Sileno,
Após o grande ruído a mudez sepulcral.
Mas Diana aparece. A floresta palpita,
Uma seiva melhor circula mais veloz;
É a vida que renasce, é vida que se agita;
À luz do teu olhar, ao som da tua voz!
O POETA
Também eu, sonhador, que vi correr meus dias
Na solene mudez da grande solidão,
E soltei, enterrando as minhas utopias,
O último suspiro e a última oração;
Também eu junto a voz à voz da natureza,
E soltando o meu hino ardente e triunfal,
Beijarei ajoelhado as plantas da beleza
E banharei minha alma em tua luz, — Ideal!
Ouviste a natureza? Às súplicas e às mágoas
Tua alma de mulher deve de palpitar;
Mas que te não seduza o cântico das águas,
Não procures, Corina, o caminho do mar!
V
Povero mio core! Ecco una separazione di piú nella mia scigurata vita!
(Silvio Pellico)
Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.
Único em meio das paixões vulgares,
Fui a teus pés queimar minha alma ansiosa,
Como se queima o óleo ante os altares;
Tive a paixão indômita e fogosa,
Única em meio das paixões vulgares.
Cheio de amor, vazio de esperança,
Dei para ti os meus primeiros passos;
Minha ilusão fez-me, talvez, criança;
E eu pretendi dormir aos teus abraços,
Cheio de amor, vazio de esperança.
Refugiado à sombra do mistério
Pude cantar meu hino doloroso;
E o mundo ouviu o som doce ou funéreo
Sem conhecer o coração ansioso
Refugiado à sombra do mistério.
Mas eu que posso contra a sorte esquiva?
Vejo que em teus olhares de princesa
Transluz uma alma ardente e compassiva
Capaz de reanimar minha incerteza;
Mas eu que posso contra a sorte esquiva?
Como um réu indefeso e abandonado,
Fatalidade, curvo-me ao teu gesto;
E se a perseguição me tem cansado,
Embora, escutarei o teu aresto
Como um réu indefeso e abandonado.
Embora fujas aos meus olhos tristes,
Minha alma irá saudosa, enamorada,
Acercar-se de ti lá onde existes;
Ouvirás minha lira apaixonada,
Embora fujas aos meus olhos tristes.
Talvez um dia meu amor se extinga,
Como fogo de Vesta mal cuidado
Que sem o zelo da Vestal não vinga:
Na ausência e no silêncio condenado
Talvez um dia meu amor se extinga.
Então não busques reavivar a chama;
Evoca apenas a lembrança casta
Do fundo amor daquele que não ama;
Esta consolação apenas basta;
Então não busques reavivar a chama.
Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.
VI
O amor tem asas, mas ele também pode dá-las.
(Homero)
Em vão! Contrário a amor é nulo o esforço humano;
É nulo o vasto espaço, é nulo o vasto oceano.
Solta do chão, abrindo as asas luminosas,
Minha alma se ergue e voa às regiões venturosas,
Onde ao teu brando olhar, ó formosa Corina,
Reveste a natureza a púrpura divina!
Lá, como quando volta a primavera em flor,
Tudo sorri de luz, tudo sorri de amor;
Ao influxo celeste e doce da beleza,
Pulsa, canta, irradia e vive a natureza;
Mais lânguida e mais bela a tarde pensativa
Desce do monte ao vale; e a viração lasciva
Vai despertar à noite a melodia estranha
Que falam entre si os olmos da montanha;
A flor tem mais perfume e a noite mais poesia;
O mar tem novos sons e mais viva ardentia;
A onda enamorada arfa e beija as areias,
Novo sangue circula, ó terra, em tuas veias!
O esplendor da beleza é raio criador:
Derrama a tudo a luz, derrama a tudo o amor.
Mas vê. Se o que te cerca é uma festa de vida,
Eu, tão longe de ti, sinto a dor mal sofrida
Da saudade que punge e do amor que lacera,
E palpita e soluça e sangra e desespera.
Sinto em torno de mim a muda natureza
Respirando, como eu, a saudade e a tristeza;
A saudade do bem e a tristeza do mal;
Tristeza sem irmã, saudade sem igual.
É deste ermo que eu vou, alma desventurada,
Murmurar junto a ti a estrofe imaculada
Do amor que não perdeu, co’a última esperança,
Nem o intenso fervor, nem a intensa lembrança.
Sabes se te eu amei, sabes se te amo ainda,
Do meu sombrio céu alva estrela bem-vinda!
Como divaga a abelha inquieta e sequiosa
Do cálice do lírio ao cálice da rosa,
Divaguei de alma em alma em busca deste amor;
Gota de mel divino, era divina a flor
Que o devia conter. Eras tu.
No delírio
De te amar – olvidei as lutas e o martírio;
Eras tu. Eu só quis, numa ventura calma,
Sentir e ver o amor através de uma alma;
De outras belezas vãs não valeu o esplendor,
A beleza eras tu: — tinhas a alma e o amor.
Pelicano do amor, dilacerei meu peito,
E com meu próprio sangue os filhos meus aleito;
Meus filhos: o desejo, a quimera, a esperança;
Por eles reparti minha alma. Na provança
Ela não fraqueou, antes surgiu mais forte;
É que eu pus neste amor, neste último transporte
Tudo o que vivifica a minha juventude:
O culto da verdade e o culto da virtude,
A vênia do passado e a ambição do futuro,
O que há de grande e belo, o que há de nobre e puro.
Deste profundo amor, doce e amada Corina,
Acorda-te a lembrança um eco de aflição?
Minha alma pena e chora à dor que a desatina:
Sente tua alma acaso a mesma comoção?
Em vão! Contrário a amor é nulo o esforço humano,
É nulo o vasto espaço, é nulo o vasto oceano!
Vou, sequioso espírito,
Cobrando novo alento,
Na asa veloz do vento
Correr de mar em mar;
Posso, fugindo ao cárcere,
Que à terra me tem preso,
Em novo ardor aceso,
Voar, voar, voar!
Então, se à hora lânguida
Da tarde que declina,
Do arbusto da colina
Beijando a folha e a flor,
A brisa melancólica
Levar-te entre perfumes
Uns tímidos queixumes
Ecos de mágoa e dor;
Então, se o arroio tímido
Que arrasta-se e murmura
À sombra da espessura
Dos verdes salgueirais,
Mandar-te entre os murmúrios
Que solta nos seus giros,
Uns como que suspiros
De amor, uns ternos ais;
Então, se no silêncio
Da noite adormecida,
Sentires – mal dormida
Em sonho ou em visão,
Um beijo em tuas pálpebras,
Um nome aos teus ouvidos,
E ao som de uns ais partidos
Pulsar teu coração;
Da mágoa que consome
O meu amor venceu;
Não tremas – é teu nome,
Não fujas – que sou eu!
Nota do Autor
editarAs três primeiras poesias desta coleção foram publicadas sob o anônimo nas colunas do Correio Mercantil; a quarta e quinta saíram no Diário do Rio, sendo esta última assinada. A sexta é inteiramente inédita.