Versos da mocidade (Vicente de Carvalho, 1912)/Ardentias/Gélida

GÉLIDA

Lembram-me sempre as rejiões polares
— Frias e brancas solidões imensas —
Quando em meus olhos pouzam teus olhares:
Neles vendo o que sentes e o que pensas,
Lembram-me sempre as regiões polares...

Lá, sob o escuro ceu que a bruma veste
De vaga sombra e de imortal tristeza,
Se dezenrola, alcantilado e agreste,
O seio nu da triste natureza,
Lá, sob o escuro ceu que a bruma veste.


Os esqueletos brancos das montanhas
Sob o veu transparente das neblinas
Vão dezenhando aparições estranhas...
Têm a tristeza vaga das ruinas
Os esqueletos brancos das montanhas.

Quebra a funerea solidão que dorme
Em torno, apenas e de quando em quando,
O fantasma de um urso, horrendo e informe,
Os vagarozos passos arrastando
Pela funerea solidão que dorme...

Assim pareces tu, palida e fria;
Formoza filha de Albion nevoenta!
Rosto onde não resplende uma alegria,
Alma onde uma ternura não rebenta,
Assim pareces tu, palida e fria.

Nunca um raio de amor iluminou-te
O arido seio, o coração de pedra;
Nenhuma estrela te clareia a noute,
Nenhuma roza no teu seio medra,
Nunca um raio de amor iluminou-te.


E a tua vida é como esse dezerto
Vasto, sombrio, lugubre, gelado:
Olha-se e vê-se, lonje como perto,
Um grande plaino branco e despovoado...
E a tua vida é como esse dezerto.

Mas como os ursos das regiões polares,
Vê-se, quebrando essa monotonia,
Passar ás vezes pelos teus olhares
A sombra de uma colera bravia
Como esses ursos das rejiões polares...