Versos da mocidade (Vicente de Carvalho, 1912)/Ardentias/Madrugada pagã

MADRUGADA PAGÃ

A loura deuza das manhãs radiozas,
Que inflora o campo e sonoriza os ninhos,
Surje espalhando á beira dos caminhos
Giestas em flor e petalas de rozas.

Tudo disperta e anceia: ha borborinhos
De amor feliz nas moutas misteriozas,
Zumbidos de azas, espansões cheirozas
Da alma, entreaberta ao sol, dos rosmaninhos..

De entre murteiras planje, murmurante,
A voz de Pan, que se escoar parece
Em catadupa trémula e sonora;

E, como ouvindo aquela voz distante,
Venus empalidece, empalidece...
E desmaia entre as purpuras da aurora.