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E’ chegada a opportunidade de abordar o facto que mais desgostos talvez tivesse causado a Ferreira em toda sua longa vida politica.

Acabava de ser promulgada a lei de 19 de Setembro de 1855, que dividio as províncias em circulos eleitoraes; de um só deputado e incompatibilisou a magistratura.

Era uma verdadeira conquista da idéa liberal, a cujo serviço o marquez de Paraná, presidente do conselho de ministros, poz seos talentos e grande prestigio.

Isto vem para dizer que a victoria foi arrancada aos co-religionarios vencidos, mas não convencidos.

Euzebio de Queiroz, o chefe mais eminente do partido conservador da Côrte, tocára á postos contra a invasão, e vira-se no momento acercado de toda a deputação cearense.

O successo repercutio na Provincia como triumpho liberal; e, si não o foi em sua total consequencia, tal vez não fosse sinão porque a morte supprimio logo depois da lista dos vivos o chefe do gabinete, substituido pelo marquez, depois duque de Caxias[1], que apenas não exagerou a victoria contra o seo partido.

Mas o seo delegado na Provincia, Dr. Paes Barretto[2], manteve sempre tão inteira neutralidade na administração, que por mais de uma vez chegou a merecer louvores da imprensa liberal, em uma quadra climaterica, em que seos antecessores não haviam escapado da mais desabrida opposição.

Estavam marcadas as eleições primarias para 3 de Novembro, nas quaes deviam-se apresentar os conservadores[3],

contando somente com os seos proprios recursos

, esses mesmos enfraquecidos por estemporaneas candidaturas de amigos, animados pela possibilidade de exito em uma pequena circumscripção eleitoral.

Tambem em tempo algum o partido conservador deu tão má copia de si, não pelo que succedeu nas eleições primarias, porque não se pode lançar á sua conta o sangue derramado nas parochias de Sobral, S. Anna e Imperatriz, mas pela desorganisação que já lavrava no seo proprio seio, sem explicação rasoavel.

Não fallemos dos assassinatos e da practica de outros graves crimes, que todos condemnamos; mas a luta incruenta pela victoria no terreno legal é mais do que prova de vitalidade, é o exercício de um direito pelo bem cmnmum, e que ninguem deve tentar supprimir na vida dos partidos, sob pena de supprimil-os tambem.

E’ inui bello certamente sonhar com algum alento parlamentar onde o povo podesse exercer seus direitos sem violencia e onde as opiniões mais diversas se podessem conciliar sem discussão; na practica esse idéal admiravel não seria sinão a universal indifferenca e a escravidão nuiversal. Em toda parte onde existe um corpo eleitoral e uma acção que se governa á si mesma, querer acalmal-a e adormecel-a é querer annullar seo poder. Ao contrario, onde quer que as instituições e os costumes mantem a actividade dessas lutas beneficas, grandes faltas podem commetter-se, mas não são irreparaveis, e o futuro não está perdido. [4]

Não me arreceio das lutas apaixonadas, costumava dizer J. Russel; é no meio das chammas e aos rudes golpes que ferem a bigorna retumbante, que a liberdade recebe sua forma, a consciencia a sua força.

Mas a luta fratecida, sem fomento de uma idéa generosa.

que nome pode ter? E’ a decomposição pelo egoísmo.

Foi este o triste espectaculo que deo então o partido conservador.

Os liberaes em summa mal poderam arregimentar suas forças e dar combates em tres districtos, Aracati, Baturité e Sobral; mas apenas ganharam no primeiro e viéram afinal a perder nos dous ultimos.[5]

Nos outros districtos o caso ainda foi peior para os conservadores, porque a divergencia travou-se entre co-religionarios, parentes e até irmãos.

No Crato o Dr. André Bastos salvou-se acceitando quasi á ultima hora a eleição de supplente do Dr. José Vicente Duarte Brandão, com promessa formal de na legislatura seguinte der-lhe cedida a deputação.

No Icó, o Dr. Francisco de Araujo Lima derrotou o primo, candidato da chapa, Dr. Raymundo Ferreira de Araujo Dima, e fez-se eleger, cedendo a supplencia ao Dr. Gervasio Cícero de Albuquerque e Mello.

Na Granja, o Dr. Sebastião Gonçalves da Silva, juiz municipal do termo, contra a chapa do partido, elegeo-se deputado de combinação com o Rvd. vigario da Viçosa, P.e José Bevilaqua , que foi eleito supplente.

Nem mesmo a eleição do Dr. Miguel Fernandes correo placida no circulo de S. João do Principe e Saboeiro, onde tinha sua familia. O mano, Dr. Manoel Fernandes Vieira, apresentou-se tambem candidato , e só cedeo mediante o acordo de ser eleito supplente , e na seguinte legislatura deputado, como aconteceu.

Na capital foi onde a tempestade mais se agitou.

O Dr. Pedro Pereira apresentou-se em competencia com o Dr. Machado, candidato da chapa.

Contava com dous elementos: a patuléa formada de desgostosos, que o competidor havia levantado na sua recente chefatura de policia da Província, e a confiança em que Ferreira, quando não o apoiasse,não guerrearia o seo antigo companheiro de luta contra o equilibrismo.

Ferreira envidou todos os meios conciliatorios para dissuadil-o de tão desarasoada pretensão, mas debalde.

Pedro Pereira recusou até a supplencia com compromisso formal de tomar assento por dous annos.

Ou tudo, ou nada!

O que fazer em tal caso? O politico é um machinista exposto a todoa os perigos sobre a machina de fogo e aço que o conduz. Eu queria ver no seo logar os çriticos que o condemnam.[6]

Não era do caracter de Ferreira a duvida, a incerteza, quando se tractava do cumprimento do dever.

Já havia esgotado todos os recursos d’amisade; restava-lhe somente a luta inevitavel.

Pedro Pereira exagerou-se demais crêando o Sol, jornal joco-sério, em que procurou mettel-o a ridículo, sua arma predilecta e aterradora.

Ferreira limitou-se a salvar o candidato da chapa ; mas, si perdôou as injurias, gratuitamente atiradas, nunca poude olvidar a ingratidão; porque esta, como diz Tacito, podemos calar; não está, porem, em nós esquecel-a.

Não menos amarga foi-lhe a scena inqualificavel de indisciplina do seo partido, outr’ora tão arrigimentado e cheio de abnegação.

Os seos amigos mais intimos acreditaram que d’ahi se originára a molestia terrivel, que levou tres annos a minar tão preciosa existencia.


  1. Falleceo o marquez de Paraná a 3 de Setembro de 1856, mas, tendo enfermado gravemente desde 23 de Agosto, o marquez de Caxias, minístro de guerra, assumio interinamente neste dia a presidencia do conselho e effetivamente n’aquelle.
  2. Francisco Xavier Paes Barreto foi nomeado por Carta Imperial de 15 de Setembro de 1855, e tomou posse a 13 de Outubro seguinte. Tendo deixado a administração a 9 de Abril de 1856, para tomar assento na Camara temporaria, reassumio-a a 11 de Outubro do mesmo anno.
  3. Data desse tempo a denominação de "conservadores para os "caranguejos, dada por Euzebio de Queiroz quando no seo monumental discurso de 16 de Junho de 1855, geralmente conhecido por "canto de cysne," porque foi o ultimo que pronunciou digno de seos creditos de grande orador, combateo pela "conservação" da legislação vigente contra as innovações do governo, que pregava a "Conciliação".
  4. Duvergier de Haulanne, antigo ministro de Luiz Felippe, « Memorias sobre o Suffragio Universal ».
  5. Pelo districto do Aracati foram eleitos: conego Antonio Pinto de Mendonça, deputado, e Dr Hypolito Cassiano Pamplona, supplente; pelo de Baturité foram à camara em duplicata: os conservadores, Dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe, deputado, e o vigario Raymundo Francisco Ribeiro supplente; E os liberaes. Dr. Thomao Pompeu de Souza Brazil, deputado, e Dr. Vicente Alves de Paulz Pessoa, supplente ; pelo de Sobral houve tambem duplicata: consera vadores, Dr Francisco Domingues da Silva, deputado, e Coronel José Camillo Linhares, supplente; e liberaes, Dr. João Felippe da Cunha Bandeira de Mello, deputado. e conselheiro José Martiniano de Alencar, supplente. Foram reconhecidos os conservadores.
  6. Phiarete Chasles, « A Psycologia Social », Pag. 10.