Vida e Feitos D' El-Rey Dom João Segundo/CCII
E estando el-rey em Evora começou d' aver necessidade de pam avendo muito na cidade en poder dalguns fidalgos e cidadões que ho nam queriam vender esperando por maior necessidade cuidando que o aviam de vender a como quisessem. Mandou-lhe el-rey rogar a todos que vendessem seu trigo a trinta reaes o alqueire, que lhe parecia preço honesto pera elles ganharem e ho povo ser provido, pois avia annos que o nam venderam tam caro e que nisso lhe fariam prazer. E que se o nam quisessem vender que soubessem certo que depois lho não deixaria vender em quanto elle na cidade estevesse. Escusaram-se todos esperando por mayor valia, salvo hum Joam Mendez Cecioso, cidadam honrrado que mandou loguo levar aa praça huns corenta moyos que tinha, e mandou dizer a el-rey se queria sua alteza que o posesse a vinte reaes que assi se venderia. Agardeceo-lho el-rey e quis que a trinta se vendesse; e fez-lhe logo por ysso merce de dous escravos. E mandou loguo ao mestrado de Santiago em Castella dizer que lhe aprazia dar licença pera poderem vir a Evora vender seu pam como lhe requeriam avia dias, e el-rey nam queria por lhe não levarem ho dinheyro do reyno; e tanto que teve recado que estava muyto pam pera vir, mandou logo apregoar pola cidade que qualquer homem della que vendesse triguo em quanto elle ahi estevesse, que perdesse por isso sua fazenda; e mandou poer sobre ysso tanta guarda que se nam vendeo alqueire. Acodio loguo de Castella tanto que valia a vinte reaes o alqueire, e o anno seguinte valeo em Evora a catorze reaes o alqueire. Por onde todos os que tinham pam ho perderam casi todo. E el-rey sem castigo os castigou bem e deu grande perda aos cubiçosos, e muyto proveito a sua corte e a todo ho povo de que sempre tinha muito grande cuidado. E quando sayo d' Evora pera as Alcaçovas mandou dizer aos que o nam quiseram servir que agora que se ele hia da cidade poderiam vender seu pão em que os ainda tornou a envergonhar.