Vila Rica (Cláudio Manuel da Costa)/Fundamento Histórico
PERSUADIDO O AUTOR desta obra de que não serão bastantes as notas com que ilustrou os seus Cantos á instruir ao Leitor da notícia mais completa do descobrimento das Minas Gerais, da sua povoação e do aumento a que têm chegado os seus pequenos Arraiais, se resolveu a escrever esta preliminação histórica, em que protesta não pertender alterar a verdade a benefício de alguma paixão, e só se regula pelo mais crítico e incontestável exame, que por si e por pessoas de conhecida inteligência e probidade pôde conseguir sobre fatos que ou a tradição conserva de memória, ou escreveu raramente algum gênio curioso, que o testemunhou de vista.
Entre os desta conduta deu um importante socorro o Coronel Bento Fernandes Furtado, natural da Cidade de São Paulo, que há poucos anos faleceu no Serro do Frio, tendo sido morador no Arraial de São Caetano, distrito da Cidade Mariana. Confiou ele do Autor em sua vida alguns apontamentos que fizera, e achando-os o Autor em muita parte dissonantes do que havia lido na História de Sebastião de Pita Rocha e outros escritores das cousas da América, procurou confirmar-se na verdade pelos monumentos das Câmeras e Secretarias dos Governos das duas Capitanias, S. Paulo e Minas.
O sargento-mór Pedro Taques de Almeida Paes Leme, natural tambem da mesma Cidade de S. Paulo, e ali morador, de estimável engenho e de completo merecimento, remeteu ao Autor desde aquela Cidade todos os documentos que conduziam ao bom discernimento desta obra, e regendo-se o Autor por Ordens Régias, Cartas de Governadores e atestações de Prelados Eclesiásticos, e manuscritos desde a era de 1682 achados nos arquivos que foram dos padres denominados da Companhia de Jesus naquela Província, facilmente poderá desculpar-se se oferece ao público este Poema, sem o receio de ser insultado nas opiniões que sustenta, ainda quando mais contestadas de uns e outros sectários.
Os naturais da Cidade de S. Paulo, que têm merecido a um grande número de geógrafos antigos e modernos serem reputados por uns homens sem sujeição ao seu Soberano, faltos do conhecimento e do respeito que devem às suas leis, são os que nesta América têm dado ao Mundo as maiores provas de obediência, fidelidade e zelo pelo seu Rei, pela sua Pátria e pelo seu Reino.
A vigilância com que atendiam pela harmonia e utilidade econômica do seu País os aconselhou, muito antes que a todo o Portugal, a fazer sair das suas terras aos padres denominados da Companhia de Jesus; por sediciosos e maus, os puseram eles em um total extermínio em o mês de julho de 1640 e, por força de caridade indiscreta de Fernão Dias Paes contra o voto comum, foram depois restituídos a S. Paulo no anno de 1653.
Trabalharam incessantemente por adiantar os interesses do Real Erário e se gloriam de que fossem Carlos Pedroso da Silveira e Bartolomeu Bueno de Siqueira os primeiros Paulistas que apresentaram as mostras do ouro das Minas Gerais ao Governador do Rio de Janeiro, Antônio Paes de Sande, pelos anos de 1695.
Falecendo o dito Sande, ficou com o governo Sebastião de Castro Caldas, o qual remeteu a El-Rei D. Pedro as mostras do dito ouro em carta datada em o Rio de Janeiro, a 16 de junho do mesmo ano.
Por este tempo se serviu Sua Majestade de despachar a Artur de Sá e Menezes por Governador e Capitão General do Rio de janeiro, e por Carta Régia de 16 de dezembro de 1695 lhe ordenou passasse aos descobrimentos das minas do Sul a executar o que se havia encarregado a Antônio Paes de Sande, praticando com os Paulistas beneméritos as mesmas honras, e mercês de Hábitos, e foros de Fidalgos da Casa, conteúdos na Real Instrução, que pela Secretaria do Estado se expedira ao dito Sande. Depois por Carta Régia de 27 de janeiro de 1697 se mandou sair ao dito Sá com seiscentos mil réis de ajuda de custo em cada um ano, além do seu soldo.
Buscando porém as cousas na sua origem, segue o Autor por mais certa e prudente opinião não se poder averiguar indubitavelmente qual fosse o primeiro Paulista que descobriu as Minas Gerais, de que particularmente se trata nesta obra. É sem controvérsia que o primeiro objeto dos conquistadores de São Paulo foi o cativeiro dos índios, porque eles substituíam a falta dos escravos, que ao depois entraram em grande número das costas d'África.
Desde o estabelecimento daquela Povoação, que foi em 25 de janeiro de 1554, dia da conversão de São Paulo, de onde derivou o nome, se deve presumir que giravam muitos dos conquistadores pelo centro dos Sertões, e atravessavam as Minas, saindo em Bandeiras (que assim chamavam as companhias que para esta diligência se armavam), e recolhendose ao depois com a presa que facilmente podiam segurar.
Dos Sertões penetrados era o mais notável o da Casa da Casca, nome que se deu a uma Aldeia sobre as costas do Rio Doce, que vai fazer barra à Capitania do Espírito Santo e principia a formar-se desde o Córrego do Ouro Preto, recebendo em si imensos ribeiros e rios caudalosos. Destes Sertões se recolhia na era de 1693 Antônio Rodrigues Arzão, natural da Vila de Taboaté, com mais cinqüenta homens de sua comitiva. Chegado à Capitania doEspírito Santo, apresentou ao Capitão-Mor Regente daquela Vila três oitavas de ouro; a Câmara os recebeu com agrado e lhes subministrou os víveres e vestuários de que careciam, segundo as ordens que d'El-Rei tinha.
Deste ouro se mandaram fazer duas memórias, uma, que ficou ao dito Arzão, e outra, que tomou para si o Capitão-Mor: aqui se fundamenta o episódio do Segundo Canto.
A denunciação desta limitada porção foi sem dúvida a primeira que se fez de ouro que se descobria nas Minas Gerais; e a de que se conserva memória em São Paulo, que é a de Carlos Pedroso da Silveira, por algumas circunstâncias discorre o Autor ser posterior a ela. Antônio Rodrigues Arzão, não podendo ajuntar na Vila do Espírito Santo a gente que precisava para segunda vez tornar aos Sertões, se passou ao Rio de Janeiro e daí para São Paulo: nesta Cidade, ferido gravemente dos trabalhos que passara, enfermou e veio a morrer finalmente, deixando encarregado a Bartolomeu Bueno, seu cunhado, de continuar no descobrimento de que havia apresentado as mostras.
Era Bartolomeu Bueno dotado de bastante agilidade e fortaleza de espírito e, como tinha perdido em jogos todo o seu cabedal, foi fácil querer melhorar de fortuna, tomando sobre si, com o favor de alguns amigos e parentes, a grande empresa a que havia dado princípio Antônio Rodrigues Arzão.
Convocados todos e guiados pelo roteiro que lhes deixara o falecido, saíram da Vila de São Paulo pelos anos de 1694. Romperam os matos gerais, e servindo-lhes de norte o pico de algumas serras, que eram os faróis na penetração dos densíssimos matos, vieram estes generosos aventureiros sair finalmente sobre a Itaverava, serra que de Vila Rica dista pouco mais de oito léguas: aí plantaram meio alqueire de milho; e porque o Sertão era mais estéril de caça que o do Rio das Velhas, para este passou Bartolomeu Bueno a tropa, enquanto madurava a pequena sementeira de que esperava manter-se, para continuar o descobrimento.
No ano seguinte, que foi o de 1695, voltaram os referidos sertanistas a colher a sua planta, e entrando na Itaverava foram encontrados do Coronel Salvador Fernandes Furtado e do Capitão Manuel Garcia Velho e outros, conquistadores também do Gentio e povoadores das Vilas que ficam ao leste de São Paulo: já então trabalhavam com algum desembaraço os primeiros sertanistas, ajudados de um grande número de índios, que haviam cativado nos sertões do Caeté e Rio Doce; mas como lhes obstava a falta de experiência necessária, e não tinham instrumentos de ferro para a laboreação, apenas se contentavam com o pouco que podiam apurar em pequenos pratos de pau ou de estanho, servindo-lhes os mesmos paus aguçados de cavar a terra e descobrir os cascalhos, formações em que se conserva e se cria o ouro.
Quis Miguel de Almeida, um dos companheiros do Bueno, melhorar de armas, e propôs ao Coronel Salvador Fernandes Furtado a troca de uma clavina, dando-lhe por avanço todo o ouro que se achasse nos da comitiva; aceitou o Coronel a oferta, e dando-se busca ao ouro, se não achou entre outros mais que doze oitavas; recebeu-as o Coronel, e como Manuel Garcia Velho quisesse ter a vaidade de aparecer com todo aquele ouro em São Paulo, cometeu ao Coronel a venda de duas índias, mãe e filha, a preço das doze oitavas: conveio este no trato e compra das índias, as quais catequizadas, se batizou uma com o nome de Aurora, e outra com o de Célia. Desta última há notícia que faleceu há poucos anos na Vila de Pitangui, em casa de uma filha casada do dito Coronel, e aqui tem fundamento histórico o episódio de Aurora.
Despedidos uns sertanistas dos outros, partiu ufano para São Paulo o Capitão-Mor Manuel Garcia Velho; entrando na Vila de Taboaté, aí o foi visitar Carlos Pedroso da Silveira; e porque lhe não faltava habilidade e engenho para se conciliar com os patrícios, houve a si as doze oitavas de ouro; com elas se passou ao Rio de Janeiro, apresentou-as ao Governador (como já se disse) e foi premiado com a patente de Capitão-Mor da Vila de Taboaté.
Conseqüentemente o nomeou o mesmo Governador Provedor dos Quintos, concedendo-lhe as ordens necessárias para estabelecer fundição na mesma Vila, por ser ela a povoação onde desembarcavam primeiro os conquistadores. Por este modo se vê que, posto que Antônio Rodrigues Arzão denunciasse primeiro que Carlos Pedroso da Silveira as três oitavas de ouro que descobriu nas Minas Gerais, a sua morte impediu o progresso desta denunciação, e ficou Carlos Pedroso conseguindo a glória de apresentar o ouro que ele não descobrira.
O descobrimento pois denunciado pela interposta pessoa de Carlos Pedroso da Silveira e o estabelecimento da Casa da Fundição em Taboaté foram os dous fortes estímulos que animaram os Paulistas a armarem tropas, a prevenirem-se de alguma fábrica mais proporcionada ao uso de minerar, e a desampararem a Pátria, rompendo os matos gerais desde a grande Serra do Lobo, que divide a Capitania de São Paulo, até penetrarem o mais recôndito das Minas, menos) á na conquista do Gentio, que na diligência do ouro. O grande número de concorrentes que buscavam as Minas, e a emulação que logo se acendeu entre os da Vila de São Paulo e os naturais de Taboaté fez que, estendidos por várias partes, buscasse cada um novo descobrimento em que se estabelecesse, não se contentando os Paulistas de entrarem em parte nas repartições das faisqueiras que denunciavam os de Taboaté, nem estes nas que denunciavam os Paulistas.
Esta opinião, que tinha um semblante de fanatismo, por serem todos da mesma Pátria, posto que de diferentes distritos, veio finalmente a produzir a grande utilidade de se desentranharem em toda a sua extensão as minas do nosso Portugal, de serem penetradas de uns e de outros, não se perdoando ao rio mais remoto e caudaloso, nem à serra mais intratável e áspera, se bem que o conhecimento do ouro nas montanhas e serras veio a conceber-se mais tarde que o dos rios e seus taboleiros, que são as margens planas que os cercam dos lados.
E porque não é intento do Autor cansar ao Leitor com a multiplicidade dos nomes de tantos que têm a glória de descobridores, e apenas podem ser conhecidos dentro das suas famílias e pátria, e menos noticiar individualmente os rios, córregos e serras que por sua ordem se foram descobrindo, de que tudo tem uma verídica e suficiente informação, só pelas datas dos tempos fará ver ao curioso quais foram aqueles que deram ao manifesto as faisqueiras mais avultadas em que hoje se acham criadas as Vilas do Ouro Preto, a Cidade Mariana, a Vila do Sabará, a do Caeté, a de São João d'El-Rei, a de São José e a do Príncipe no Serro do Frio, que fazem as cabeças das quatro Comarcas da Capitania das Minas Gerais.
Vila do Carmo, hoje Cidade Mariana
1699
MIGUEL GARCIA, natural de Taboaté, foi o primeiro que deu ao manifesto um córrego que faz barra no Ribeirão do Carmo, e se compreende no distrito da Cidade Mariana: fez a repartição o Guarda-Mor Garcia Rodrigues Velho, com assistência do Escrivão das Datas, o Coronel Salvador Fernandes Furtado. O Ribeirão chamado o do Carmo descobriu pelo mesmo tempo João Lopes de Lima, natural de São Paulo, e o manifestou em 1700: repartiuse, e porque as faisqueiras eram invencíveis pela grande frialdade das águas, despenhadeiros e matos cerradíssimos que o cercavam de ambas as margens, tanto, que só permitia trabalhar-se dentro dele quatro horas do dia, além da grande penúria dos mantimentos, que chegou a trinta, e quarenta oitavas o alqueire de milho, e o de feijão a oitenta oitavas, foi fácil desampararem os mineiros por algum tempo a sua Povoação, e só permaneceu nela o Coronel Salvador Fernandes Furtado. Dista este Ribeirão até a barra do Rio Doce 16 te 18 léguas, e pela volta do Rio se computam 30. Está situada em 20 graus e 21 minutos. Passou a ser Vila por criação do Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em 8 de abril de 1711.
Ouro Preto, ou Vila Rica
O OURO PRETO, que compreende em si vários ribeiros e morros com diferentes denominações, como são Passadez, Bom Sucesso, Ouro Fino, ou Bueno etc, teve por descobridores nos mesmos anos de 1699, 1700, 1701 Antônio Dias, natural de Taboaté, ao Padre João de Faria Fialho, natural da Ilha de São Sebastião, que viera por Capelão das Tropas de Taboaté, a Tomás Lopes de Camargo, que se sitiou nas lavras, que ao depois vieram a ser de Pascoal da Silva, e a Francisco Bueno da Silva, ambos Paulistas, e este último primo do primeiro descobridor da Itaverava, Bartolomeu Bueno: de todos estes tomaram nome alguns bairros de Vila Rica. Foi criada a Vila pelo Governador Albuquerque, no dia 8 de julho de 1711; está situada em 20 graus e 24 minutos ao poente.
Sabará
TENDO SIDO ATRAVESSADO o dilatadíssimo sertão do Sabará-Bussu muito antes de qualquer outro das Minas, porque os primeiros conquistadores demandavam o Rio das Velhas, cujas dilatadas campinas eram mais povoadas dos Gentios e férteis de caça, e as primeiras diligências do ouro e pedras se fizeram ao norte de São Paulo, consta que o seu descobridor, ou denunciante das suas faisqueiras, fora o Tenente-General Manuel de Borba Gato, natural de São Paulo, de cuja história se faz menção no Canto nl. O descobrimento foi na era de 1700. Assistiu à repartição o Governador Artur de Sá e Menezes: passou Sabará a ser Vila em 17 de julho de 1711, por criação do Governador Antônio de Albuquerque: a sua situação é em 19 graus e 52 minutos.
Caeté, Vila da Rainha
ENTRE o SABARÁ e o Arraial de Santa Bárbara se criou a Vila Nova da Rainha, conhecida ainda pelo nome brasílico de Caeté, que vale o mesmo que mato bravo, sem mistura alguma de campo: foi descobrimento do Sargento-Mor Leonardo Nardes, Paulista, e de uns fulanos Guerras, naturais da Vila de Santos. O Governador D. Brás da Silveira lhe deu o foral de Vila em 29 de janeiro de 1714, por virtude da faculdade concedida ao seu antecessor Antônio de Albuquerque. Está situada em 19 graus e 55 minutos.
Rio das Mortes, Vila de São João e São José
O Rio DA MORTES, que os Paulistas e viandantes das mais partes atravessavam freqüentemente, por distar nos primeiros tempos do Ouro Preto pouco mais de cinco dias de jornada ordinária, foi descoberto por Tomé Portes d'El-Rei, natural de Taboaté, passados muitos anos depois do descobrimento das primeiras povoações. Aí se criou a Vila de São João d'ElRei, ficando-lhe ao nascente a de São José, no lugar então chamado a Ponta do Morro; foi descobrimento de José de Siqueira Afonso, natural de Taboaté. Foram criadas estas Vilas pelo Governador D. Pedro de Almeida, em 19 de janeiro de 1718. A Vila de São João está em 21 graus e 20 minutos; São José em 21 e 5.
Serro Frio, Vila do Príncipe
ANTÔNIO SOARES, natural de São Paulo, avançando maior salto que todos os outros, atravessou os Sertões ao norte de São Paulo, descobriu o grande Serro vulgarmente chamado o do Frio, que na língua gentílica era tratado por Hivituraí, por ser combatido de frigidíssimos ventos, todo penhascoso e intratável: do seu descobridor proveio o nome a uma das suas serras, que hoje se conhece pelo Morro d'Antônio Soares. Neste descobrimento se associou um Antônio Rodrigues Arzão, descendente do primeiro Arzão, de quem já se deu notícia. As grandes preciosidades deste continente em ouro, diamantes e todo o gênero de pedras estimáveis são bem conhecidas por toda a Europa: nele se estabeleceu o Real Contrato Diamantino, que tem devido aos Senhores Reis de Portugal a maior vigilância e zelo. A Capital denominada Vila do Príncipe foi criada por D. Brás da Silveira, em 29 de janeiro de 1714. Está situada em 18 graus e 23 minutos.
Discorrendo por entre a grande extensão destas quatro Comarcas,
apenas se achará rio, córrego ou serra que não devesse aos Paulistas o descobrimento das suas faisqueiras, e estes são os serviços com que se têm acreditado, além de muitos outros, os naturais da Cidade de São Paulo.
Digam agora os geógrafos que todos são mamelucos; arguam-lhes defeitos que nunca tiveram; sirva-lhes de injúria o haverem nascido entre aquelas montanhas: as almas é certo que não têm Pátria, nem berço; deve-se amar a virtude onde ela se acha: nenhuma obrigação tinha a natureza de produzir só na Grécia os Alexandres, só em Roma os Cipiões.
Qui pur s'intende
Di gloria il nome, e la virtù s'onora,
A l'Alessandri suvi l'Idaspe ancora.
O ABADE PEDRO METASTÁSIO, no Drama de Alexandre
Primeira divisão das Comarcas
EM 6 DE ABRIL DE 1714 se fez a divisão das Comarcas com assistência do Sargento-Mor, Engenheiro Pedro Gomes Chaves, e do Capitão-Mor Pedro Frazão de Brito, e se assentou que a Comarca de Vila Rica se dividisse dali em diante da de Vila Real, indo pela estrada de Mato-Dentro pelo ribeiro que desce da Ponta do Morro, entre o sítio do Capitão Antônio Ferreira Pinto e do Capitão Antônio Correia Sardinha, e faz barra no Ribeirão de São Francisco, ficando a Igreja das Catas Altas para a Vila do Carmo, e pela parte da Itaubira se faz divisão no mais alto do morro dela, e tudo o que pertence a águas vertentes para a parte do sul tocará à dita Comarca de Vila Rica, e para a parte do norte tocará à Comarca de Vila Real. O Ribeirão das Congonhas, junto do qual está um sitio chamado Casa Branca, servirá de divisão entre as Comarcas de Vila Rica e de São João d'El-Rei, devendo tocar a Vila Rica tudo o que se compreende até ela vindo do dito ribeirão para as Minas Gerais; e do mesmo pertencerá à Comarca de São João d'El-Rei tudo o que vai até à Vila de Guaratinguetá pela Serra da Mantiqueira. Presidiu a esta repartição o Governador D. Brás Baltezar da Silveira, e assinaram nela todos os Procuradores das Vilas. Consta do Livro dos Termos na Secretaria do Governo, à fl.36.
Série dos Governadores
TORNANDO A SÉRIE dos Governadores que ou entraram nas Minas, tendo anexas as Capitanias de São Paulo e Rio de janeiro, ou que particular e sepa radamente as governaram, a que aludiu o Autor naquele verso.- Fernando, Artur e D. Rodrigo, o morto - é sem dúvida que deixados alguns governos interinos de ordem d11-Rei, ou sem ela, sucederam na administração das Minas Gerais todos os que se apontaram cronologicamente no Canto IX.
Recolhia-se Fernão Dias Paes a enviar a El-Rei as mostras das esmeraldas, e deixando a seu genro Manuel de Borba Gato, morador no Rio das Velhas, a pólvora e o chumbo, e mais petrechos e ferramenta da sua laboreação para tornar às Minas logo que recebesse as Reais Ordens. Saía D. Rodrigo por este tempo (que seria pouco mais ou menos na era de 1681) acompanhado de alguns Paulistas, como foram Matias Cardoso, Domingos do Prado, João Saraiva de Morais, Manuel Francisco, pai de Salvador Cardoso, Domingos do Prado, pai de Genuário Cardoso, e vários outros que tinham a prática dos sertões das Minas.
Avizinhando-se D. Rodrigo ao Borba, no intento de querer passar às minas das esmeraldas, lhe mandou pedir o socorro, que precisava de pólvora e chumbo, e dos mais instrumentos de ferro: repugnou o Borba, a pretexto da espera em que estava de seu sogro Fernão Dias Paes; e querendo os que acompanhavam ao Fidalgo ir à força despojar o Borba do que pediam, pacificou D. Rodrigo este primeiro ímpeto, tomando sobre si a consecução do negócio por meios menos arriscados.
Desordenou a imprudência de um ameaço toda a felicidade do empenho; e ainda que sem mandato expresso do Borba, foi morto D. Rodrigo nessa ocasião por uns pajens, ou bastardos, que viviam agregados a ele: a esta morte se seguiu salvar-se engenhosamente o Borba, afetando a repentina chegada de Fernão Dias Paes; e em conseqüência da fugida, em que para logo se puseram os Paulistas acima nomeados, foram eles os primeiros que se entranharam pelo Rio de São Francisco, e povoaram e encheram de gados as suas margens, de que hoje se sustenta o grande corpo de Minas Gerais; nem mais quiseram voltar para a Pátria, envergonhados do engano em que haviam caído.
Temeroso o Borba de que o buscassem as justiças, e que sobre a sua prisão fizesse El-Rei as maiores diligências, se meteu aos sertões do Rio Doce com alguns Índios domésticos da sua comitiva: aí viveu vários anos respeitado por Cacique, sem mais lei, ou civilidade, que aquela que podia permitir uma comunicação entre bárbaros.
Estimulado contudo dos remorsos da consciência, cuidou em mandar dous Índios práticos a São Paulo a tomar alguma inteligência dos seus parentes sobre o estado em que se achava o seu crime; estes lhe facilitaram o acesso ao Governador Artur de Sá e Menezes, recentemente chegado àquela Capitania; falou-lhe Artur de Sá com afabilidade e lhe prometeu o perdão em nome d'El-Rei, contanto que ele fizesse certo o descobrimento que denunciava do Rio das Velhas.
Bem se pode considerar o estado em que se achariam as Minas por todo este tempo, em que só o despotismo e a liberdade dos facinorosos punham e revogavam as leis a seu arbítrio. O interesse regulava as ações, e só se cuidava em avultar em riquezas, sem se consultarem os meios proporcionados a uma aquisição inocente. A soberba, a lascívia, a ambição, o orgulho e o atrevimento tinham chegado ao último ponto.
Aprestado o Borba, e socorrido de muitos parentes e amigos, acompanhou a Artur de Sá, chegou ao Rio das Velhas; deu ao manifesto este descobrimento, e se fez digno, pela grandeza das suas faisqueiras, que o Governador o premiasse com a patente de Tenente-General de uma das praças do Rio de Janeiro.
Pouco tempo se demorou Artur de Sá no Rio das Velhas; lavrado o mais fácil daqueles ribeiros, se retirou outra vez para São Paulo, substituindo-lhe uma espécie de jurisdição no Cível e no Crime o Mestre de Campo dos Auxiliares, Domingos da Silva Bueno, Guarda-Mor das Repartições das Terras e Datas Minerais, criado pelo mesmo Governador.
Com a ausência de Artur de Sá, como corpo sem cabeça, tornaram as Minas à primeira desordem: as distâncias das quatro Comarcas já penetradas, e cheias de um grande número de povoadores de diferentes Capitanias, que tinham entrado, dificultavam as providências de um só homem, em quem ainda não acabavam de reconhecer os povos a jurisdição de que estava encarregado.
Por este tempo se começaram a suscitar os ódios entre os filhos de São Paulo e os naturais de Portugal, que eles denominavam Buabas. Dous religiosos, cujos nomes e religiões se não declaram por se evitar o escândalo, fomentaram todo o calor desta desunião. Viviam eles na liberdade que permitia o País, e a impulsos de uma desordenada ambição atravessara com três arrobas de ouro o fumo e a cachaça, ou aguardente da terra, para a venderem monopolizadamente pelo mais alto preço. Quiseram logo praticar o mesmo com a carne dos gados, e encontrando a oposição dos Paulistas, resolveram acabar com eles, expelindo-os de uma vez das Minas, que eles haviam conquistado, e em que estavam estabelecidos com as suas famílias e fábricas.
Sucedendo uns fatos a outros, e tomando corpo a emulação, conseguiram os Europeus a expulsão e despejo dos Paulistas pelos anos de 1709 para 1710, regendo-os nesta ação os dous Chefes, Manuel Nunes Viana, com o caráter de Governador, com que o decoravam os seus, e Antônio Francisco, com o de Mestre de Campo, por nomeação do mesmo Viana.
Quais fossem estes dous homens, o dão bem a conhecer as notas que se ajuntaram ao Canto Quinto e Sexto e, posto que pelo que respeita a Viana se citasse só o testemunho do Conde de Assumar em uma carta registada no Livro n° 7 da Secretaria do Governo das Minas Gerais, no mesmo Livro se encontram infinitas outras, que acusam as intrigas, sublevações e desordens que ele continuava a maquinar nos distritos, onde vivia, do Rio das Velhas, as quais por brevidade se não transcrevem. Quanto a Antônio Francisco, o mesmo Conde dá um testemunho do seu caráter na carta escrita ao Doutor Valério da Costa Gouvea, Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, datada em 14 de março de 1718, páginas 22 e 23; nela se lêem estas palavras:
Eu não sei se me expliquei bem, quando falava a V. Mcê. na minha antecedente no extermínio deste homem, porque, se queria saber de V. Mcê. o partido com que aí me achava, era julgando ser precisa a prisão, porque bem sabia eu que os perturbadores e sediciosos não só podiam, mas deviam ser expulsados; a dificuldade só que se me oferecia era no modo de o fazer, porque a desgraça deste País é tal, que sendo de tão baixo nascimento este homem é daqueles que se não prendem para se soltarem.
Fazendo, porém, justiça, é certo que entre os rebeldes e levantados daquele tempo, tinha melhor índole que todos o suposto Governador Manuel Nunes Viana: não consta que cometesse, por si ou por algum de seus confidentes, positivamente ação alguma nociva ao próximo; desejava reger com igualdade o desordenado corpo que se lhe ajuntara; acolhia afavelmente a uns e a outros; socorria-os com os seus cabedais; apaziguava-os, compunha-os, e os serenava com bastante prudência; ardia porém por ser Governador das Minas e, se tivesse letras, se podia dizer que trazia em lembrança a máxima de César - Si violandum est jus, regnandi gratia violandum est.
Este projeto lhe desordenava a serenidade do ânimo, e o punha na consternação de dissimular os insultos daqueles a quem era devedor do mesmo lugar que ocupava: sobre este artigo é que o Autor o acusa nesta obra; sendo certo que a obediência aos Soberanos se deve tributar sem algum rebuço, e que nada tão sagradamente deve respeitar um fiel Vassalo.
Atormentavam os ouvidos de D. Fernando Martins de Mascarenhas os tumultos e desordens em que estavam as Minas, e querendo pessoalmente sossegá-las, marchou para elas desde o Rio de janeiro em o mês de junho de 1710. Chegou ao Rio das Mortes com o intento de passar ao Ouro Preto, aonde residiam principalmente os Chefes dos levantados: ofereceram-se-lhe alguns Paulistas e filhos de Portugal mais bem intencionados para o acompanharem nesta diligência; ele porém não consentiu no obséquio, por evitar assim algum ruído maior entre os sublevados; não cessaram contudo eles de fazer espalhar a notícia de que D. Fernando trazia cargas de correntes e outros instrumentos de ferro para punir aos cúmplices do levantamento e conspiração contra os Paulistas.
Derramada esta voz pelas Gerais, se dispôs Manuel Nunes Viana a disputar-lhe a entrada; armou então de política e cortejo um grande número de homens de cavalo, e repartiu ordens por todos os distritos circonvizinhos ao Ouro Preto, que com pena de morte se aprontassem aqueles moradores para uma diligência. Chegava D. Fernando ao Arraial das Congonhas, distante oito léguas de Vila Rica, quando os que acompanhavam a Viana, avistando de longe ao Governador, clamaram em altas vozes: Viva o nosso Governador Manuel Nunes Viana, e morra D. Fernando, se não quiser voltar para o Rio de janeiro!
Alguns se querem persuadir que Manuel Nunes Viana entrara violentado nesta ação, e ele se pertendeu escusar do conceito de rebelde e sublevado, passando ocultamente na noite seguinte a falar a D. Fernando, protestando-lhe estar pronto para entregar o governo quanto à sua parte, e de tudo isto lhe pediu por escrito uma atestação.
Assustou-se o Governador com a inesperada saudação dos rebeldes, e pediu oito dias para se retirar: concederam-se-lhe estes, mas não se aproveitou D. Fernando do beneficio, porque sem muita demora deu as costas às Minas e voltou para São Paulo; aí trabalhava ansiosamente em se reforçar com os Paulistas, para vir sobre os levantados, fazendo comua a afronta deles, e meditando para o seu despique puxar as tropas do Rio e Bahia, e juntos por uma parte e outra atacarem todos ao mesmo tempo as Minas.
Chegou ao Rio de Janeiro a frota de Portugal, e nela veio render a D. Fernando o Governador e Capitão General Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, por patente datada em Lisboa em 23 de novembro de 1709.
Sem perda de tempo se pôs em marcha para as Minas, e levando a resolução de entrar nelas disfarçado como qualquer particular, buscou o Arraial do Caeté a avistar-se com um Sebastião Pereira de Aguilar, filho da Bahia, homem rico e poderoso, de conhecido valor e espírito, que tinha por então tomado sobre si atacar a Manuel Nunes Viana e todos os seus parciais pelas injustiças e violências que praticavam, especialmente com os filhos do Brasil de qualquer Província, a quem tinha transcendido o ódio conciliado contra os Paulistas.
Consta que o dito Sebastião Pereira de Aguilar escrevera a São Paulo a D. Fernando Martins de Mascarenhas, oferecendo-se-lhe para lhe segurar o governo com o poder de muitas armas e gentes que tinha já adquirido; e talvez foi este o motivo que obrigou a Albuquerque a buscar na sua entrada aquele distrito do Caeté, hoje Vila Nova da Rainha.
Na passagem que fez a comitiva de Albuquerque pelos levantados, foi conhecido de Antônio Francisco o Capitão José de Souza, que vinha na sua guarda: cumprimentaram-se sem algum susto, por ter servido o dito Antônio Francisco de soldado na praça da Colônia, na Companhia do mesmo Capitão. Este lhe deu a notícia de haver entrado já nas Minas o Governador, e o capacitou com fortes persuasões a que o buscassem, e se lançassem a seus pés os Chefes dos levantados, se queriam melhorar de semblante na sua causa.
A perturbação em que se via posto o governo de Viana, combatido pela parcialidade avultada de Sebastião Pereira de Aguilar, e os ameaços de um formidável castigo, que de ordem d'El-Rei acabava de insinuar o Capitão José de Souza, obrigaram a Manuel Nunes Viana, a Antônio Francisco e a muitos outros cabeças do levantamento a partirem sem demora para o Arraial do Caeté: aí se achava hospedado o Governador em casa de uns três irmãos, naturais também da Bahia, que eram José de Miranda Pereira, Antônio de Miranda Pereira e Miguel Alves Pereira, talvez parentes ou amigos de Sebastião Pereira de Aguilar.
Prostraram-se aos pés de Albuquerque os rebeldes, e desculparam como lhes foi possível os seus crimes: o Governador os recebeu afavelmente, não querendo usar do poder e das ordens de que vinha fortalecido; segurou a todos o perdão pela emenda que dessem a conhecer para o futuro; e não tardou a capacitar a Manuel Nunes e Antônio Francisco que não convinha a assistência deles nas Minas Gerais, por sossegar de uma vez o tumulto dos povos.
Retiraram-se com este conselho os dous para as fazendas que tinham nos Sertões: sossegou o povo com a ausência dos Patronos, e prosseguiu Albuquerque na criação das Vilas e estabelecimento da Capitania. Bem é de ver quanto suor e fadigas empregaria o prudente General em segurar o fim de uma tão escabrosa como interessante empresa. Foi ele o primeiro que susteve com desembaraço as rédeas do governo; que pisou as Minas com luzimento e firmeza do caráter, em que El-Rei o pusera; que promulgou as leis do Soberano, e fez respeitar neste Continente o seu nome. Esta a heroicidade que lhe considera o Autor por virtude da qual o contempla digno do elogio com que honra Solis ao seu Cortês:
Admirável conquista, e sempre ilustre Capitão! Daqueles que vagarosa
mente produzem.os séculos, e de que há raros exemplos na História!
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho sucedeu D. Brás Baltezar da Silveira, o qual tomou posse na Comarca de São Paulo, em 1713, e passou para as Minas nos fins de setembro do dito ano.
A este sucedeu em 1717 0 Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida, que passou para as Minas em setembro do dito ano. Foi o seu governo bastantemente crítico por encontrar a oposição dos povos na criação das Casas da Fundição. Subjugou heroicamente alguns levantados e sublevações, principalmente os de Pitangui, fulminados por Domingos Rodrigues do Prado, e o de Vila Rica, que foi ter a Mariana em 28 de junho do ano de 1720: aqui se lhe fez perciso prender a uns e castigar a outros com a última pena.
Estes procedimentos lhe adquiriram o nome de tirano nas Minas; mas à sua constância e resolução deve Portugal a inteira sujeição da Capitania; o exemplar castigo acabou de aterrar os ânimos de um povo tantas vezes rebelde e segurou de uma vez a Real Autoridade.
Quod si non aliam venturo fata Neroni
Invenere viam, magno que Eterna parantur
Regna Deis, CÊlumque suo servire Tonanti
Non nisi sÊvorum potuit post bella Gigantum
jam nihil, ó Superi, querimur, scelera ista nefasque Hac mercede placent.
LUCANO, Pharsal., Liv. 1, v. 33.
Durou o governo do Conde de Assumar até o ano de 1721, em que o substituiu D. Lourenço de Almeida, que foi o primeiro Governador positivo das Minas, porque nele se separou a Capitania de São Paulo em governo à parte, ficando os Generais respectivos só com sujeição aos ViceReis do Estado.
Tomou D. Lourenço de Almeida posse na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ouro Preto, com assistência da Câmera, em 18 de agosto de 1721.
A D. Lourenço de Almeida sucedeu o Conde das Galveas, André de Melo e Castro, que tomou posse em o 10 de setembro de 1732, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias.
O Conde das Galveas deu posse a Gomes Freire de Andrada, em 26 de março de 1735.
Mediaram alguns governos, como foi o de Martinho de Mendonça Pina e Melo na ida que fez o dito Conde de Bobadela ao Rio de Janeiro, em 15 de março de 1736; foi outra vez levantado o pleito de homenagem em 26 de dezembro de 1737.
Pelos tempos em que se deteve no Uraguai com a Real Comissão do Tratado de Limites, substituiu seu irmão José Antônio Freire de Andrada, Conde atual de Bobadela, o governo das Minas. Igualmente falecendo em o 1.° de janeiro de 1763, se praticou a via de sucessão no Exmo. Bispo D. Frei Antônio do Desterro, e nos mais chamados por ela, te que no ano de 1763, em 28 de dezembro, entrou no governo o General Luiz Diogo Lobo da Silva.
Este Governador, enchendo de merecimento os dias do seu governo, deu a posse ao Exmo. Conde de Valadares, em 16 de julho de 1768.
Descobrimento das esmeraldas, de que se faz menção no Canto Oitavo
DA o AUTOR uma idéia deste descobrimento, conforme o que leu em um Poema manuscrito de Diogo Grasson Tinoco, feito no ano de 1689; e mostra quanto trabalhou nesta empresa Fernão Dias Paes, natural de São Paulo.
A 27 de setembro de 1664, cometeu o Senhor Rei D. Afonso VI a Agostinho Barbalho a empresa do descobrimento das esmeraldas, facilitando-lhe o fim deste negócio com uma carta, que escreveu o mesmo Senhor a Fernão Dias Paes, cujo zelo e capacidade já era bem conhecida naquela Corte, na qual lhe ordenava desse todo o socorro necessário para a conclusão deste particular. Esta carta fez tanta impressão no espírito generoso de Fernão Dias Paes, como se pode coligir da presteza com que satisfez as primeiras ordens que nela se continham, e bem o refere Diogo Grasson na oitava 27 do seu panagírico ao mesmo Fernão Dias.
Lendo-a Fernão, achou que EI-Rei mandava
Dar-lhe ajuda, e favor para esta empresa,
E em juntar mantimentos se empenhava
Com zelo liberal, rara grandeza;
Mas porque exausta a terra então se achava,
E convinha o socorro ir com presteza,
Mandou-lhe só cem negros carregados
À custa de seus bens, e seus cuidados.
Depois de passados alguns anos, tempo em que já estava no Trono o Senhor D. Pedro ii, sabendo Fernão Dias que com a morte de Agostinho Barbalho não tiveram efeito as ordens que trouxera, se quis encarregar voluntariamente da execução delas, escrevendo primeiro a Afonso Furtado de Mendonça, Governador que era então daqueles Estados, e tinha a sua residência na Bahia, oferecendo-se-lhe para este fim com a sua pessoa, e com todos os seus bens: mandou-lhe Afonso Furtado uma patente de primeiro Chefe daquela empresa aos 3o de abril de 1672. Nos princípios do ano de 1673 se pôs Fernão Dias em marcha com vários parentes e amigos seus, demandando a altura em que Marcos de Azeredo fazia certo o descobrimento das esmeraldas, em cuja diligência sofreu trabalhos infinitos, como testifica o seu panagerista na oitava 35.
Parte enfim para os serros pertendidos,
Deixando a Pátria transformada em fontes,
Por termos nunca usados, nem sabidos,
Cortando matos, e arrasando montes;
Os rios vadeando mais temidos
Em jangadas, canoas, balsas, pontes,
Sofrendo calmas, padecendo frios
Por montes, campos, serras, vales, rios.
Desta sorte chegou à paragem chamada pelos naturais Anhonhecanhuva, que quer dizer água que se some, e entre nós tem o nome de sumidouro. Aqui se deteve Fernão Dias por espaço de quatro anos com pouca diferença, e fez várias entradas no Sobra Bussu, que val o mesmo que cousa felpuda, e é uma serra de altura desmarcada, que está vizinha ao Sumidouro, a qual chamam todos hoje Comarca do Sabará. Nela achou diversa qualidade de pedras, que por falta de prática se lhes não soube dar o valor de que talvez eram dignas. Da demora que aqui teve Fernão Dias, e do muito que aqui sofreu, teve origem a discórdia entre muitos dos seus companheiros, pois quase todos conspiraram contra a sua vida, e por último o deixaram só.
Vendo-se Fernão Dias neste desamparo, não esmorece, antes entra a cuidar na brevidade da sua derrota, com ânimo de buscar a endireitura chamada Vupabussu, que soa na nossa língua lago grande, e junto deste é que se supunham os socavões das esmeraldas. Achava-se Fernão Dias falto do necessário para adiantar o giro desta expedição. Escreve à Pátria e ordena à mulher não se lhe negue cousa alguma do que pede. Assim o diz a oitava 4 do seu elogio.
Isto suposto, já para a jornada
Manda à Pátria buscar quanto a seu cargo
Incumbe, pois que a fábrica guiada
Destruída se vê do tempo largo.
Determiria à fiel consorte amada
Que a nada, do que pede, ponha embargo,
Inda que sejam por tal fim vendidas
Das filhinhas as jóias mais queridas.
Com efeito chegou o postilhão, e trouxe consigo o que Fernão Dias pedia. Puseram-se a caminho e foram discorrendo por uma dilatada montanha, até que chegaram a Tucambira, que quer dizer papo de tucano, e deixando todo este espaço avassalado, partiram para a Itamirindiba, que é rio muito fértil de peixe e significa propriamente pedra pequenina e buliçosa. Aqui pararam por algum tempo, e se proveram de forma que lhes não fosse danosa qualquer invasão do Gentio: ultimamente buscaram o rumo do Norte, te que, depois de atravessarem uma parte dos Sertões incultos, chegaram águas do Vupabussu.
Aqui cuidou Fernão Dias logo em expedir cem bastardos dos que trazia, a fim de examinar a formalidade das terras circunvizinhas a este lago, a ver se achavam algum língua que os informasse melhor do que buscavam. Na verdade não se frustrou de todo esta diligência, porque sobre o cume de uma montanha, vendo os bastardos muita gente daquela que podia dar notícia das pedras pertendidas, investiram a ela, e apenas seguraram um que, sendo trazido à presença de Fernão Dias, mandou este que com toda a humanidade fosse tratado entre os seus. Era ele de um ânimo seguro, conforme o pinta Diogo Grasson na oitava 61.
Era o Silvestre moço valeroso,
Sobre nervudo, de perfidia alheio,
O gesto respirava um ar brioso,
Que nunca conhecera o vão receio:
Pintado de urutu vinha pomposo,
E o lábio baixo roto pelo meio,
Com três penas de arara laureado,
De flechas, de arco e de garrote armado.
Foi este o que descobriu os socavões de Marcos de Azeredo junto a um serro que corre do Norte para o Sul. Mas quanto não custou a Fernão Dias este descobrimento? Trabalhou sete anos nesta empresa. Foi-lhe perciso muitas vezes romper por todas as resoluções dos seus, que só o aconselhavam se retirasse para Itamirindiba, e deixasse para melhor tempo o descobrimento pertendido, certificando-o de que os matos circunvizinhos a Vupabussu exalavam de si um hálito pestilento, e que toda a sua demora ali não podia ser proveitosa. Ultimamente mandou enforcar à vista de todos os seus soldados um filho bastardo, que mais estimava, por lhe constar que conspirava contra a sua vida. Chegou enfim a ver o que tanto desejava, e fazendo-se na volta de São Paulo, donde era natural, não quis o Céu que ele tivesse a glória de apresentar ao seu Soberano o testemunho do seu zelo e da sua lealdade. Morreu junto ao Guaiaqui, que entre nós vale o mesmo que rio das velhas. Isto é tudo quanto sabemos do descobrimento das esmeraldas, sem que possamos afirmar o rumo, altura e os graus certos em que foram descobertas estas pedras.