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preparava o seu complicado macarrão, que lhe causava mais orgulho que o Barbeiro de Servilha.

Espalhada pelo mundo a fama da nossa cozinha, quantos estranjeiros não viriam aqui, simplesmente para comer? Não deixariam de amar a nossa natureza; ella porém, passaria ao papel secundário de fornecer o elemento decorativo para o almoço ou o jantar. Almoçar no alto do Corcovado, jantar á sombra de mangueiras majestosas, que prazer! Mas a mesa, rústica ou pomposa, seria o principal. E a panela do vatapá, consagrado pelo consenso unanime dos povos, — ficaria mais alta que as nossas montanhas.

Quando sahissem daqui, lambendo os beiços, os viajantes não teriam palavras azedas para os hospedes e levariam impressões intensas. A gratidão do paladar é mais duradoira que a de outros sentidos. Musica que entra por um ouvido póde sahir pelo outro. A visão de uma paizagem esmorece na memória frágil. Mas a reminiscencia de um bom vatapá é eterna.

Demais, quem teve a fortuna de proval-o, quer repetição. E nem todos os que ouviram uma opera fazem questão de ouvil-a novamente.



Não se diga que seja indigno do orgulho nacional o empenho de ganhar a attenção do mundo por quitutes.

A celebridade alcançada por esse meio não é inferior á que se obtem pela philosophia, pela arte e pela sciencia.

Uma cozinheira póde revelar genio e os genios são iguaes. Na culminancia da sua arte, ella fica no mesmo plano superior a que subiram Kant, Raphael, Mozart e outros habitantes das grandes alturas.



Quando Presidente da Republica, THIERS era visitado por MIGNET, que apparecia em palacio, sempre, com um embrulho em baixo do braço. Aquillo havia de ser um livro. Pois, não era. O que elle levava era uma lata hypocrita, e dentro della havia a famosa bouilabaisse, à moda de Marselha. Fechavam-se os dois no gabinete da presidencia e ahi se entregavam á delicia daquelle prato regional, ás escondidas de Mme. Thiers, que obrigava o marido a uma severa dieta.

Quando se despediam, era com esta frase de enthusiasmo: — «É obra-prima do espirito humano!»

Isso diziam dois historiadores, que deveriam reservar aquellas palavras para as obras de Tácito e Tito Livio.

Animados por esse exemplo, não hesitemos em affirmar que a humanidade nos deve obras-primas do espirito humano, dessas que glorífícam uma nação e immortalizam um povo. O vatapá póde considerar-se tão sublime quanto a Critica da Razão Pura, com a vantagem de ser igualmente profundo e mais accessivel ao gosto do genero humano, que parece preferir á melhor philosophia — os bons bocados. — C.»

Os gryphos são nossos.

(De A Tarde de 16—10—1930).