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farinha, tanto que ao peixe secco esfarelado, numa espécie de ralo, dava o nome de farinha de peixe.

A farinha de milho era o milho secco, retirada a pellicuia, e bem pisado, misturado com pouca agua e cozido em banho-maria,[1] como se pratica no sertão.

Do milho ou da raiz do aipim fermentados extrairiam os aborígenes uma bebida, extremamente acidulada que, com poucas libações, produzia a exaltação de animo, e, finalmente, a embriaguez.

Era o cauim preparado pelas donzellas mais formosas da aldeia. O fallecido e illustrado Barão de Guajará (Historia Colonial do Pará) tratando da fabricação do cauim e referindo-se, em seguida, á frugal alimentação indígena, informou:

"Era o sumo da macaxêra, aipim, ou milho, amassado e mastigado, fervido depois em agua e, por fim, lançado em pote até fermentar. A alimentação era farta e variada, em certas epocas do anno".

"Consistia em caças, peixes, mariscos, batatas, e cereaes naturaes do solo".

"Abundavam nos bosques as antas, os porcos, os veados, as capivaras, as pacas e tantos outros animaes conhecidos, além de innumeras aves e reptis, que habitavam nas praias, nas campinas e nas mattas".

Cingiu-se, pois, a contribuição do indígena em nos dar a conhecer os elementos, a matéria prima, por assim dizer, de que se serviam no preparo das refeições.



  1. No sertão da Bahia, onde não existe o pão de trigo, os doentes se alimentam de cúscús ou farinha de milho, á moda indígena, apenas com a addição de diminuta quantidade de sal.
    A farinha de mandioca é, vantajosamente, substituída pela de milho, quando se trata de moléstias do figado, em que a mandioca é compromettedora da vitalidade de tão importante viscera.