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A classe pobre sertaneja faz, ainda hoje, largo uso alimentar de caça e aves, como porco do matto, caetitú, capivara, veado, paca, tatú verdadeiro, cangambá[1], jacú, nambú, zabelê, etc., em substituição da carne bovina e donde, talvez, provenha o vigor, a admiravel resistência physica dos homens do campo.

O português abastado destinava, de preferencia, os escravos, que adquiria, aos trabalhos agrícolas; mas o commerciante, o capitalista, mandava-lhes ensinar as artes mecanicas, reservando sempre um africano ou africana para o serviço culinario, e dahi as modificações modernas no arranjo das refeições á moda do Reino, com a carne, peixe, mariscos, aves e animaes domesticos.

A's iguarias em que o português fazia uso do azeite de oliveira; a africano addicionava, com efficacia, o azeite de dendê ou de cheiro.

A frigideira era preparada, de ordinario, com bacalhau pizado, azeite doce, banha de porco e ovos batidos; o africano melhorou-a consideravelmente, adicionando o leite de coco para tornar esse prato mais saboroso, o que é incontestável.

Não era tudo: substituia o bacalhau ou o peixe assado pela amêndoa da castanha verde do cajueiro ou pelo broto, donde partem as palmas mais tenras do dendezeiro ou da carnaúba.

É notório, pois, que a Bahia encerra a superioridade, a excellencia, a primazia, na arte culinária do paiz, pois que o elemento africano, com a sua condi-


  1. O cangambá é caça de muito apreço, desde que seja morta de susto, isto é, enquanto dorme. O fado ou a foice são os instrumentos preferidos. Em outra qualquer occasião, o cangambá perseguido desprende nauseabundo e entontecedor gaz intestinal, de que a própria carne fica impregnada.