Ás Mulheres Portuguêsas/As mulheres e a politica

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As mulheres e a Politica


 A mulher não hade fazer poli-
tica? Então não hade ocupar-se, já
não digo da sua, mas da sorte de
seu marido, dos seus filhos, ella
que é toda dedicação?!
Dr. Bernardino Machado




Transcreve um diario radical,[1] não sei se irritado pelos ultimos casos da politica portuguêsa, um artigo de Urbain Gohier, publicado no jornal L'Action, em que as mulheres são verberadas violentamente, por isso que se prova que em politica só se obedece aos seus caprichos, e os seus desejos se antepõem aos mais urgentes negocios de estado, de que dependem os destinos duma nação.

Porventura é isso novidade para alguem? Julgaram os homens, por acaso, — tamanha será a sua ingenuidade?! — que podiam em vão dispôr de metade da humanidade, redusi-la ao papel farfalhudo de deusa do lar, nuvem, anjo, demonio, e todas quantas mais banalidades se têm dito e escripto ha seculos, e dizer-lhe: — fica ahi! o teu destino é agradar-me ou servir-me, conforme o meu capricho de senhor!?

Não penses; não queiras sahir dos meus braços, que é só onde podes encontrar o luxo, a alegria, a vaidade satisfeita, a preguiça que te pode conservar a belleza material, mas que te anúla por completo a vontade e a inteligencia, que dispenso... Salvo se precisar da tua graça e do teu espirito para chamar aos meus salões os que a minha energia não conseguir domar, mas é conveniente que esse mesmo espirito seja frivolo, feito de sorrisos e de frases do dia, facil para qualquer mulher, medianamente inteligente, posta num meio em que as emoções de arte aguçam os nervos, e o conforto, o luxo, e o convivio com pessôas distinctas, adelgaçam intelectos e limam as arestas plebeias, que denunciariam logo a humilde procedencia...

Pois a mulher que só vive de vaidades, que tem a sua orbita limitada a seguir o astro rei como palida lua sem luz propria; a mulher que geralmente só tem um nome respeitado quando o homem lho dá; a mulher que é educada para agradar ao homem, para arranjar pelo casamento uma situação definida na sociedade; a mulher sem um fim determinado na sua vida individual, sem um pensamento nobre a elevar-lhe as aspirações; a mulher escrava pela força e submetida pelas leis, vinga-se como sempre se vingaram os escravos — corrompendo.

O que desejam as mulheres auferir do homem que as não associou a nenhum dos seus pensamentos e actos, que a aceita como um presente e a conserva como um luxo? O que todo o inferior pretende tirar do que se lhe quer impôr como senhor, numa revolta amarga de impotencia a maior soma de gôso proprio junto ao menor esforço para o conseguir; o seu prazer , a felicidade egoista de quem não tem um nobre ideal a orientar-lhe a senda da vida.

É pois criminosa a mulher, e muito, mas criminosa como a criança que inconscientemente empurrasse para o abysmo o seu proprio irmão.

Responsavel é só o homem, que, cheio de orgulho, não procura na mulher uma companheira, uma igual, mas uma inferior, embora finja endeusá-la para a conservar na rotina e no servilismo. Tira-lhe a instrução e a sciencia, como alimentos improprios para estomagos delicados, e deixa-lhe o sonho e a fantasia, que as tortura na ânsia louca de encontrar na vida real o imprevisto de sensações romanescas, que seduz principalmente os ignorantes.

Culpado é só o homem que afastou a mulher proba e culta de todas as luctas em que o destino de ambos se jogam, pois que a politica é, ou deve ser, a arte de bem dirigir uma nação, e a nação pertence tanto ao homem como á mulher para se deixar governar por intrigantes quasi sempre deshonestas, as mais das vezes inconscientes instrumentos doutros ambiciosos. Afastaram a mulher das altas preocupações do espirito, puzeram-lhe ao pensamento e á vontade uma barreira de preconceitos e de ignorancia, e queixam-se porque ella usa das armas que tem e gosa o fructo do orgulho masculino !

Indignam-se contra as mulheres e são os proprios homens cultos que transigem com ellas, nas suas crenças e prejuisos; elles, os que não têm pejo de dizer publicamente que — embora se sintam libertados, embora os seus espiritos pairem alto numa atmosfera de saber e de certeza que os orgulha — consentem que as esposas continuem a crêr o que elles descrêm, a vêr o que elles não vêem, a seguir o que elles não seguem, porque querem ser tolerantes!

Não comprehendem, ou não querem comprehender, o que é peor, que a mulher representa mais do que o homem na constituição da familia, porque é a ella que pertence o filho nos seus primeiros annos, porque á mãe está confiada a filha até passar para as mãos do marido. E quantas vezes o homem, num ingenuo sorriso de criança, encontra os laços que no futuro lhe hão de manietar o espirito, ou, em caso de resistencia, o fundamento para luctas que lhe despedaçarão a felicidade se teimar em não se deixar vencer pela persistente e dôce propaganda das crenças femininas.

A mulher não póde cortar abruptamente com um passado, que é toda a sua vida espiritual.

É preciso que uma forte instrucção a liberte de caprichos infantis e lhe dê a lucida e precisa noção do que deve ser a sua força moral.

Torna-se preciso que o homem já educado eduque a sua companheira; que o homem livre escolha a mulher já livre; ou que o homem saiba transigir com os laços seculares que muitas vezes ligam a mulher solteira á familia e á tradição, mas só quando tiverem a certeza de que esses espiritos, momentaneamente libertados pelo amôr, não voltarão mais tarde, numa crise de fastio e abandono, aos ideaes com que foram embalados os seus aureos sonhos de menina...

Não é negando e demolindo que se fórma a nova alma feminina, que, por sua vez, transformará o mundo; é elevando a consciencia e construindo um novo templo de amôr e bondade humana, irredutivel e forte, onde o espirito se inunde de luz e não possa mais mergulhar na treva.

O homem livre, o mais responsavel, aquelle que nos seus jornaes, nos seus livros, nas suas conferencias, mais clama pela educação da mulher, reconhecendo na sua falta toda a servidão das sociedades burguêsas; esse mesmo, falto de logica quasi sempre, não se faz acompanhar da sua esposa ou das suas filhas, não as póde apresentar como exemplo ás outras mulheres, porque, em geral, são ellas as primeiras a abominar as suas ideias.

Quando mesmo as não contrariem nem abominem, perfilhando-as algumas vezes, são raras as que o queiram confessar publicamente, sabendo muito bem que o homem português tem o terror instinctivo da mulher culta e intelectualmente independente.

E só assim ella deixará de ser a pedra atada ao pescoço do homem, que em vão se esforça por fugir á corrente da moda em que a maior parte dos espiritos masculinos vem a naufragar. Não é a mulher educada e orientada na consciencia dos seus deveres e obrigações sociaes a que merecerá nunca a frase seguinte do jornal a que me refiro: — capricho que é um erro proprio da fórma de ser do espirito feminino.

O espirito da mulher não tem atributos proprios, como a sua inteligencia e as suas aptidões não podem ser limitadas autoritariamente, circunscriptas a um certo e inultrapassavel perimetro.

Ha mulheres caprichosas por defeitos de educação ou de temperamento, consumidas de mesquinhas invejas e pequenas revoltas de impotentes, como ha tantissimos homens sem energia, que nas suas proprias revoltas são irritantes, falsos e untuosos, como costumam classificar as mulheres.

Escolham os homens livres companheiras que egualmente o sejam; determinem-se os campos, forme-se a familia pelas convicções de cada um e não pelas convenções duma sociedade que não tem sinceridade nem nobrêsa, e a transformação será completa.

  1. Maio de 1903.