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«Como hade a mulher educar
os filhos no civismo, se o não praticar?»
Dr. Bernardino Machado
Conserva-se a mulher portuguêsa numa entorpecida indiferença pelas questões da actualidade, mesmo por aquellas que mais de perto a deviam interessar.
Alem dos cuidados, mais ou menos caseiros, deveria a mulher interessar-se pelas questões de civismo, como pelos varios problemas sociaes, que tambem de perto e profundamente a tocam, não só na sua vida individual como na sua influencia na familia.
O individuo pertence á familia, a familia á sociedade, e o que interessa esta por força hade interessar aquelle, numa sociedade bem organisada e equilibrada.
Não póde pois a mulher, principalmente quando é mãe, conservar-se na abstenção culposa em que tem vivido até aqui a mulher por- tuguêsa.
Ao seu espirito desocupado passa tão despercebido que um pedaço das colonias seja retalhado á patria, como um novo emprestimo ou uma sobrecarga de impostos — que venham agravar as condições geraes da vida, já de si tão dolorosas — sejam votados e postos em execução.
Qual a alma de mulher que vibra de enthusiasmo ao lêr uma pagina vehemente de patriotismo? Qual a que se desespera e indigna vendo a derrocada de caracteres que nos arrasta para um fim vergonhoso?!
Convenceram-na — e ella acreditou! — de que não deve pensar em politica, porque isso lhe tira toda a modestia e ductil graça tornando-a uma desagradavel Maria da Fonte; e, no entanto, não sendo ouvida quando se trata de novos emprestimos, despesas extraordinarias e desequilibrios orçamentaes, mais do que ninguem os sente e sofre ella, na sua qualidade de reguladora das despesas da familia.
A mulher, e, o que é mais, a mãe, não se interessa pelos trabalhos intelectuais que o filho tem a seguir, não estuda as questões pedagogicas, não impõe a sua vontade, só se fôr para lamentar a criança, que tem de se maçar com tantos livros... Não pensa nem dá importancia á educação dos rapazes, isto é, dos homens que hão-de ser os maridos das suas filhas, os pais educadores dos seus netos; não se indignam nem protestam contra as injustiças e prepotencias que a seu lado se praticam, como não se enthusiasmam por uma manifestação da arte nacional ou por um acto de coragem e hombridade que levante, ao menos por instantes, o nome português.
A mulher, a mãe, recebe com o mesmo sorriso carinhoso o filho que passou num exame por empenhos, como se elle fosse um consciencioso estudante; o que compra o emprego, sabendo que comete uma ilegalidade; o marido que por comodismo ou por interesse aceita todas as imposições dos superiores, sem um protesto de consciencia; o noivo que apresente mais valiosos titulos de renda, seja qual for a sua procedencia.
A mulher, que hade no futuro ser acusada por todas as faltas civicas do seu tempo, julga-se desobrigada porque delegou no homem todas as responsabilidades e todos os encargos da governança publica.
Ora isto não é assim, porque, de todos os crimes civicos do homem, é a mulher a verdadeira culpada. — « Deante da esposa e talvez ainda mais das filhas, quando civicamente educadas — diz o sr. dr. Bernardino Machado — ninguem se atreveria a aparecer depois duma má ação na sua vida publica.»
Grande é pois a responsabilidade da mulher no estado de depressão moral, que é a caracteristica da sociedade portuguêsa dos nossos dias.
Não posso crêr que seja isto falta de sentimento, essa flôr delicada que dizem ser apanagio do coração feminino e que é a ultima que nelle fenece; não posso crêr que a generosidade, o altruismo, a coragem, que em todos os tempos nimbaram de luz o espirito da mulher portuguêsa, a tenham abandonado de todo, para sómente se manifestarem em algumas almas masculinas.
Não, não é isso possivel, que seria contrariar todas as leis da natureza, falsear todas as tradições, duvidar de tantissimos factos que nobilitam a mulher do nosso paiz.
É que hoje, désinteressadas por educação e por habito das questões que tanto preocupam o espirito masculino, não pensam que — em todos os actos da vida nacional em que os seus nomes entrassem, protestando pelo direito e pelo dever contra a injustiça, a força e a intriga politica, seria uma afirmação dos seus sentimentos civicos e a próva de que comprehendiam as questões de que depende a felicidade da sua Patria, o futuro honrado dos seus filhos.
Com esse simples acto espontaneo da vontade, provariam que o seu sexo, embora afastada das luctas que se dirimem dia a dia no jornalismo e na politica de dize tu direi eu, que é a politica portuguêsa dos ultimos tempos, acompanha e apoia os homens, quando justa e nobre é a sua causa.
Mostrariam conhecer os deveres e os direitos que assistem a todo o cidadão livre, seja homem ou mulher, de protestar contra os actos que a sua consciencia repudía, embora praticados á sombra das leis.
Tendo dado essa prova de individualidade mostrarieis ser, senhoras, as mulheres que deveis ser para que os vossos filhos, no futuro proximo que os espera — quem sabe de que vergonhas e miserias tecido ! — tenham a nobre coragem de se sacrificarem pelo resurgimento da Patria Portuguêsa.
Mas sabeis porventura o que é sêr português, vós que falais a lingua que tem todas as energias do mar bravo e todas as doçuras dum poente entre pinhaes rumorejantes?...
Sabeis o que é sêr português, vós que pizais indiferentes uma terra tantas vezes embebida em sangue dos que luctaram até á morte para a tornar uma Patria livre?...
Sabeis o que é sêr português, vós que respirais o aroma das flores que por toda a parte desabrocham em hilariantes coloridos, neste abençoado canto do universo?!...
Sabeis o que é sêr português, vós que recebeis a dulcida caricia dum céo limpido, que passeais os vossos olhos sobre as aguas movediças que levaram os nossos antepassados á aventura gloriosa de descobrir novos caminhos e novos mundos maravilhosos, essas aguas que trouxeram, em paga de tanto esforço e tanta heroicidade, o oiro, as pedrarias, a riquêsa que deslumbrou o mundo e — ai de nós! — pela vaidade nos perdeu!?
Sabeis o que é sêr português, senhoras!?...
Pesa-me dizer-vos que, salvo algumas excepções, não o sabeis.
Que isto vos não cause enôjo, e que sobre a minha cabeça não cáiam as vossas ironias e odios!
Se vós o não sabeis, pouca ou nenhuma culpa tendes, que de longe vem o despreso pela vossa educação, que de bem longe vem o mal que nos está ligando como cadaver embalsamado prompto a entrar para o tumulo historico das nações que só vivem do passado.
Mas podeis ainda resistir. É tempo ainda de sacudir a apathia egoista em que vos conservaes ante todas as angustias colectivas do paiz, e mostrar ao mundo que o povo português não morreu ainda, porque as suas mulheres, as mães, têm sempre no coração a imagem estremecida da Patria, e ensinam os filhos a respeita-la, a ama-la mais do que á sua noiva, mais do que aos seus proprios pais.
A nação amada pelas mulheres não morre nunca na historia.
Martirisada, dividida, conquistada, não morre emquanto as mães transmitirem aos filhos, com o leite dos seus peitos, o sangue das suas veias, o fogo das suas palavras, o despreso aos vencedores e o amôr á terra que foi de seus avós, á terra onde existe a sua casa, que é o seu lar.
Começam por ensinar-lhes no berço, acalentando-os com ellas, as lendas e cantares da sua patria; acabam por lhes indicar o caminho por onde enveredaram os que sofreram e morreram contentes pela sua gloria.
Falo-vos ao sentimento, eu sei, mais do que á razão, mas prouvéra a Deus que fosse o sentimento que guiasse ainda o nosso paiz! Quando uma patria é nova, crente, esperançada e forte, firmando-se no amôr e no enthusiasmo dos seus filhos, não se prende por conveniencias, não recúa ante o perigo, não sabe contar os inimigos que a atacam, para os vencer. Por isso avança, torna-se inolvidavel na historia, como nós o fômos!
Só na decadencia se aprende a transigir, decadencia que tanto póde ser material como moral, decadencia que é, a maior parte das vezes, filha só do egoismo, do desejo inferior de gosar sem que o gôso dos outros nos seja preciso para a felicidade propria.
E no nosso paiz transige-se para se estar bem com todos, transige-se por preguiça de discutir, transige-se por uma emaranhada teia de preconceitos, de pequeninas considerações que amolecem o ânimo, quebrantam as vontades, e fazem das oposições uma coisa ridicula, porque não têm éco nas almas, ou são, quando muito, um brado louco e desacompanhado de quem vê uma grande multidão correr para um abismo e nada póde fazer para a sustêr e salvar.
Mas não ensineis a vossos filhos essa excessiva transigencia, senhoras! Deixai aos moços o enthusiasmo e a fé; não estanqueis a fonte de coragem e energia e justiça que existe em toda a alma joven!
Levantai o espirito para mais nobres ideais, não vos amesquinheis numa abstenção que não é modestia mas ignorancia, indiferença, covardia das vossas almas que assim querem fugir á dôr forte e nobre do sêr que aspira — a ascender, na escala zoologica, de simples animal de instinctos para criatura de espirito e de vontade.
Não tenhais mêdo da dôr intelectual que retorce febrilmente os nervos em convulsões de agonia e aperta a garganta inchada de soluços num estrangulamento de desespero, vós, as mães, que sofresteis corajosamente a dôr fisica de ter um filho! Tornai-vos conscias da grande missão que é de vosso dever desempenhar, com a firme certeza de que não ha paiz grande onde a mulher seja inferior.
Vós, mães e educadoras, que tendes a vosso cargo pequenas almas em embrião a despertar para a luz, ensinai-lhes primeiro do que tudo, e antes de tudo, — a serem portuguêses.
E ser português é amar a sua terra entranhadamente, religiosamente, esta terra de que somos filhos e não podemos despresar sem nos despresarmos a nós mesmos.
Ser português é aprender a sua lingua antes de nenhuma outra; é lêr os livros que portuguêses têm escripto; é conhecer os seus artistas; não despresar as suas industrias; comer o producto da sua terra; amar as paisagens, ora recortadas em fundo grandioso de montanhas, ora espraiando-se em campinas onde as searas ondulam em marés verdes de esperança e os gados pastam com fartura; cantar as suas canções; folgar com as festas do seu povo; amar a sua flóra tão simples e graciosa; estudar a sua arte em todas as manifestações, desde a bilha de barro abrindo-se em duas azas, recordando a amfora romana, tão gentilmente posta sobre a cabeça da rapariga de Coimbra, até á magnificente fabrica do mosteiro da Batalha , sem esquecer o mobiliario severo e nobre dos nossos avós, a ourivesaria subtilmente trabalhada, os tecidos, a ceramica, as rendas, que, em tudo, houve tempo em que fomos alguem.
Se o não somos hôje, cuidais que os artistas e a patria é que são os responsaveis de tão grandes decadencias?
Não; uma, não póde nada, prisioneira do oiro nas mãos dos usurarios; os outros, sem estímulo nem público que lhes pague as fadigas e os empurre para o exito, ou lhes mostre pelo despreso a inferioridade do trabalho, retiram-se do campo onde a mediocridade dá leis. São poucos os que á força de vontade e coragem conseguem não esmorecer, trabalhando mais para satisfação propria do que pelos lucros materiais.
Que a Arte não dá hôje gloria em Portugal, e muito menos riqueza.
Se não somos o que já fomos é que uma educação fundamentalmente portuguêsa falta por completo no nosso paiz.
A criança começa por interessar os olhos ingenuos nas estampas dos livros estrangeiros — ou vindas do estrangeiro para adaptar a coisas portuguêsas, o que é peor ainda! — por lêr traduções das historias que nos outros paizes se fazem para os pequeninos; por vestirem luxuosos vestidos cujos modelos vieram de fóra; por só apreciarem as flôres exoticas cultivadas com mimos de estufa, despresando a simples e honesta flora portuguêsa, tão espontanea e bella; por vêr as habitações dum tão duvidoso gosto de importação, os brinquedos, a loiça, os navios, os carros, os velocipedes, que tudo nos vem do estrangeiro e nos dá o aspecto banal e miseravel de povo sem nacionalidade.
Só vós, senhoras, podereis levantar-nos desta situação por demais incaracteristica e infamante!
Só vós podereis insuflar na alma dos moços o respeito pelo passado, o horror da situação presente, e a esperança consoladora num futuro melhor!
Num futuro que não está nos cursos complicados, nas repartições da burocracia, nos feitos das vanglorias militares com sobados africanos , mas nas oficinas, nas fabricas que nos poderão criar industrias exportadoras, no cultivo da terra que nos dá o pão do nosso sustento, o linho da nossa roupa, as fructas mais delicadas, o arroz, a cortiça, o vinho, as conservas, e tantissimas coisas que já hôje se exportam a mêdo e que poderão ser outras tantas fontes de riqueza, se a ellas se dedicarem inteligencias e dinheiro que mal parados andam umas e outro.
E nós, as mulheres, que temos nas nossas mãos a alma dos nossos filhos, que é como quem diz o futuro e a esperança, ensinêmos-lhes a despresarem o caminho das transigencias acomodaticias e a fugir do fatalismo musulmano com que temos acolhido, de braços cruzados, todos os desastres e toda a decadencia da nossa nacionalidade.
Preparêmo-los para que entrem na vida cheios de coragem e energia para o trabalho, renegando as miserias e as vergonhas de agora, e façam resurgir das ruinas duma sociedade que se anulou a si mesma, um Portugal novo, conscio de si, altivo e digno.
Nas vossas mãos, senhoras, está a rehabilitação das humilhações e vergonhas que ha dois seculos formam o triste fundo da nossa vida pública.
Nas vossas mãos está a morte definitiva da Patria Portuguêsa ou o seu resurgimento para o trabalho e para a vida.
Ponhâmos de parte as frivolidades que nos ensinaram a crêr que são a maior graça do nosso sexo, e sejâmos mulheres como o devemos ser:— criaturas conscientes e autónomas, companheiras e aliadas do homem, as verdadeiras educadoras de seus filhos.
Como a dama romana que mostrava os filhos como as unicas joias de preço que possuia, tiremos nós mais gloria em mostrar os nossos como cidadãos livres, sobrios e honestos, em vez de lhes darmos exemplos de ostentação e grandêsa que se não coadunam com a modestia da nossa terra e só provam a decadencia moral da sociedade em que vivemos.
Pensai nisto, senhoras, e ensinai-o a pensar a vossas filhas, porque tem mais interesse para o seu futuro e para o dos seus noivos do que o ultimo figurino, ou a ultima valsa tocada de ouvido ao piano.
Fazei de vossos filhos homens saudaveis de corpo e de alma, e das vossas filhas as companheiras dignas desses homens, capazes de os auxiliar no trabalho, alegres nas privações como modestas na grandêsa, e tereis cumprido a mais bella missão da mulher, dado a mais alta lição de verdadeiro e salutar patriotismo.