O teatro representa a sala de visitas da casa de Macedo. A direita, o enorme guarda-roupa de que se falou no primeiro ato.

CENA I

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ERNESTO, ROSÁLIA, ambos sentados

ERNESTO (Levantando-se e consultando o relógio.) - Bom... são horas...

ROSÁLIA - Tão cedo...

ERNESTO - Não posso ficar mais tempo... - temos amanhã paquete para o Norte, e a correspondência está por fazer.

ROSÁLIA (Tomando-lhe a mão.) - Até quando?

ERNESTO - Até sábado.

ROSÁLIA - As mesmas horas?

ERNESTO - As mesmas horas. Não se esqueça do sinal... meia folha da janela encostada. Senão, não entro. Adeus (Beija-lhe a mão, vai a sair e pára em frente ao guarda-roupa.) Não olho para este diabo, que não me lembre daquela hora e meia que passei lá dentro... Quando se remove daqui este colosso?

ROSÁLIA - Creio que hoje mesmo sairá de casa. Meu marido ficou de mandar cá um homem para desarmá-lo e levá-lo não sei para onde. (Abre o guarda-roupa.) Olhe... já está vazio.

A voz DE MACEDO - Subam! subam! (Rosália dá um grito; Ernesto mete-se no guarda-roupa; ela fecha-o e guarda a chave.)

CENA II

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ERNESTO, no guarda-roupa; ROSÁLIA, MACEDO, dois homens

MACEDO - Entrem. (Apontando para o guarda-roupa.) Está ali o bicho! Podem desarmá-lo.

PRIMEIRO HOMEM - Xi!

SEGUNDO HOMEM - Que monstro! (Encaminham-se ambos para o guarda-roupa.)

MACEDO - Que é da chave?

ROSÁLIA - Um instante... Não quero desfazer-me deste móvel.

MACEDO - Hein?

ROSÁLIA - Não quero que ele saia de casa.

MACEDO - Pois a senhora não foi a própria a pedir-me que o pusesse fora de casa quanto antes? Ainda esta manhã não conversamos a esse respeito? Não fiquei de trazer estes homens para desarmá-lo e levá-lo? A senhora não o esvaziou ontem à noite?

ROSÁLIA - Pois sim, mas refleti e arrependi-me. É um belo traste; não se encontram dois assim no Rio de Janeiro.

MACEDO - Isto é verdade: este é único. Mas a senhora há de convir que não é um móvel próprio para se ter na sala de visitas... e nós não temos outro lugar na casa onde o possamos acomodar.

ROSÁLIA - Não ficamos nesta... procuraremos outra, onde haja um quarto em que ele caiba.

MACEDO - Não ficamos nesta casa? Padre, Filho, Espírito Santo! Pois se ainda esta manhã a senhora disse-me que nunca morou numa casa que lhe agradasse tanto!

ROSÁLIA - Eu disse isso?

MACEDO - Sim, senhora!

ROSÁLIA - Então foi por ironia. É uma casa impossível edificada num terreno pantanoso. Estou aqui, estou doente.

MACEDO- Valha-me Deus! A senhora é a moça mais caprichosa que o sol cobre!

ROSÁLIA - É possível. Se não me queria assim, não se casasse comigo.

MACEDO - Tem razão, tem razão... Não me posso queixar senão de mim mesmo. Quem me mandou?

ROSÁLIA - Lembre-se de que não estamos sós.

MACEDO (Aos homens.) - Tenham paciência... A senhora não quer que esta almanjarra saia de casa. Pois que não saia. Tomem lá dez tostões pelo trabalho de cá vir, e desculpem a maçada. (Dá dinheiro aos homens.) PRIMEIRO HOMEM - Muito obrigado.

SEGUNDO HOMEM - Em precisando de nós, lá estamos. A senhora pode mudar de resolução...

MACEDO - Bem, bem. Adeus. (Os homens saem.)

CENA III

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ROSÁLIA, MACEDO

MACEDO (Sentando-se.) - Pois saiba que comprei para a senhora, em casa do Costrejean, um guarda-roupa catita, com três espelhos e...

ROSÁLIA - Prefiro este. Pode desfazer a compra.

MACEDO - Naturalmente. Se temos este, que vale por dez, para que outro?

ROSÁLIA - É. (Pausa.) O senhor fica?

MACEDO - Fico. Se adivinhasse, não tinha cá vindo; limitava-me a mandar os homens. Uma vez que vim, fico. Que vou fazer no armazém a estas horas? De mais a mais, está muito calor lá em baixo na cidade. Jantaremos juntos pela primeira vez em dia de semana. (Levanta-se e contempla o guarda-roupa.) - Que diabo! é mesmo um monstro, como lhe chamou aquele mariola! Onde tinha eu a cabeça quando comprei isto? Mas... porque o fechou?

ROSÁLIA - Por nada; fechei-o por fechar.

MACEDO - Isso não é resposta que se dê.

ROSÁLIA - Tanto é que a dei.

MACEDO - Não há efeito sem causa. Acho esquisito que a senhora fechasse um guarda-roupa vazio.

ROSÁLIA - E quem lhe diz que ele está vazio?

MACEDO - Ora essa!

ROSÁLIA - Eu posso ter alguma coisa lá dentro guardada.

MACEDO - Ora qual! o que poderia a senhora guardar ali?

ROSÁLIA - Tanta coisa! Um homem, por exemplo.

MACEDO - Um homem! ... Com essas coisas não se graceja, menina!

ROSÁLIA - Pois não acha esquisito que eu fechasse um guarda-roupa vazio? O senhor que o disse, é porque alguma suspeita lhe atravessou o espírito.

MACEDO - Padre, Filho, Espírito Santo! Eu podia lá imaginar semelhante coisa!

ROSÁLIA - Tanto imaginou, que está doido por me pedir a chave.

MACEDO - Eu, menina?! Fique-se lá com a chave e, pelo amor de Deus, não diga tolices!

ROSÁLIA - Pois saiba que está ali dentro um homem!

MACEDO - Rosália!

ROSÁLIA - Se quiser convencer-se, abra e verá. Aqui tem a chave.

MACEDO - A menina quer divertir-se à custa de seu marido? Lembre-se que eu podia ser seu pai!

ROSÁLIA (Com um suspiro.) - Lembro-me, sim, e a todo o instante... (Apresentando-lhe a chave.) Então? não quer certificar-se?

MACEDO - Ora não me aborreça!

ROSÁLIA - Mas veja que estou falando sério... Na sua ausência veio só um homem... um bonito rapaz de quem eu gosto... e já se despedia, quando o senhor entrou inesperadamente... Ele ficou atrapalhado, escondeu-se ali... e eu fechei-o à chave. Aí está a razão por que não consenti que tocassem no guarda-vestidos.

MACEDO - Eu previno-a de que estas brincadeiras são de muito mau gosto!

ROSÁLIA - O senhor ia ficar em casa... infalivelmente tudo descobriria... prefiro dizer-lhe tudo... e entregar-lhe a chave. Mas acautele-se: o homem que lá está metido é resoluto e valente.

MACEDO (Tomando a chave.) - Eu vou abrir o guarda-roupa... Mas veja lá! Se estiver vazio, zango-me, porque não tolero brincadeiras desta ordem!

ROSÁLIA - E se não estiver vazio?

MACEDO - Se não estiver?... (Caindo em si.) Isto é, zango-me se não estiver... A senhora obriga-me a dizer tolices! (Aproxima-se do guarda-roupa e mete a chave na fechadura.)

ROSÁLIA (Com muita serenidade.) - Senhor Macedo?

MACEDO (Voltando-se.) - Senhora?

ROSÁLIA - Venha cá... Aproxime-se. (Ele obedece.) Ponha-se de joelhos...

MACEDO - Hein?

ROSÁLIA - De joelhos!

MACEDO - Menina...

ROSÁLIA - Então? não ouve? (Macedo ajoelha-se.) - Peça-me perdão.

MACEDO - Perdão, por quê?

ROSÁLIA - Por ter duvidado de mim. Peça-me perdão, ou vou imediatamente para casa de meus pais!

MACEDO - Padre, Filho, Espírito Santo! quem foi que lhe disse que eu duvidei?

ROSÁLIA - Toda esta cena foi imaginada por mim, para experimentar o grau de sua confiança.

MACEDO - Pode ficar certa, Rosália, de que não desconfio de coisa alguma; mas se a senhora desconfia que eu desconfio, peço-lhe que me perdoe.

ROSÁLIA - Está perdoado. Vá buscar os homens.

MACEDO (Levantando-se.) - Que homens?

ROSÁLIA - Os homens que têm de desarmar e remover o guarda-roupa.

MACEDO - Agora?

ROSÁLIA - Já, já, já! Não quero que aquilo fique em casa esta noite. Agora ainda mais raiva lhe tomei.

MACEDO - Mas amanhã temos tempo...

ROSÁLIA - Ai, mau! o senhor sabe como eu sou caprichosa! Quando quero, quero!

MACEDO - Lá vou, lá vou! Ora os meus pecados!

ROSÁLIA - Aí vem justamente um bonde. Vá, ande!

MACEDO - Padre, Filho, Espírito Santo! (Sai. Rosália vai para a janela, e, depois de algum tempo, como tranqüilizada por Macedo ter tomado o bonde, corre a abrir o guarda-roupa. Ernesto sai muito pálido, cruza os braços e contempla-a.)

CENA IV

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ROSÁLIA, ERNESTO

ERNESTO - Ouvi tudo. A senhora é de muita força!

ROSÁLIA - Sou mulher.

ERNESTO - E assim se brinca com os nervos de um homem! Sabe que mais? O silêncio e a sombra daquele armário prestam-se admiravelmente à reflexão; esta vida de contínuos sobressaltos não pode continuar: oferecem-me um lugar vantajosíssimo em São Paulo; peço-lhe permissão para aceitá-lo.

ROSÁLIA - Ora essa! o senhor é solteiro... é livre como os pássaros.

ERNESTO - Com que frieza me diz isso!

ROSÁLIA - Naturalmente. Este minuto bastou para desfazer uma impressão de muito tempo. Supus que o senhor saísse do seu esconderijo entusiasmado pela minha astúcia; mas vejo que só lhe pode agradar a vulgaridade, o comum. É muito limitado o seu ideal. Adeus, boa viagem. Felizmente as coisas não chegaram ao ponto de lhe darem o direito de me fazer corar. (Pausa.) Tem graça! Cruzar Impertinentemente os braços diante de mim, e dizer-me que sou de muita força! Que faria o senhor, se eu tivesse cedido à brutalidade dos seus desejos!

ERNESTO (Descobrindo-se e preparando-se para se justificar.) - Rosália, eu...

A voz DE RIBEIRO - Cá estou entrando. (Rosália dá um grito. Ernesto foge para o guarda-roupa; ela fecha-o, mas deixa a chave. Ribeiro entra a tempo de vê-la fechar o móvel.)

CENA V

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ERNESTO, no guarda-roupa, ROSÁLIA, RIBEIRO

RIBEIRO - Ora Deus esteja... (Estaca ao ver Rosália fechando o móvel.)

ROSÁLIA (Voltando-se.) - Esteja aonde? arrependeu-se?

RIBEIRO - Nada... é que...

ROSÁLIA (Aproximando-se dele.) - Então? Não me fala? Como passou?

RIBEIRO - Bem, obrigado. E a senhora?

ROSÁLIA - Boa. Estou-o achando assim com uns modos...

RIBEIRO - É que... (Rindo-se.) - Ora! eu sempre sou um grande pedaço d'asno! (Sentando-se.) Tratemos de outra coisa... (Depõe o chapéu.)

ROSÁLIA - Mas, por enquanto, não tratamos de coisa alguma.

RIBEIRO - Pelo que vejo, a madama e a pequena ainda cá não chegaram?

ROSÁLIA - Não.

RIBEIRO - Não devem tardar... Fiquei de vir ter com elas aqui... andam a fazer compras... a preparar o enxoval. ....... Saíram de casa resolvidas a vir jantar com a senhora.

ROSÁLIA - Mas o senhor parece-me assim um tanto embaraçado...

RIBEIRO - Uma tolice.

ROSÁLIA - Qual?

RIBEIRO - A senhora vai ou rir-se ou zangar-se. Das duas uma.

ROSÁLIA (Sentando-se.) - Deveras?

RIBEIRO - Como sabe, vou casar a pequena; mas o noivo repugna-lhe.

ROSÁLIA - Sim?

RIBEIRO - Faça-se de novas. A senhora sabe disso tão bem ou melhor do que eu.

ROSÁLIA - Efetivamente sei que Belinha tem certa inclinação...

RIBEIRO - ... muito pronunciada. (Tira uma carta do bolso.) Hoje, depois que elas saíram, apanhei esta carta nas mãos da cozinheira... Veja se isto são coisas que se escrevam! (Lê.) "Meu Alfredo". É o tal.

ROSÁLIA - Alfredo Lemos, um excelente rapaz.

RIBEIRO (Lendo.) - "Meu Alfredo. Não sou bastante forte para resistir à vontade de meu pai. As minhas lágrimas e as considerações de minha mãe não tiveram eloqüência bastante para demovê-lo de sua tirânica resolução". Eu, tirano! "Mas tu, a quem adoro mais que à própria vida; tu, que és o meu Deus e o meu tudo, conta sempre com o meu amor, antes e depois desse comércio infame, que se vai chamar o meu casamento. Tua Isabel". Que lhe parece, minha senhora?

ROSÁLIA - Parece-me que o senhor não deve constrangê-la.

RIBEIRO - Isto copiou ela sem dúvida desses romances indecentes, que só servem para transtornar o juízo às raparigas. Não foi outra coisa. Mas vamos ao caso; isto foi apenas uma preliminar: o outro dia esteve em nossa casa um moço por nome Alberto, que me arrancou às garras da morte, ou antes, às rodas de um bonde. Vem a dar no mesmo... (Reparando no guarda-roupa e erguendo-se.) Esta é que é a tal almanjarra de que me falou o Macedo? (Aproximando-se do móvel.) Na realidade é enorme. (Vai a abrir.)

ROSÁLIA (Com um grito.) - Não abra!

RIBEIRO - Desculpe.

ROSÁLIA (Perturbada.) - Acabe de contar a história do moço que o livrou das garras do bonde.

RIBEIRO - Ou das rodas da morte... lá vai... (Senta-se.) Participando eu ao tal Ernesto...

ROSÁLIA - Ernesto?

RIBEIRO - Conhece-o?

ROSÁLIA - Não... é que...

RIBEIRO - Ahn?

ROSÁLIA - O senhor tinha dito Alberto.

RIBEIRO - É que sempre me engano... Seja que santo for, ora pro nobis. Participando eu ao tal Alberto...

ROSÁLIA - É Alberto ou Ernesto?

RIBEIRO - Ernesto, Ernesto, é... (Pausa.) Ernesto ou Alberto. Participando-lhe eu que ia casar a Belinha, contra a sua vontade, com o Comendador Domingos Bastos, que ele conhece, aconselhou-me a que não contrariasse a pequena... e mais isto, e mais aquilo... E, para dissuadir-me do meu propósito, contou-me a história de um guarda-roupa.

ROSÁLIA - De um guarda-roupa?

RIBEIRO - De uma almanjarra como aquela que também não cabia em nenhum dos quartos da casa...

ROSÁLIA - Sim?

RIBEIRO - Num dia em que o Alberto, quero dizer, o Ernesto, estava num doce colóquio com certa senhora casada, teve que se esconder no guarda-roupa, para não ser surpreendido pelo dono da casa.

ROSÁLIA - Mas por que me disse que eu havia de rir-me ou zangar-me?

RIBEIRO - Ah! eu lhe digo... Ao subir as suas escadas, vinha exatamente pensando nesse episódio galante... e, quando entrei nesta sala, e dei com a senhora a fechar, pressurosa, o guarda-roupa, quase me convenci de que...

ROSÁLIA (Com um riso forçado.) - Ah! ah! ah! que idéia!

RIBEIRO - Aí está; a senhora riu-se, não se zangou; melhor... Perdoe... foi uma impressão passageira... e tudo se desfaz desde que se abra o móvel. (Vai abri-lo.)

ROSÁLIA (Com um grito.) - Não! (Corre a defender o guarda-roupa. Ribeiro fica perplexo. Entram Joana e Isabel.)

CENA VI

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ERNESTO, no guarda-roupa, ROSÁLIA, RIBEIRO, JOANA, ISABEL

JOANA - Vamos entrando, Dona Rosália.

ROSÁLIA - Dona Joana... Belinha...

ISABEL - Que tem, Rosália?

JOANA (Apertando-lhe a mão.) - É verdade... está tão pálida... como treme!

ROSÁLIA - Enganam-se... não tenho nada... Dêem-me os seus chapéus.

JOANA - Daqui a pouco. Deixe-me descansar um instante. (Senta-se.) Temos andado numa dobadoura por causa do casamento.

RIBEIRO - Pois não se afadiguem por isso. Temos tempo... temos muito tempo...

JOANA - Espero que Belinha seja feliz. A princípio derramou um oceano de lágrimas, mas afinal... como por milagre...

RIBEIRO - O milagre está explicado nesta carta. Leia, e diga-me depois o que é feito de nossa filha... de sua filha! (Dá-lhe a carta.)

ISABEL (Reconhecendo a carta, com um grito.) - Ah!

JOANA (Erguendo-se.) - Manuel... Belinha... Que quer isto dizer?

ISABEL - Oh! que vergonha! (Esconde o rosto no ombro de Rosália.) Rosália!

RIBEIRO - Pena tenho eu que não esteja aqui mais gente... quisera pôr em exposição a desalmada que escreveu isso!

ISABEL (Com o rosto escondido e sufocada pelas lágrimas.) - Perdoe, papai!

JOANA - Seja qual for o conteúdo desta carta, Manuel, o seu procedimento não é digno de um homem de bem. Se houvesse uma nódoa nos sentimentos daquela criança, lavá-la-iam as águas que correm daqueles olhos.

RIBEIRO - Não esteja a dar-me sentenças, senhora doutora; leia a carta e depois fale.

JOANA - Se é criminoso este papel... (Rasga a carta.) No senhor, mais do que em ninguém, deve recair a culpa desse crime.

RIBEIRO (Baixinho.) - Daqui a pouco ficarás satisfeita com teu marido; mas vai lá para dentro, e leva contigo Dona Rosália e a Belinha.

JOANA (Baixo.) - Por quê?

RIBEIRO - Dentro daquele guarda-roupa há contrabando... Tudo te direi depois. Retirem-se: quero evitar um escândalo.

JOANA - Não percebo. (A Rosália.) Dona Rosália, leve nos ao seu quarto de toalete.

ROSÁLIA (Sem se mover.) - Pois não. (Olha para o guarda-roupa. Ribeiro faz-lhe um sinal de inteligência. Ela aproxima-se dele.)

RIBEIRO - Tranqüilize-se.

ROSÁLIA - Façam favor. (Indica o caminho às visitas. Saem as três senhoras.)

CENA VII

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RIBEIRO, ERNESTO, depois ROSÁLIA

(Ribeiro, mal se apanha só, olha para todos os lados, e vai abrir o guarda-roupa.)

ERNESTO (Saindo.) - Meu caro Senhor Ribeiro, não me perca! Ouvi tudo!

RIBEIRO - Perdê-lo eu, quando o senhor, além de me salvar a vida, salvou-me a honra! É justo que eu o salve também. Uma almanjarra por um bonde!

ERNESTO - Se soubesse... Dona Rosália e eu tínhamos acabado de cortar as relações quando ouvimos a sua voz no corredor... Juro-lhe que vou para São Paulo, onde me espera um emprego vantajoso.

RIBEIRO - Ora ande lá, prometa não cair noutra.

ERNESTO - Não prometo para não faltar. Mas a lição foi poderosa. Adeus. Ah! antes de sair... Creia, Senhor Ribeiro, creia que as minhas relações com esta senhora nunca foram além de inocentes colóquios...

RIBEIRO - Ainda bem.

ROSÁLIA (Entrando com altivez.) - Não saia, sem saber que a notícia da sua indiscrição me deixa inteiramente tranqüila no tocante à natureza dos sentimentos que de hoje em diante possa nutrir a seu respeito. (Dá-lhe as costas e desce ao proscênio.)

RIBEIRO - Muito bem... muito bem... é muito conveniente que tenham queixas um do outro. (Ernesto quer aproximar-se de Rosália; Ribeiro impede-o.) Vá, vá para são Paulo, Senhor Alberto.

ERNESTO (Muito comovido.) - Ernesto. (Aperta-lhe a mão e sai. Rosália cai numa cadeira, e esconde o rosto nas mãos.)

RIBEIRO - Não chore, Dona Rosália; faça de conta que nada disto aconteceu... Conte com a minha discrição. (Para dentro.) Psiu! menina! venha cá! (A Rosália.) Ature o Macedo como Deus o fez e lho entregou. É mais nobre o cumprimento do dever quando custa um sacrifício.

RIBEIRO (A Isabel, que entra enleada.) - Vem cá, minha filha... Dá cá um abraço... Casa-te com quem bem te parecer, ouviste? Escolhe um noivo a teu gosto!

ISABEL - Que está dizendo, papai? Pois consente que eu me case com o Alfredo Lemos?

RIBEIRO - Com ele ou com outro qualquer. Isso é contigo. És dona do teu coração.

ISABEL - Oh! que felicidade! (Indo ao encontro de Joana, que entra.) Mamãe! mamãe! papai consente que eu me case com ele!

JOANA - Teu pai põe as barbas de molho, minha filha; faz muito bem.

MACEDO (Entrando com os dois homens.) Entrem! Olá! como isto está floreado! Eh! eh! eh! (Rosália, ao ouvir a voz de Macedo, levanta-se e forma um grupo com as outras duas senhoras.) Desarmem o bicho! (Os dois homens dirigem-se para o guarda-roupa e preparam-se para desarmá-lo.)

RIBEIRO - Então vais desfazer-te da almanjarra?

MACEDO - Queres saber de uma coisa engraçada? Minha mulher quis hoje fazer-me crer que tinha escondido um namorado lá dentro! Eh! eh! eh! eh! eh! ...

(Pano.)