Jardim, no palácio do Capitão-General. À direita, primeiro plano, pequeno pavilhão, para o qual se sobe por uma escada dupla. À esquerda, segundo plano, um banco de mármore, com recosto. Avenida em perspectiva.

Cena I

editar

Oficiais de Lanceiros, Soldados, depois Teobaldo, depois Gabriela, Castelo Branco e Manual de Souza


Introdução


Coro - Qual é, qual a razão de sermos convidados pr’esta reunião? De tal convocação, estamos espantados! Qual é, qual a razão desta reunião?...

Teobaldo (Saindo do pavilhão.) - Olé! parabéns por tal pontualidade! É muito natural que ao capitão agrade o vosso zelo pelo serviço militar.

Coro - Mas queira confessar qual é, qual a razão, etc.

Teobaldo - Vosso, silêncio agora, amigos meu, reclamo; de vossa parte espero um pouco de atenção: por isso que vos vou dar comunicação de uma resolução de nosso ilustre amo.

Todos (Gritando.) Viva o sem rival Capitão-General!

Teobaldo - Bico calado; lá não está...

Todos (Reprimindo o entusiasmo) - Bico calado: não está lá

Teobaldo - Psiu, psiu! Eu principio.

(Abre um folha de papel e lê)


“Nós, Capitão-General nesta cidade de Porto Alegre, por Sua Majestade Fidelíssima, a quem Deus guarde, fazemos saber a Todos os oficiais e mais funcionários residentes em nosso palácio, que nesta data havemos por bem nomear Manual de Souza capitão do regimento de lanceiros,e Dona Gabriela, sua mulher, nossa leitora.”


Todos (Gritando) - Viva o sem rival Capitão-General!

Teobaldo - Bico calado: lá não está...

Todos (Como acima.) - Bico calado: não está lá...

Teobaldo - Em breve os novos nomeados vereis aqui chegar, amigos meus; eu lhes vou dar os tít’los seus, para poderem ser empossados. De vós nenhum convém deixar de fazer zunzum.

Todos - De fazer um zunzum é não deixar de modo algum!

(Murmúrio prolongado, durante o qual entram Gabriela, Castelo Branco e Manual de Souza, revestidos com os uniformes de seus novos cargos)

Gabriela,Castelo Branco e Manual de Souza - Vós com tais atenções, cativais corações

Todos - Ilustres recém-nomeados se amigos sois do Capitão, Também sereis afeiçoados aos cavalheiros que cá estão! Ilustres recém-nomeados!

Teobaldo - Agora vou (vós ides ver, senhores meus, formosa dama) sem mais aquela proceder ao que estabelece o programa.

(A Gabriela.) De pro meu lado vir faça o favor.

Gabriela - Aqui estou, meu senhor.

Teobaldo - O Capitão-General vos nomeia sua leitora.

Gabriela - Que profissão maçadora.

Teobaldo - É muito especial, é muito original!

Todos - É muito original, é muito especial!

Teobaldo - Ao Morgado agora voudar um decreto.

Castelo Branco - Aqui estou.

Teobaldo - Feito está Capitão-mor, que é das honras a maior.

Todos - Feito está Capitão-mor, que é das honras a maior.

Castelo Branco - Oh que bom! Eu vos agradeço!

Teobaldo - A cerimônia recomeço. Senhor Manual de Souza, eu quero dar-lhe alguma cousa.

(Trazem uma espada, que Teobaldo apresenta a Manual de Souza.)

Teobaldo e oficiais - Capitão, não suponha que esta luzente espada é chanfalho vulgar, não pode alguém matar. Ela não envergonha ninguém, desembainhada: quem a tiver na mão dizima um batalhão! Ela é longa, é pontuda, e de puro metal! Espada sem rival luzente e pontiaguda!

Todos - Ela é longa, etc.

Teobaldo e oficiais - No auge da batalha precisa um belo dia ver morto aos seus pés pimpões aos seis,aos dez? Conte que ela não falha! Em um segundo enfia barrigas a valer: é só - tirar, meter!... Ela é longa, etc

(Repetição do Coro)- Ilustres recém-nomeados, etc.

(Saem Todos, com exceção de Gabriela, Castelo Branco e Manual de Souza.)

Cena II

editar

Gabriela, Castelo Branco e Manual de Souza


Manual de Souza - Foram-se?

Gabriela - Sim...

Manual de Souza - Muito bem, Agora, meu caro Senhor Morgado e minha excelente senhora, a trapalhada fica por vossa conta e risco.

Castelo Branco - Como por nossa conta e risco?

Gabriela - Dar-se-á o caso que o Senhor Manual de Souza nos queira abandonar?

Manual de Souza - Há uma hora chegamos, há uma hora procuro ocasião para escafeder-me.

Gabriela - Mas isso é impossível!

Castelo Branco - Abandonar-nos! Era o que faltava!

Gabriela - Que havemos nós dizer ao Capitão-General, quando não o vir conosco?

Manual de Souza - É isso justamente o que fica por vossa conta e risco. Cada um responde por si. Minha mulher com certeza veio ao nosso encalce, e, de um momento para o Outro, cai aqui como um raio, bumba! Oh! bem a conheço! É capaz de deitar abaixo este palácio! prefiro não esperar pela catástrofe, e despedir-me... Tenho a honra de.... (Dá alguns passos)

Gabriela (Pegando-o pelo braço.) Não, não, não! Não há de ir assim sem mais nem menos, Ajude-me, papai.

Castelo Branco - Sim, rapariga. (Pegando-o pelo Outro braço.) Vossa Mercê não se há de ir embora, Senhor Manual de Souza.

Manual de Souza (Tentando livrar-se) - Oh! mas isto é um violência. Já vos disse que...

Castelo Branco - Não se há de ir embora, Senhor Manual de Souza!

Gabriela - Não se há de ir embora, Senhor Manual de Souza!

Castelo Branco - Não insistas, rapariga!

Cena III

editar

Os mesmos e Carlos


Carlos (Aparecendo ao fundo.) - O que é isto? o que é isto?

Todos - Carlos!

Gabriela (Correndo para ele.) - Ai! o meu queridinho!

Carlos - Silêncio. Podem ouvir-te. Ah! meus amigos, estou morto... morto! Segui-vos toda a viagem a cavalo, à distância de meia hora!

Gabriela - Coitado do querido”

Castelo Branco - Quer sentar-se? (Indica-lhe o banco.)

Carlos - Não, não, obrigado!

Castelo Branco - Melhor! (À parte.) Tolo fui eu em lho oferecer.

Carlos - Agora, quero saber em duas palavras de tudo que se tem passado... O Capitão-General...

Gabriela - Logo que desceu da carreta, entregou-nos ao ajudante de ordens e ordenou-lhes que nos apresentasse todo o estado-maior.

Castelo Branco - Estamos no maior estado de satisfação; o Capitão-General confundiu-nos com dignidades! A rapariga está feita leitora.

Carlos - Leitora? Que diabo de dignidade é essa?

Castelo Branco - Ali o Senhor Manual de Souza é capitão de lanceiros, e eu Capitão-mor não sei de onde.

Carlos - Ele, porém, de nada desconfia...

Gabriela - Nada...

Carlos (Respirando.) - Ah! sinto-me melhor!

Gabriela - O que há é que o Senhor Manual de Souza queria por força ir-se embora!

Carlos - Ir-se embora!

Castelo Branco - E deixar-nos ao Deus dará!

Manual de Souza - Meu amigo, tu bem sabes: eu tenho muita pressa... Além disso tu cá estás; arranja-te como puderes. (Estendendo-lhe a mão.) Até mais ver, meu bom Carlos.

Carlos - É irrevogável essa resolução? Queres ir-te embora?

Manual de Souza - Quero ir-me embora!

Carlos - Seja (Estendendo-lhe a mão.) - Até mais ver, Manual de Souza.

Manual de Souza - Até mais ver.

Carlos (Apertando sempre a mão de Manual de Souza.) Mas olha lá... Tu ainda não sabes a conseqüência do que vais fazer. O teu procedimento é... é grave.

Manual de Souza (Inquieto.) - Grave?..

Carlos - Decerto! Agora que estás feito capitão, safares-te sem ao menos dizer água-vai é simplesmente cometer crime de deserção. Expõe-te a acabar teus dias em um aljube.

Manual de Souza (Saltando.) -Hein?

Carlos - Enfim, isso é lá contigo. (Estendendo-lhe a mão.) Até mais ver, Manual de Souza...

Gabriela (No mesmo) - Até mais ver, Manual de Souza!

Castelo Branco (A Gabriela.) Não insistas, rapariga! (Imitando os Outros.) Até mais ver, Manual de Souza!

Manual de Souza - Deixe-me estar! Não me aborreçam! Então estou obrigado a ficar aqui... E minha mulher?

Carlos - Não te dê isso cuidado... Tua mulher, por enquanto, não pode deitar água na fervura.

Manual de Souza - Como assim?

Carlos - Eis o caso: no momento em que partiste, Dona Gertrudes desmaiou nos meus braços... (A Manual de Souza.) Tu não sabes, Manual de Souza, o que é ter tua mulher nos braços.

Manual de Souza - Como não sei? Ora! Quantas vezes!

Carlos - Fi-la transportar para um dos quartos da estalagem e mandei procurar um médico... Infelizmente não há médicos em Viamão... Veio um alveitar.

Todos - Um alveitar!

Carlos - Um alveitar, que prometeu-me fazer com que a moléstia durasse oito dias, pelo menos...

Gabriela - E nós? e nós?

Castelo Branco - Continuamos a representar esta farsa? É preciso que resolvamos alguma coisa!

Carlos - Eu sei... mas resolver o quê? Enfim, verei, verei... Primeiro que tudo, quero estudar a situação... se o Capitão-General...

Gabriela - Ele aí vem... O melhor seria talvez confessar-lhe tudo.

Carlos - Confessar-lhe tudo! Nunca! Silêncio e prudência!

Cena VI

editar

Os mesmos e o Capitão-General


Capitão-General - Sou eu; incomodo-os talvez?

Manual de Souza - Qual incomodar-nos!

Gabriela - Pelo contrário...

Castelo Branco - Vossa Excelência dá-nos sempre muito prazer...

Carlos - Não se quer sentar? não se quer sentar?

Capitão-General - Carlitos! Mas o que é isto? Ficaste no campo, em convalescença, e, apenas chegado, encontro-te aqui!

Carlos - Vossa Excelência sabe? o reumatismo precisa de exercício. Mas se Vossa Excelência quiser, volto...

Capitão-General - Fica. Eu sempre gostei de ver-te a meu lado. Mas permite: deixa-me dar atenção aos noivos. (A Gabriela.) Então? Está satisfeita?

Gabriela - Satisfeitíssima.

Castelo Branco - Senhor Capitão-General, estamos Todos satisfeitíssimos; não é assim meu genro? (Vendo que Manual de Souza não lhe responde, dá-lhe uma cotovelada.) Não é assim, meu genro?

Manual de Souza - Ah! Sou eu que... (Vivamente) Sim... sim...

Carlos - É como Vossa Excelência vê: estão Todos satisfeitíssimos. Baixo a Manual de Souza.) Presta mais atenção, desalmado!

Gabriela - Satisfeitíssimos.

Castelo Branco - Não insistas, rapariga!

Capitão-General - Agora temos de tratar das acomodações da família.

Gabriela - Da nossa acomodação?

Capitão-General - Sim. Lembrei-me daquele pavilhão. É pequenino, mas ao pintar para uma lua-de-mel. Uma saleta, um quarto pequenino...

Gabriela - Oh! papai! um quarto pequenino!...

Carlos - Como um quarto pequenino? (Baixo a Manual de Souza.) Protesta, protesta, Manual de Souza!

Manual de Souza - (Baixo.) Homem, olha: há situações que tem suas exigências...

Carlos (À parte) - Velhaco!

Capitão-General (A Gabriela.) - Então? não me agradece?

Gabriela - É quê... Senhor Capitão-General...

Capitão-General - É quê... o quê? Vejamos...

Gabriela - Um quarto pequenino...

Capitão-General - E então...

Gabriela - Preferiria dois grandes...

Castelo Branco - Muito grandes...

Carlos - Enormes!!!

Gabriela - Enormíssimos!!!

Castelo Branco - Não insistas, rapariga!

Capitão-General - Esta agora!

Carlos - Mas é o mesmo... Manual de Souza acaba de dizer-me que ficará com a saleta, e Dona Gabriela tomará conta do quarto pequenino...

Capitão-General - Como?! Separados?! Já?! E casou-se esta manhã? Oh! Senhor Manual de Souza!

Manual de Souza - Perdão, Senhor Capitão-General; mas não sou eu que...

Carlos - Sim, é um costume de família!

Capitão-General - Ah!

Carlos - É tradicional dos Manuéis de Souza a separação de leitos.

Capitão-General - Deveras?...

Carlos - E o costume tem sucedido de pais a filhos!

Capitão-General - Ah! (À parte.) - É original! (A Carlos.) - Já estarão frios?

Carlos - Frios? Não! Calmos, estão calmos...

Capitão-General - (À parte.) - Vai tudo às mil maravilhas! (Alto.) Vou dizer ao meu ajudante que se ponha inteiramente às suas ordens. Até logo.

Todos - Até logo, Senhor Capitão-General

Capitão-General (À parte.) Vai tudo às mil maravilhas.

(Apenas desaparece o Capitão-General, Carlos, Gabriela e Castelo Branco voltam-se para Manual de Souza às gargalhadas.)

Cena V

editar

Os mesmos, menos o Capitão-General


Manual de Souza (A Carlos.) - Fizeste-a bonita. Agora peço-te eu que me digas o que vai aquele homem pensar a meu respeito.

Carlos - Pense lá o que quiser. Eis-nos livres do primeiro perigo: estou mais sossegado sobre a nossa situação.

Manual de Souza - Como assim?

Gabriela - Como assim?

Castelo Branco - Não insistas, rapariga!

Carlos - Muito simplesmente. Agora que o Capitão-General engoliu a pílula, convém que permaneçamos algum tempo no status-quo.

Manual de Souza - Como no status-quo?... Queres então que eu fique sendo marido de tua mulher?

Carlos - Decerto, isto é, oficialmente.

Manual de Souza - Está visto: na salinha. Mas, vem cá, e minha mulher?

Carlos - E tu a dares com tua mulher! Tua mulher! Confessar-lhe-emos tudo, e, logo que haja cá entre nós certa combinação, verás que vidinha...

Manual de Souza - Como assim?

Castelo Branco - Como assim?

Gabriela - Como assim?

Castelo Branco - Não insistas, rapariga!

Carlos - Como assim! Como assim! Parece-me que me expliquei perfeitamente, apesar de falar mal o português. Vejamos! Manual de Souza é teu marido, é certo... Vamos, porém, estabelecer uma distinção: ele não passa de um marido para o mundo, de uma marido... honorário...

Gabriela - E daí?

Carlos - Daí que ele é teu marido das nove horas da manhã às dez da noite...

Gabriela - Mas...

Carlos - E das dez horas da noite às nove da manhã cede o lugar a Outro, o verdadeiro, o legítimo...

Gabriela - Oh!...

Manual de Souza - Tu ficas com o melhor...

Carlos - Pudera!

Gabriela - Sim: mas ouve cá! Eu preferia ser tua mulher tanto de noite como de dia...

Carlos - De noite como de dia! Para quê, meu amor? Basta-nos a noite... Queres tu saber?


Coplas


I


-Bem vês: de dia, anjo querido,

há cem mil coisas que arranjar:

nem a mulher, nem o marido,

ocasião têm pra conversar.

Enquanto o esposo o tempo gasta

a dirigir negócios mil,

no toucador a esposa casta

faz-se-lhe aos olhos mais gentil.

Para lidar com o deus Cupido

nunca ninguém ‘stá de maré

de dia, ó meu anjo querido...


Gabriela - Mas nem sempre assim é...


II


- O bom marido e a mulher sua

vão passear desde o arrebol,

pois quem se ama à luz da lua,

bem pode amar-se à luz do sol.

Dos calendários dos casados

tire-se o dia, e me dirão

o que será dos desgraçados!...

Horas de amor lhes faltarão...

Não sendo assim, eu te afianço,

hei de zangar-me muita vez:

a noite fez-se pro descanso...


Carlos - Pas toujours... Tem seus quês...

Gabriela (Ao pai) - O que diz a isto, papai?

Castelo Branco - Eu não digo nada, rapariga: estou por tudo contanto que me deixem ser Capitão-mor. É quanto quero! Assim tenho a propriedade segura.

Gabriela - Papai não pensa em outra coisa.

Castelo Branco - Ora essa! Eu cá não sou namorado: sou proprietário.

Carlos - Está dito! Manual de Souza está por tudo! (Oferecendo o braço a Gabriela.) Vem daí...

Manual de Souza - Onde vais tu?

Carlos - Dar uma volta pelo jardim.

Manual de Souza - Com a minha mulher!

Carlos - Com a minha!

Manual de Souza - Que é minha para o mundo; de sorte que se ele os encontrar...

Carlos - Eles quem?

Manual de Souza - O mundo...

Carlos - Ora!

Manual de Souza - Há de supor...

Castelo Branco - Quem?

Manual de Souza - O mundo...

Carlos - Ora!

Manual de Souza - Há de supor que sou algum...

Carlos (Dando o braço a Gabriela.) Deixa-o supor. Tens a consciência tranqüila... é quanto te basta.

Gabriela - É quanto lhe basta, Senhor Manual de Souza. (Carlos e Gabriela saem a rir.)

Castelo Branco (Batendo-lhe no ombro.) - A consciência... é tudo!

Manual de Souza - Não insista, Senhor Morgado!

Castelo Branco (Rindo.) - Ah! ah! ah! Pobre Manual de Souza. (Sai pelo lado oposto àquele por onde saíram Carlos e Gabriela.)

Cena VI

editar

Manual de Souza e depois Gertrudes


Manual de Souza (Só.) - Ainda em cima zombam de mim... ingratos! Mas enfim eles não sabem o perigo que Todos corremos! Gertrudes ainda não se pronunciou em tudo isso, e quando se pronunciar, bumba! Lá se vai tudo quanto Marta... (neste momento Gertrudes, que apareceu ao fundo, tem-se aproximado e dá-lhe uma chibatada nas pernas.) Ah! Gertrudes... Pronunciou-se!

Gertrudes (Atira fora a chibata e cruza os braços.) - Monstro!

Manual de Souza - Minha querida amiga...

Gertrudes - Cão!

Manual de Souza - Minha querida amiga...

Gertrudes - Cachorro!

Manual de Souza - Queridinha (Á parte.) Mau! desço de cão a cachorro!

Gertrudes - Saltimbanco!

Manual de Souza - Meu anjo! (À parte.) Bem! Agora subi a homem!

Gertrudes - Você não me esperava, não é assim?

Manual de Souza - Oh! pelo contrário... Quero dizer... eu to digo... Estava já um pouco impacientado... Já havia dito com os meus botões: Gertrudinhas não vem! Gertrudinhas não vem!

Gertrudes - Bárbaro! Abandonar-me em uma estalagem no campo, safando-se com outra mulher às minhas barbas!

Manual de Souza - Atende, santinha...

Gertrudes - Pérfido!


Dueto


Gertrudes - Ah! tudo isto me exaspera!

Manual de Souza - Mas isto o quê?

Gertrudes - Todo nervoso meu se altera!

Manual de Souza - Porém por quê?

Gertrudes - Nós somas todas mil extremos...

Manual de Souza- Pois não, pois não!

Gertrudes - Que recompensa recebemos?

Manual de Souza- A ingratidão!

Gertrudes - Enquanto estou no lar querido a trabalhar, pobre mulher! - por fora o bom de meu marido façanhas faz e quantas quer! ‘Stou danada!

Manual de Souza - Vê tu lá!

Gertrudes - ‘Stou danada!

Manual de Souza - Vê tu lá!

Gertrudes - Danada! danada! Em minha mão não está! Zás!

(Dá-lhe uma bofetada.)

Manual de Souza - Ah!

Gertrudes (Soltando um suspiro de satisfação.) - Consolada!

Gertrudes e Manual de Souza - Ai! que bom bofetão - Meu Deus! que bofetão

Não estava mais em minha mão! Porém, amor, não tens razão!

Manual de Souza - Eu vou explicar-te tudo em duas palavras: não conheço essa mulher...

Gertrudes - Não a conheces?

Manual de Souza - Quero dizer: conheço-a sem conhecer. O Carlitos foi que me pediu para... Não vês que o Capitão-General... entendes?

Gertrudes - Não!

Manual de Souza - Fui obrigado a dizer que ela é minha mulher; mas, no fundo, é de Carlitos.

Gertrudes - Do Carlitos?

Manual de Souza - Palavra!

Gertrudes - Falas verdade, Manual de Souza!

Manual de Souza - Já te dei a minha palavra de honra, Gertrudinhas!

Gertrudes - Pois bem: seja, acredito; mas pelo sim, pelo não, levo-te comigo... Assim estarei mais sossegada. Vamos! passa adiante; voltemos para casa.

Manual de Souza - Tem paciência, Gertrudinha; mas isso agora é que fia mais fino...

Gertrudes - Então você quer levar toda sua vida aqui? Fazendo fosquinhas às mulheres, não é assim? Ao diabo da sujeita do retrato, talvez?

Manual de Souza - Oh! Gertrudinhas! Eu Todos os dias me retrato do diabo da sujeita! E tu a dares! Não se trata agora disso... Já vejo que não reparaste em mim... vê como estou vestido... Olha esta farda, esta espada! Aqui onde me vês, sou o Senhor Capitão!

Gertrudes - Capitão? É verdade! Não tinha feito reparo! (À parte, examinando-o.) E como lhe fica bem a farda!

Manual de Souza - Já tu vês que não me posso ir embora. Mas descansa: quando não houver serviço, estarei ao teu ...

Gertrudes - Ao meu o quê?

Manual de Souza - Serviço... de manhã ao meio-dia, à noite, sempre, sempre, sempre...

Gertrudes (Com ternura.) Manual de Souza!

Manual de Souza - Estão feitas as pazes?

Gertrudes (Apresentando-lhe as faces) - Toma! (Ele beija-a.)

Manual de Souza (À parte.) - Apre! Custou...

Gertrudes - Manual de Souza, estou muito cansada... Quero descansar... Onde é o meu quarto?

Manual de Souza (À parte.) - Onde diabo há de ser?

Gertrudes - Mais um beijinho!...

Manual de Souza - Dois e três se quiseres. (Saem aos beijos pela direita.)

Cena VII

editar

O Capitão-General e Teobaldo


Capitão-General - Que vejo! Manual de Souza aos beijos com uma mulher! Já!...

Teobaldo - O novo capitão está a fazer o seu pé-de-alferes.

Capitão-General - Ah! Agora compreendo a frieza de hoje pela manhã, Vamos! Vamos, o momento é favorável. Teobaldo, vai dizer a Dona Gabriela que lhe desejo falar.

Teobaldo - Sim, Senhor Capitão-General. (Sai.)

Capitão-General (Só) - O que vou praticar é simplesmente uma velhacada. Dona Gabriela é linda como os amores; e como o marido é um Manual de Souza, proponho-me um candidato. É muito engenhoso o meio que pretendo empregar para a conquista. Nomeio-a minha leitora. É caso virgem semelhante nomeação; mas ora Deus! por que não pode ter um Capitão-General sua leitora? Eu não gosto de leitura; mas é que os livros têm tanta influência sobre as mulheres, como as mulheres sobre os livros. Hei de mandar pedir para a Europa bons autores. Na minha biblioteca nada tenho que sirva para o fim que almejo. Encontrei uma coleção de contos italianos, mas italianos! (Tirando uma enorme folha de papel do bolso.) Escolhi um dos mais divertidos, e traduzi-o para o português... Conseguirei alguma coisa? Ela aí vem.

Cena VIII

editar

O Capitão-General e Gabriela


Capitão-General - Aproxime-se minha senhora.

Gabriela - Vossa Excelência mandou-me chamar?

Capitão-General - Tenho necessidade de seus serviços...

Gabriela - É que... Eu tomo a liberdade de confessar a Vossa Excelência...

Capitão-General - O quê?

Gabriela - Eu não gosto da leitura...

Capitão-General - Tampouco eu!

Gabriela - Tem graça.

Capitão-General - Mas é o mesmo. Havemo-nos de habituar. Então, comecemos... Ali, debaixo daquele caramanchão... (Toma-lhe a mão.)


Dueto


Capitão-General

- Dê-me a sua alva mão...

Sob a folhagem escura,

proceda-me a leitura

lá no caramanchão.

É bela esta verdura;

a brisa aqui murmura

melíflua canção.

Ai, vamos lá! não tema, não.


Gabriela

- Vossa Excelência quer que eu leia

lá, para onde me conduz?

Mande buscar uma candeia,

pois eu não posso ler sem luz.

Capitão-General - Ai! não me faça cara feia! O que receia?


Juntos


Capitão-General - Dê-me a sua alva mão, etc.

Gabriela - Ó céus! que posição a minha! Convém ter toda discrição: cautela e caldo de galinha... Não devo ir pro caramanchão.

(O Capitão-General quer arrastá-la para o caramanchão: Gabriela, com um gesto designa-lhe o banco de pedra. Ele inclina-se e fá-la sentar-se, conservando-se de pé.)

Capitão-General - Então, minha leitora? Comece a dobadoura! O que vai ler é bom...

(Dizendo isto, apresenta-lhe a enorme folha de papel escrita.)

Gabriela - Que grande cartapácio!

Capitão-General - É lê-lo alto e bom som.

Gabriela (Lendo.)- “Um conto de Bocácio.” Por quê, não me dirá? Em manuscrito está?

Capitão-General

- De um livro bom e decente

o traduzi literalmente.

Verá que sã moral!

que conto original!

Se gostar dele, presto,

apenas em um mês,

eu lhe prometo o resto

verter pro português.

Queira pois ler o conto:

eu para ouvir ‘stou pronto.


Gabriela (Lendo.)- “O Rouxinol.


Conto


I


- Lá na România, o bom país,

era uma vez um cavalheiro;

tinha uma filha, a história o diz,

dos corações o cativeiro.

Vai senão quando um mocetão

apaixonou-se da donzela,

e tanto fez o maganão,

que certa noite a nossa bela,

presa do amor no doce anzol,

disse ao papai com ar tranqüilo:

“Canta no bosque o rouxinol,

de perto já quero ir ouvi-lo...”


(Ergue-se e vai maquinalmente deixando cair o papel que o Capitão-General toma-lhe das mãos.)


Ah!ah!ah!


(Afasta-se. O Capitão-General coloca o papel diante dos seus olhos. Ela continua a ler como que sem saber o que faz.)


“Dos bosques entre a sombra,

o rouxinol cantou,

e, sob a verde alfombra,

a bela o escutou...”


Juntos - os bosques entre a sombra, etc.


(O Capitão-General apresenta-lhe de novo o papel. Ela hesita um momento e, afinal, decide-se e continua a leitura.)


II


“ O pai da moça (valha-o Deus)

como sucede em toda a história,

era um sandeu entre os sandeus

e tinha uma alma bem simplória;

eis que, porém, desconfiou,

não sei por quê, do passarinho,

e tanto fez, tanto pensou,

que ao bosque foi devagarinho...

A lua tendo por farol,

descobre o pai um desaforo:

o mavioso rouxinol

tinha um bigode espesso e louro!”

(Deixa cair o papel. O Capitão-General ergue-o e guarda-o.)

Gabriela - Ah!ah!ah! Dos bosques entre a sombra, etc.

Capitão-General - Então, minha encantadora menina? O que diz desta história; não é tão bonita?

Gabriela (Perturbada.) - Sim... Sim... mas... (À parte.) Fez-me medo este homem! (Alto.) Perdão, Senhor Capitão-General, mas não me posso demorar.

Capitão-General - Pois já?

Gabriela - Meu marido está à minha espera. (Cumprimentando-o.) Senhor Capitão-General! (Dirigindo-se ao pavilhão e à parte.) É muito arriscado semelhante emprego de leitora. (Sai.)

Cena IX

editar

O Capitão-General, depois Carlos


Capitão-General (Só.) - Foi-se... O conto produziu algum efeito. Vai tudo às mil maravilhas! (Vendo Carlos, que chega.) Ah! és tu, Carlitos? chegas muito a propósito...

Carlos - Ainda bem! Em que posso ser útil a Vossa Excelência?

Capitão-General - Aqui onde me vês estou contente como se me houvessem feito rei! Quero que te aproveite a minha alegria!

Carlos - De que modo?

Capitão-General - O que dirias tu, se me esquecesse do passado?

Carlos - Como?

Capitão-General - Se te perdoasse?

Carlos - Se me...

Capitão-General - Se te dissesse: casa-te, Carlitos, e nada temas. Carlos -(Muito alegre.) - Oh! que coração o de Vossa Excelência. Muito obrigado, Senhor Capitão-General! muito obrigado!

Capitão-General - Só te peço em troca um pequeno serviço...

Carlos - Um pequeno serviço?

Capitão-General - Quase nada. Vais ver. (Tomando-o pelo braço.) Meu amigo, primeiro que tudo, convém saberes de uma circunstância: eu estou apaixonado!

Carlos - Ah! Sim?

Capitão-General - Por uma adorável mulher. Aposto que já adivinhaste quem é?

Carlos - Não sei quem seja...

Capitão-General - Pois quem há de ser senão a mulher do Manual de Souza?

Carlos (À parte.) - Gabriela!

Capitão-General - Então, não tenho bom gosto?...

Carlos (Atônito.) - Mas, senhor...

Capitão-General - Não é linda?

Carlos - Sim... sim... linda... (À parte.) Não me faltava mais nada!

Capitão-General - Quanto ao serviço que te falei... aposto também que já adivinhaste de que se trata? Conto com o teu auxílio...

Carlos - Com o meu auxílio?... E é de mim que Vossa Excelência vem exigir semelhante coisa?

Capitão-General - Então, por quê?

Carlos - De mim... de mim... que sou tão amigo de Manual de Souza...

Capitão-General - Pois bem, por isso mesmo... como tens intimidade com a família, não te custará nada deixar de quando em quando escapar um elogio... Hein? Está dito?

Carlos - Pelo contrário! Hei de fazer o possível para frustrar os desígnios de Vossa Excelência. Ora esta! Manual de Souza! Um amigo daquela ordem!

Capitão-General - E eu não era também teu amigo?

Carlos (Caindo em si.) - É verdade.

Capitão-General - Já vês que...

Carlos - Vamos lá! Vossa Excelência disse aquilo a brincar! não é capaz de semelhante atentado à honra alheia!

Capitão-General - Com que calor a defendes! Parece que se trata de tua mulher!

Carlos - Ora! Eu gosto tanto daquele Manual de Souza!

Capitão-General - E eu também; mas gosto mais de Dona Gabriela. (Pausa.) Decididamente não me prestas o teu auxílio?

Carlos - desculpe, Vossa Excelência, mas não posso...

Capitão-General - Pois bem! Olha, aí vem Manual de Souza; verás que vou preparar tudo sem o teu auxílio.

Cena X

editar

Os mesmos e Manual de Souza


Capitão-General - Capitão, vá buscar oito praças...

Manual de Souza (Inquieto.) Hein?

Capitão-General - E parta com eles para São Tomé. O Capitão-mor requisitou um destacamento de lanceiros contra os índios Guaicurus!

Manual de Souza - Guaicurus! (À parte.) E Gertrudes vai ficar à minha espera!

Carlos (Inquieto e à parte.) - Quais serão as suas tenções?

Manual de Souza - Vossa Excelência há de permitir que lhe lembre que estou designado para comandar a patrulha que tem de rondar o palácio...

Capitão-General - Não lhe dê isso cuidado... Eu substitui-lo-ei... Vá, ande.

Manual de Souza - E Gertrudes? Hei de preveni-la por um bilhetinho. (Sai. Começa a anoitecer.)

Capitão-General (A Carlos.) - Compreendes, não? Enquanto o marido é destacado para Guaicurus, eu...

Carlos - Basta! basta! Aceito!

Capitão-General - O quê?

Carlos - Quero auxiliar a Vossa excelência. (À parte.) É o único meio de impedir...

Capitão-General - Nada! Tarde piaste... Já te declaraste amigo do homem. És suspeito.

Carlos - Portanto...

Capitão-General - Nada! Além disso, não quero perder o direito que tenho sobre ti.

Carlos - Mas...

Capitão-General - O dito por não dito... Façamos de conta que nada houve ainda há pouco entre nós. Olha: já é noite. Adeus, Carlitos... Boa noite, hein? Muito boa noite. (Sai.)

Cena XI

editar

Carlos, e depois Gabriela


Carlos (Só.) - Bonito! Vejam se há criatura mais infeliz do que eu! Sabendo que basta que minha mulher seja minha mulher, para que ma queira roubar o maldito Capitão-General, faço-a passar por mulher alheia, e eis que ma querem roubar da mesma forma. Oh! não! não! Mas o que devo fazer? Só há um meio: a fuga! Consentirá ela? (Aproximando-se do pavilhão.) Gabriela! Gabriela!

Gabriela (Fora.) - És tu, Carlitos?

Carlos - Sim: sou eu. Vem depressa; não tardes!

Gabriela (Entrando.) - Aqui estou.

Carlos - Deus queira que ela queira! (Correndo à esposa, que sai do pavilhão.) Gabriela, tu amas-me, não é assim?

Gabriela - Por quê?

Carlos - Adoras-me?

Gabriela - Meu amigo...

Carlos - A tua adoração por mim não tem limites; hein? Oh! responde, responde! O que ter vou propor, só devemos propor a quem nos consagrar uma adoração sem limites...

Gb (Muito depressa.) - Pois bem, pois bem: a minha adoração por ti não tem limites!

Carlos - Queres tu fugir comigo?

Gabriela - Fugir?

Carlos - Sim! Fugir como salteadores, no meio da noite através de mil perigos... Queres!? Oh! não me diga que não queres!

Gabriela - Se quero! Decerto! Uma fuga foi sempre o meu ideal, um rapto o meu sonho dourado!


Dueto e Coplas


Carlos - Tu partirás?

Gabriela - Eu partirei.

Carlos - Seguir-me-ás?

Gabriela - Seguir-te-ei.

Juntos

- Depressa! depressa!

Fujamos, amor,

antes que apareça

qualquer maçador.

Quais negros fugidos

da vil servidão,

vivamos metidos

no meio do sertão.

Carlos - É bem longa a viagem!

Gabriela - Com muito gosto irei.

Carlos - Preciso é ter coragem!

Gabriela - Pois bem: eu a terei.

Carlos - E se nos perseguirem?

Gabriela - Deixá-los perseguir!

Carlos - Meu Deus! se nos seguirem?

Gabriela - Não hão de nos seguir.

Juntos - Depressa! depressa! etc.

Gabriela - Que originalidade! Quem vê tal evasão logo se persuade que dois amantes são. De um pai ou de um marido feroz e destemido fugindo pro sertão, provavelmente vão. Pois bem! não há tal: conhecido que tudo fique é mister: é uma mulher que vai fugir com seu marido; é um marido que foge com sua mulher!

Juntos - É uma mulher, etc.

Gabriela

- Ninguém achar procure

novidades, porquê,

embora cheire ou fure,

de novo nada vê!

Pois neste mundo antigo,

já disse e ora redigo:

É tudo rococó,

qual meu tataravô.

Fato, porém desconhecido

venha cá ver quem quiser:

É uma mulher, etc.

Juntos - É uma mulher, etc.

(No fim do dueto tem anoitecido completamente.)

Carlos - Vamos; é noite fechada; não percamos tempo... Vou preparar tudo para a nossa partida. Entra e espera-me.

Gabriela - Não te demores!

Carlos - Em cinco minutos estarei de volta.

Gabriela- Achar-me-ás pronta. (Entra no pavilhão. Carlos sai a correr.)

Cena XII

editar

Gertrudes, e depois Carlos


Gertrudes - Acabo de receber de Manual de Souza este bilhete, no qual diz-me: “Minha pomba. Não posso, como te havia prometido, ficar no pombal esta noite. A pátria precisa do meu braço. Teu pombo, Manual de Souza”. Aqui anda maroteira. Ai! dele, se me engana! (Sai.)

Carlos (Volta envolvido numa capa.) - Gabriela estará pronta? (A ronda aproxima-se.) Ai! meu Deus! é a patrulha! E é o Capitão-General que a comanda! Ocultemo-nos... (Oculta-se.)

Cena XIII

editar

Carlos, oculto, o Capitão-General, Teobaldo e rondantes


(O Capitão-General conduz a patrulha e traz na mão uma lanterna furta-fogo.)


Coro dos Rondantes

- Mal começa a noite

aparece a ronda;

ninguém cá se acoite,

ninguém cá se esconda.

Ofender a sã moral

que não venha algum pascácio

do Capitão-General,

no respeitável palácio,

pois quem vai para a prisão

sem mais remissão

nem apelação!

(A ronda percorre o teatro. Ao passar defronte do pavilhão, o Capitão-General lança-lhe um olhar significativo.)

Cena XIV

editar

Carlos, depois Gertrudes, depois Gabriela


Carlos - Não percamos tempo. (Corre ao pavilhão.) Gabriela, Gabriela, estás pronta?...

Gabriela(Fora.) - Aí vou, aí vou.

Gertrudes (Aparecendo.) - Parece-me que ouvi... Sim; não me engano... Está ali alguém. Oh! aquele manto! É ele, é ele! ... o que fará ali?...

Carlos - Despacha-te.

Gertrudes (Consigo.) - Com quem fala ele?...

Gabriela (Sai do pavilhão embrulhada em um manto, com uma trouxa na mão.) Aqui estou, aqui estou!

Gertrudes - Uma mulher! E tratou-a por tu! Oh! Vamos rir! vamos rir!

Carlos - Vem! vem! (Dirigem-se para o fundo.)

Gertrudes (Pondo-se-lhes na frente.) - Um momento...

Carlos e Gabriela (Atônitos.) - Ah!

Gertrudes - Não me esperavam, não é assim?

Gabriela - Mas, senhora...

Carlos - Silêncio! Silêncio!

Gertrudes - Apanhei-te com a boca na botija!

Gabriela (Querendo fugir.) - Mas...

Gertrudes - Aqui ninguém passa!

Gabriela (Escapando-se.) Oh! Acharemos meio de escapulir!

Gertrudes (Tomando-lhes a passagem.) - Aqui ninguém passa!

Carlos -Ah! ele é isso? (Atira-lhe a capa sobre a cabeça. Vem, Gabriela...

Gertrudes (Tentando desembaraçar-se da capa.) - Aqui-del-rei! Socorro! Aqui-del-rei!

Capitão-General (Fora.) Que bulha é esta?...

Carlos - Aí vem a patrulha! estamos perdidos!

Cena XV

editar

Os mesmos, Capitão-General, Teobaldo e rondantes


Capitão-General - O que há? o que há?

Gertrudes - O que há, Senhor Capitão-General? Um escândalo, um escândalo inaudito! este senhor ia fugir com esta senhora! (Chorando.) Monstro! mal empregado tanto amor!

Capitão-General - Vejamos! (Alumiando o rosto de Carlos com a lanterna.) Carlitos! (Vendo Gabriela.) Ela!...

Todos - Hein?

Gertrudes (Estupefata.) - Não era Manual de Souza! (A Carlos,) Ah! senhor, peço-lhe mil perdões: foi um erro involuntário...

Carlos - Vá para o diabo!

Capitão-General - Ah! tu querias fugir com a mulher de um amigo daquela ordem!

Carlos - Senhor...

Gabriela - Deixe-me dizer-lhe, Senhor Capitão-General: este senhor me havia simplesmente oferecido o braço para darmos uma volta pelo jardim...

Capitão-General - Assim vestidos! a estas horas!... e com uma trouxa!... (Gabriela lança fora a trouxa com despeito.) Bem! Bem! (Baixo a Carlos.) Por isso é que ainda há pouco a defendias com tanto calor! Querias guardá-la para ti. Muito bem! Deixa estar que eu te ensinarei...

Carlos - Oh!

Capitão-General - Teobaldo!

Teobaldo - Pronto!

Capitão-General - Manda tocar a rebate!...

Teobaldo - Sim, Senhor Capitão-General...

Carlos - O que vai fazer Vossa Excelência?

Capitão-General - Prevenir o marido... Ele é que me há de vingar.

Todos - O marido!... (Toques de cornetas e tambores.)

Cena XVI

editar

Os mesmos, Manual de Souza, Castelo Branco, Oficiais de Lanceiros e Lanceiros.


Final


Teobaldo e Rondantes - Alerta! Alerta! Alerta!

Oficiais e Manual de Souza (Aparecendo de Todos os lados.) - Por que se me desperta? Estou de boca aberta!...

(A cena ilumina-se.)

Capitão-General (A Manual de Souza.) - Espada em punho, capitão!

Manual de Souza (Desembainhando a espada.) - Cá está!

Capitão-General - Sem mais hesitação espete este sujeito!

As mulheres - Ó céus!

Manual de Souza - Carlitos!

Carlos - Eu não!

Capitão-General - Espetar! espetar! espetar! E despachar!

Todos - Espetar! espetar! espetar! E despachar!

Carlos (Desembainhando a espada.) - Espetar-me! Não é má!

Manual de Souza - Olé! Armado está!

Capitão-General (A Manual de Souza.) - É mais leal! Vá! Dito e feito! ‘Stá contrafeito?...

Gertrudes (A Manual de Souza.) - Não, não! Tu não te baterás!

Manual de Souza - Não, não! Eu não me baterei!

Gabriela (A Carlos.) - Não, não! Tu não te bater-te-ás!

Carlos - Não, não! Eu não fraquejarei!

Juntos - bater-te-ás. Não, não, não. Baterás. Me baterei. Fraquejarei

Manual de Souza (Com energia.) - Não, não! Eu não me baterei!

Capitão-General - Saiba que aquele machacaz. Senhor Manual de Souza, raptava sua esposa!

Manual de Souza - Raptava minha esposa!...

Todos - Que cousa!.... Espetar! espetar! Espetar e despachar!

Manual de Souza - Ouçam lá! Vou tudo pôr em pratos limpos.

Carlos (A parte.) - Traidor!

Manual de Souza (Apontando a Gabriela.) - Eu marido não sou desta senhora, mas sim daquela que lá está! (Apontando para Gertrudes.)

Coro - Ah!

Gertrudes (Apontando Manual de Souza.) - Eis meu marido!

Gabriela (Apontando para Carlos.) - Eis meu marido!

Todos - Que trocas baldrocas!

Capitão-General - Ah! ah! ah! ah! ah! O moço é casado! Ah! ah! ah! ah! Que caso engraçado!

Coro - Olaré! Olaré! O moço é casado! Olaré! Olaré! Que caso engraçado! Casadinho o moço é! Ó que papel desgraçado fazer vai, olé!...

Capitão-General (A Carlos.) - Então querias me enganar? Carlitos, hás de me pagar...

Carlos - Oh! senhor, minha desventura está em vossa mão! Ela é tão tímida, tão pura... ai! tende compaixão!

Carlos e Gabriela - Sim, compaixão!

Capitão-General - Verei... verei...

Carlos e Gabriela - Sim, compaixão!

Capitão-General - Terei... terei...

Coro ( Às gargalhadas.) - Ah! ah! ah! ah! ah! ah! Olaré Olaré, etc.

Capitão-General (A Carlos) - Mais tarde pensaremos na vingança agora não; como eu te prometi, vai entre nós haver aqui muito prazer, muita folgança...

Capitão-General (A meia voz) - Um dia, olé! te casarás. Muito m’hei de rir; tu verás...

Carlos - Mas senhor....

Capitão-General - Tu verás...

(Aos oficiais.) - Á f’licidade conjugal Vamos beber deste casal!

Gabriela (A Carlos.) - Fazias tanto espanto... tanto... tanto... O capitão é até bem folgazão!

Carlos - Oh! muito folgazão!

(Alguns lacaios trazem vasos e taças.)

Capitão-General (De taça em punho.) Bebei do vinho do Porto; bebei, porque dá conforto!

Todos - Bebei do vinho do Porto, etc.

(O Capitão-General oferece uma taça a Gabriela.)


Canção


I


Gabriela

- Dizia meu tataravô

que o casório

é um regalório

que nunca lhe desagradou;

os meus bisnetos

tataranetos

hão de casar, bem certa estou...

Meus folgazões!

das libações

o momento já se avizinha!

Bebei! bebei!

cantai! dizei!

Viva a formosa noivazinha!

Todos (Menos Carlos.) - Viva a formosa noivazinha!

Capitão-General (A Carlos, declamando.) - Então tu, Carlitos!

Carlos (Contrariado.) - Viva a formosa noivazinha!

Capitão-General (Arremedando-o.) - Viva a formosa noivazinha!

Teobaldo, Manual de Souza e Gertrudes (Simultaneamente.) - Viva a formosa noivazinha Gabriela - Olé! tirolé! lé! É bom bom bom bom bom! O casamento, olé! O casamento é bom!

Coro - Olé! tirolé! lé! etc.


II


Gabriela

- Dizem que a vida conjugal

- é encantadora,

- é maçadora;

é mel e fel - regra geral!

Eu tenho dito

e hoje repito

que não lhe vejo nenhum mal!

Meus folgazões

das libações

o momento já se avizinha!

bebei, bebei

cantai, dizei:

Viva a formosa noivazinha!

Todos (Menos Carlos) - Viva a formosa noivazinha!

Capitão-General (A Carlos, declamando.) - Então não bebes! não cantas? O que tens, meu amigo?

Carlos (Contrariado.) -Viva a formosa noivazinha!

Capitão-General (Arremedando-o.) - Viva a formosa noivazinha!

Teobaldo, Manual de Souza e Gertrudes (Simultaneamente.) - Viva a formosa noivazinha

Coro

- Olé! tirolé! lé!

É bom bom bom bom bom!

O casamento, olé!

O casamento é bom!


[(Cai o pano)]