Varanda, ocupando os dois ou três primeiros planos do teatro, e separada ao fundo por ligeiras colunas de um terraço donde se vê o panorama da cidade de Porto Alegre. Portas à direita e á esquerda.

Cena I editar

Manual de Souza, e Soldados


(Ao erguer o pano, desponta a aurora. Os Soldados estão deitados na varanda e no terraço em posições diversas. Manual de Souza ressona em uma cadeira colocada contra a porta da direita. No fundo vela um Soldado. Música na orquestra, acompanhada pelo ressonar dos que dormem. Ouve-se ao longe rufar o tambor. Alguns Soldados levantam a cabeça.)


Introdução


Coro

- Plã! rataplã!

Do regimento é o tambor!

Já nos desperta o maçador!

Plã! rataplã!

É cara ter de não o ouvir

e que se dorme é já fingir.

Plã! rataplã!


(Tornam a deitar-se e desatam de novo a ressonar. Novo rufo.)


Manual de Souza (Acordando.) - Plã! rataplã! Alerta! Alerta! É o tambor que nos desperta...


(Erguem-se Todos. Os tambores entram em cena precedidos de um tambor mor. Pleno dia.)


Coro geral


- Rataplã! rataplã!

É o tambor!

Que maçador!

(No fim do Coro, estão Todos alinhados à boca da cena.)


Manual de Souza (Esfregando os olhos e espreguiçando-se.) - Brrr! Está fresco, está. Fiz mal em dormir. Façamos a reação! (Começa a percorrer velozmente a cena. Para em frente aos Soldados e brada em voz de comando.) Ombro armas! Apresentar armas! Isso... Desmanchar fileiras!... (Ninguém se mexe. Manual de Souza tira o chapéu e diz com toda cortesia.) Os senhores fazem-me o especial obséquio de desmanchar fileiras?...

Todos - Am... (Dispersam-se.)

Manual de Souza - Hein? Que disciplina! Como obedecem! É porque eu cá não lhes dou confiança! Não vê! Eles já me conhecem!

1º Soldado (Aproximando-se de Manual de Souza e apoiando-se-lhe no ombro.) - Diga-me cá, ó capitão.

2º Soldado (Fazendo o mesmo do Outro lado.) - Ó capitão, diga-me cá.

Manual de Souza - Então! que liberdade é esta!? (Olhando a sorrir para eles.) Vocês são uns grandíssimos velhacos!

1º Soldado - Ó capitão, faça o favor de dizer-nos por que motivo ficamos aqui de guarda durante toda a noite.

Manual de Souza - O que vocês querem sei eu: desejam saber por que o Capitão-General, depois de haver bebido ontem à saúde do francesito e de sua cara metade, separou-os, cada um em seu quarto... É isso ou não é?

Todos - Sim, sim!

Manual de Souza - E nos ordenou que guardássemos as portas dos ditos quartos até nova ordem?

2º Soldado -É isso mesmo.

Manual de Souza - É isso que vocês querem saber?

Todos - Sim!

Manual de Souza - Ora! a razão é muito simples...

Todos (Esperançosos.) - Ah!

Manual de Souza - A razão sei eu...

Todos (O mesmo.) - Ah!

Manual de Souza - Mas vocês é que não hão de saber....

Todos (Com despeito.) - Oh!

Manual de Souza - Vocês são muito novos ainda...

1º Soldado - Ora, meu capitãozinho, diga-nos...

Todos - Capitãozinho, capitãozinho! (Cercam-no.)

Manual de Souza - Andem lá! Vocês são os meus pecados! Pois bem! Vá lá! Vou dizer-lhes tudo: ouviram? (Toma um Soldado em cada braço, e dá alguns passos, como que dispondo-se a entabular conversação com eles.) Meus amigos, meus bons amigos, meus excelentes companheiros d’armas, saibam Todos que o Monsiú Carlos...

Cena II editar

Os mesmos e Gertrudes


Gertrudes (Fora.) - Obrigado! Não é preciso! Eu mesmo vou ter com ele...

Manual de Souza (Desembaraçando-se dos dois Soldados.) Depressa! Cerrar fileiras! (Enfileiram-se.) Sentido! Ombro armas!

Gertrudes (Que entra com um pequeno cesto debaixo do braço, contemplando-o.) - Como ele é bonito a comandar! (Indo a ele.) Manual de Souza!

Manual de Souza - Gertrudinhas! Estavas aí?

Gertrudes - Sim, Manuel. Como sabes lidar com esta gente! Quem foi que te ensinou estas manobras?...

Manual de Souza - Isto é instinto: eu tenho a bossa das armas... (À parte.) Sou muito boçal... sou... (Alto.) Além disso não dou confiança a esta gente. Vê tu lá que disciplina! Faz gosto, hein, Gertrudinhas?... (Voltando-se, vê que estão Todos debandados.) Então?... Cerrar fileiras!... (Ninguém se mexe.) Cerrar fileiras!... (Com cortesia.) Meus senhores, fazem-me o especial obséquio de cerrar fileiras?... (Enfileiram-se.) Estás vendo? E agora ... Meia volta à esquerda... não! quero dizer à direita... à... Ora! meia volta à direita ou onde muito bem quiserem. Volver! Ordinário, marche! (Desfilada; passo redobrado.Os Soldados saem depois de haverem desfilado.)

Manual de Souza (Ao fundo, satisfeito, vendo-os sair.) Isto é que é vida! Isto é que é vida!

Gertrudes - Aqui te trago o almoço.

Manual de Souza - Quem o traga sou eu. (Gertrudes tira do cesto um bolo e uma pequena cafeteira.) Quanto és boa, Gertrudinhas!

Gertrudes - Toma, bebe...

Manual de Souza (Comendo.) - Estou te desconhecendo, Gertrudinhas! essa ternura não é natural em ti... Aposto que queres me pedir alguma coisa?

Gertrudes - Apostas muito bem...

Manual de Souza - Ah! eu cá sou muito perspicaz! Vamos lá! O que temos?

Gertrudes - Manual de Souza, quero voltar para a estância contigo... Faz idéia como andará aquilo, entregue, como está, em mãos alheias.

Manual de Souza - Homem! já não me lembrava que, antes de ser capitão, era estancieiro!

Gertrudes - Além disso, tu aqui corres muito risco...

Manual de Souza - Eu?...

Gertrudes - Sim. Tu és um rapaz bonito... (Manuel vai protestar, Gertrudes grita.) Não me digas o contrário! És um bonito rapaz... Em Porto Alegre as mulheres dão o beicinho pelos militares... Enfim, Manual de Souza, tenho medo... tenho medo...

Manual de Souza - Ora o que te havia de lembrar?!

Gertrudes - Não fiques, sim?

Manual de Souza - Mas...

Gertrudes - Recusas! Tens então motivo para ...

Manual de Souza - Pois, Gertrudinhas, queres que eu parta a minha espada?

Gertrudes - Preferes partir-me o coração?

Manual de Souza - Pois bem! parto.

Gertrudes - Partes-me o coração?

Manual de Souza - Não! Parto, isto é, vou-me embora!

Gertrudes - Oh! ainda bem!

Manual de Souza - Mas olha que isto tem suas formalidades, hein? Eu não posso arredar pé daqui sem licença do Capitão-General.

Gertrudes - Hei de pedir-lhe a tua baixa; expor-lhe-ei minhas razões. Anda daí.

Manual de Souza - Qual anda daí nem meio anda daí. Eu não posso arredar-me...

Gertrudes - De quê?

Manual de Souza - De quê, meu anjo? da guarda! E o meu dever de Soldado? Pois não sabes que estou de serviço? (Põe-se a percorrer a cena.)

Gertrudes - Mas...

Manual de Souza - Passe de largo!

Gertrudes - Meu Deus! que rigor! (Pausa. Manuel percorre a cena. Gertrudes põe-se a imitá-lo, subindo quando ele desce e vice-versa.) É verdade... Ainda ali está metida aquela pobre moça... E quando me lembro que sou eu a culpada....

Manual de Souza - Se não fosses tão ciumenta...

Gertrudes - Pobrezinha! Como deve ter sofrido! Para nós, mulheres, o amor é sofrimento.

Manual de Souza - Bravo! Gostei! Continue! (À parte.) Dá-lhe às vezes para isto!.

Cena III editar

Os mesmos e Castelo Branco


Castelo Branco (Entrando.) - Minha filha! Onde está a rapariga?... (A Manual de Souza.) É ali o seu aposento, senhor capitão?

Manual de Souza - Sim, mas não pode entrar, Senhor Morgado.

Castelo Branco - Chame-me antes Capitão-mor.

Manual de Souza (Emendando.) - Senhor Capitão-mor.

Castelo Branco - Homem! Ás nove horas! Enfim! Ora imaginem que ontem, no momento em que Todos se retiravam, achamo-nos separados, não sei como, nem como não... Eu queria despedir-me dela, pois pretendia partir hoje muito cedo... Sosseguei, porque, enfim, a rapariga estava sob salvaguarda do seu marido!

Gertrudes e Manual de Souza - Hein? Ele não sabe de nada!

Castelo Branco - Agora, porém, já são mais que horas de... (Chamando.) Gabriela? Ó rapariga, olha que são horas!

Manual de Souza - Silêncio! Passe de largo!

Gabriela (Fora.) - Ah! papai!... papai!... Abra!

Castelo Branco - Como?!...

Gabriela (Fora.) - Estou aqui fechada!

Castelo Branco - Fechada! A rapariga fechada!

Manual de Souza - Sim, senhor Morgado...

Castelo Branco - Chame-me antes Capitão-mor.

Manual de Souza - Sim, senhor Capitão-mor. (Baixo.) E sozinha...

Castelo Branco - Sozinha! Esta agora! E o marido?

Manual de Souza - Ah! O marido anda por outra freguesia.

Castelo Branco - Como por outra freguesia?...

Gertrudes - O marido passou a noite em Outro quarto.

Castelo Branco - Hein?...

Gertrudes - O Capitão-General foi que assim quis!

Castelo Branco - O Capitão-General?!

Gabriela (Fora.) Papai!

Castelo Branco - Já vou, já vou! Não insistas, rapariga! (A Manual de Souza.) Então solta-se ou não a pequena?

Gertrudes - Aquilo corta o coração... Vou abrir a porta...

Manual de Souza - Mas é que...

Gertrudes - Ora! Se está preso o marido, que inconveniente pode haver em soltar a mulher? (Abrindo a porta da direita.) Vamos... saia... (Gabriela sai triste, com os olhos pisados.)

Cena IV editar

Os mesmos e Gabriela


Castelo Branco - Minha filha!

Gabriela - Ah! papai, papai! Eu sou muito caipora!

Castelo Branco - Então o que há?...

Gabriela - Se papai soubesse... Ora, ouça.


Quarteto


Gabriela - Naquele quarto entrei sozinha, supondo que lá fosse ter o meu amor logo à noitinha, porque assim costuma ser.

Gertrudes - Costume ser...

Castelo Branco e Manual de Souza - Costuma ser...

Gabriela - O pranto meu correu a fios, por semelhante ingratidão...

Gertrudes - Ela ficou a ver navios... que decepção!

Castelo Branco e Manual de Souza - Que decepção!

Gabriela - A hora passou...

Gertrudes - A hora passou...

Gabriela - E meu amor não se chegou!

Gertrudes - E seu amor não se chegou!

Gabriela - Ah! não tem jeito!

Juntos

- Ah! é mal feito!

Não faz-se isto a ninguém!

Ah! não tem jeito!

Qual jeito! qual jeito!

Qual! Jeito não tem!

Gabriela - Cansada, enfim, de ver navios não tendo com que me entreter, de um sofá nos coxins macios eu procurei adormecer.

Gertrudes - Adormecer...

Castelo Branco e Manual de Souza - Adormecer...

Gabriela - Na minha funda mágoa imersa o sono meu fugir eu vi.

Gertrudes (A Manual de Souza.) - Hein? foi por causa bem diversa que eu não dormi...

Manual de Souza - Que eu não dormi...

Gabriela - A hora passou, etc.

Castelo Branco - Vamos, vamos! Não te aflijas tanto! Teu marido é impossível que esteja perdido! Havemos de achá-lo!

Gabriela - Confundi-lo

Castelo Branco - Repreendê-lo!

Gabriela - Repreendê-lo!

Castelo Branco - Não insistas, rapariga! Vem, vem comigo! Pobre pequena! é mesmo muito caipora!

Gabriela - Muito...

Castelo Branco - Não insistas... (Saem.)

Cena V editar

Gertrudes, Manual de Souza, depois o Capitão-General e Teobaldo


Gertrudes - Veja, Manual de Souza! Mire-se naquele espelho! Aquilo sim; aquilo é que se chama de amor, afeição, dedicação, resolução...

Manual de Souza - E tudo que acaba em ão.

Gertrudes - Você era lá capaz de andar à minha procura, se me houvesse perdido?

Manual de Souza - Ora, pois julgas... (À parte.) Seria preciso que me houvesse perdido também o juízo!

Capitão-General (Entra seguido por Teobaldo que traz uma ruma de livros.) - Deita tudo isto cá, Teobaldo...

Teobaldo - Sim, Senhor Capitão-General! (Depõe os livros e sai.)

Cena VI editar

Os mesmos, menos Teobaldo, depois Carlos


Manual de Souza - O Capitão-General... (Encaminha-se para ele, e cumprimenta.) Senhor...

Capitão-General - Viva! viva! Traga-me cá o Carlitos.

Manual de Souza - É já...

Gertrudes (Baixo a Manuel.) - Boa ocasião para pedir-lhe a tua baixa. (Indo ao capitão.) Preciso muito falar a Vossa Excelência.

Capitão-General (Preocupado.) - Mais tarde.

Gertrudes - A respeito de meu marido...

Capitão-General - Não tenho tempo agora...

Gertrudes (Seguindo-o.) - Ele anda doente, e este serviço continuado...

Capitão-General - Já lhe fiz ver que não tenho tempo agora... (A Manual de Souza.) Vá buscar o homem!

Gertrudes (À parte.) - Fica para outra vez... (Manual de Souza abre a porta da esquerda.)

Carlos (Saindo, a Manual de Souza.) Ah! Meu amigo, o que se tem passado aqui? Onde está minha mulher? O que me contas de novo?...

Manual de Souza - Cala-te! Olha o Capitão-General!

Carlos - Oh!

Capitão-General - Deixem-nos sós.

Gertrudes (À parte, saindo com Manual de Souza) - Fica para outra vez! (Saem.)

Cena VII editar

O Capitão-General e Carlos


(Momento de silêncio. O Capitão-General, a esfregar as mãos, passeia em redor de Carlos, que o examina inquieto, de soslaio.)


Capitão-General (Cantarolando.) - Um dia, olé! te casarás!...

Carlos (À parte.) - Parece estar satisfeito...

Capitão-General (O mesmo.) - Um dia, olé... (Momento de silêncio.)

Carlos (À parte.) Oh! meu Deus! dar-se-á caso que... Eu tremo...

Capitão-General (Parando.) - Bom dia, Carlitos; como passaste a noite?

Carlos - Mas...

Capitão-General - Eu passei muito bem, muito bem...

Carlos - Meu Deus!

Capitão-General - Está tranqüilo... Não é ainda o que supões!

Carlos (Suspirando.) - Ah!

Capitão-General - Mas deixa estar, deixa estar... Isso há de ser um dia... não tenho pressa...

Carlos (Vivamente.) - Nem eu...

Capitão-General - À noite passada refleti maduramente sobre o caso, já tenho o meu plano.

Carlos - Ah!

Capitão-General - Vou continuar da mesma maneira que encetei... Vê estes livros?

Carlos - Sim. Vejo.

Capitão-General - Tua mulher os lerá um por um, sentada ao meu lado...

Carlos - Todos?!

Capitão-General - Todos e Outros muitos. Minha biblioteca é imensa! Afinal de contas, terás uma mulher ilustrada...

Carlos - Muito ilustrada! Oh! mas como estou prevenido, defender-me-ei.

Capitão-General (Arremedando.) - Defender-me-ei!... Tem graça! pois já não te fiz ver que o meu plano está feito?... Naquele tempo (lembras-te) eu não me defendi... de nada sabia... Já vês que convém restabelecer o equilíbrio. (Chamando.) Teobaldo! (Teobaldo aparece.) Vai buscar o Capitão Manual de Souza!

Teobaldo - Sim, Senhor Capitão-General. (Sai.)

Carlos - O que vai Vossa Excelência fazer?

Capitão-General - Vais ver... Trata-se de restabelecer o equilíbrio...

Cena VIII editar

Os mesmos, Manual de Souza e Gertrudes


Gertrudes (Correndo, ao Capitão-General.) - Vossa Excelência mandou-nos chamar? Foi sem dúvida para ouvir o que tenho para dizer a Vossa Excelência. É a coisa mais simples desta vida, Senhor Capitão-General: meu marido...

Capitão-General - Não se trata disso...

Gertrudes (À parte.) - Fica para outra vez.

Capitão-General (A Manual de Souza.)- Capitão, leve este senhor ao pavilhão amarelo, onde o guardará à vista até nova ordem.

Carlos - Preso!

Capitão-General - Não faças disto um bicho-de-sete-cabeças. Aquilo não é uma prisão, é um ninho. (A Manual de Souza.) - Vá!...

Manual de Souza - Mas Senhor Capitão-General, é que...

Capitão-General - O quê?

Manual de Souza - Minha mulher...

Gertrudes - Deixa-me falar! Excelentíssimo Senhor, eu sou um pouco ciumenta. meu marido teve um passado tempestuoso!

Manual de Souza - Tu exageras, Gertrudinhas!

Gertrudes - Cala-te, escalda-favais!

Capitão-General - E então?

Gertrudes - O que mais me incomoda é a história do retrato. Havia nesta cidade uma sujeita por quem ele andou apaixonado, não duvido que ela ainda esteja em Porto Alegre...

Capitão-General - E?...

Gertrudes - E, para evitar um encontro, quero carregar daqui o meu Manual de Souza! Assim, pois peço a Vossa Excelência que lhe mande dar baixa..

Capitão-General - Por enquanto seu marido me faz muita falta. Mais tarde falaremos...

Gertrudes - Mas...

Capitão-General - Basta!

Gertrudes (À parte.) - Fica para outra vez.

Capitão-General - Capitão, cumpra as minhas ordens. (Sai.)

Manual de Souza - Sim, senhor. (Indo a Carlos, rindo-se.) - Ah! ah! ah! ah! Pobre Carlos ! O caso não é para rir, porque enfim és muito meu amigo, mas... Ah! ah! ah! não posso... (A Gertrudes, sério.) É muito meu amigo!

Gertrudes (Não podendo conter o riso.) - Ah! ah! ah! é muito teu amigo.

Carlos (Despeitado.) - Muito riso, pouco siso...

Manual de Souza - Ah! ah! ah! meu amigo... Dá cá a tua espada. Gertrudinhas, dá-lhe o braço... (Gritando.) - Meia volta à esquerda! Não, não! Como quiserem! Vamos! (Gertrudes toma um braço e Manual de Souza e levam Carlos às gargalhadas.)

Cena IX editar

O Capitão-General, depois Gabriela e Castelo Branco


Capitão-General (Só.) - Vai tudo às mil maravilhas!

Gabriela (Aparecendo com o pai.) - Venha, papai! Meu pobre maridinho preso! Oh! hão de mo restituir, olé!

Capitão-General - Ei-la!

Gabriela - O Capitão! (Ao pai.) Vai ver como lhe falo!

Capitão-General (À parte.) - É agora! (Alto.) Minha amável leitora...

Gabriela (Ao pai.) - Já não me atrevo...

Castelo Branco - Anda, desembucha.

Gabriela (Timidamente.) - Preciso falar a Vossa Excelência.

Capitão-General - Já sei o que vem me pedir. É inútil! Está preso, e preso ficará!

Gabriela - Oh! ,meu pobre maridinho! Quero-lhe tanto! É tão lindo, tão terno, tão generoso... (Mudando o tom.) Por que Vossa Excelência mandou prender?

Capitão-General - Porque... porque havia motivos.

Gabriela - Mas que motivos?...

Capitão-General - Isso é que não lhe direi!

Gabriela - E se eu pedisse a Vossa Excelência que esquecesse desses motivos?

Capitão-General - É impossível!

Gabriela - Impossível!

Castelo Branco (Baixo.) - Insiste, rapariga, insiste!

Gabriela - Se suplicasse de mãos postas...

Capitão-General - Não! não!

Castelo Branco (Como acima.) - Insiste, rapariga, insiste.!

Gabriela - Meu bom Capitão-Generalzinho!

Capitão-General (À parte.) Hein?

Gabriela (Com as mãos nos ombros do Capitão-General.) - Dá-me o meu maridinho, sim?

Castelo Branco (Colocando-se ao lado do Capitão-General.) - Então? Faça a vontade da rapariga! (Dá-lhe uma cotovelada. O Capitão-General encara-o com severidade.) Oh! Perdão!

Capitão-General (A Gabriela.) - Não posso, não posso! Só dando-me... (Filando-a.) uma compensação...

Gabriela - Uma compensação? Então quer Vossa Excelência que eu lhe dê uma compensação?...

Capitão-General - Sim...

Gabriela - É que... (Tendo uma idéia.) Ah! achei!

Capitão-General (Vivamente.) - Deveras?

Gabriela - Decerto... a tal propriedade de papai, que tira a vista do rio a Vossa Excelência.

Castelo Branco - O meu cochicholo!

Gabriela - Dou-lhe em troca da liberdade de meu marido.

Capitão-General (Desapontado.) - Ora!

Castelo Branco - Mas o que é lá isso? O cochicholo! Não insistas, rapariga!

Gabriela (Ao Capitão-General.) - Então está dito?

Capitão-General - O cochicholo... É que... não digo que...

Gabriela (Afagando-o.) - Oh! como eu agradecerei a Vossa Excelência...

Capitão-General (Comovido, à parte.) - Então? A pequena não me está entendendo? (Alto.) Não é essa a compensação...

Gabriela - Pois não é essa?... (Quase a chorar.) Não vejo mais nada...

Capitão-General (Levando-a a parte.) - Pois bem... ei quero... eu que...

Gabriela (Fitando-o com simplicidade.) - O quê?

Capitão-General (Vencido pelo olhar da moça.) - Não! Seria um sacrilégio! É tão inocente! (Alto.) Nada, nada, minha filha, nada quero. (Chamando.) Ó Teobaldo.

Teobaldo (Aparecendo.) - Excelentíssimo..

Capitão-General - Mande que ponham o Senhor Carlos em liberdade e tragam-no cá.

Gabriela (Alegre.) - Ah!

Capitão-General - Vê? Satisfaço seu pedido... Mas imponho uma condição...

Gabriela - Qual?

Capitão-General - Há de jurar-me que não dirá a seu marido o meio que empregou para obter a liberdade dele.

Gabriela - Juro!

Capitão-General (À parte.) - A pequena desarmou-me... Mas as aparências vingar-me-ão! (Alto.) Então? Agora estás bem comigo?...

Gabriela (Muito alegre.)- Pudera não!

Capitão-General - Seremos amigos! Venha de lá um abraço!

Gabriela - Com mil desejos! (Salta ao pescoço do Capitão-General e abraça-o; neste momento, Carlos aparece ao fundo.)

Cena X editar

Os mesmos e Carlos


Carlos - Ah!

Capitão-General (Com Gabriela ainda nos braços.) - Meu amigo, chegaste muito a propósito. Tenho uma excelente nova a dar-te: estás livre, absolutamente livre!

Carlos (Aterrado.) - Ah! estou livre...

Capitão-General - Não te fiz esperar muito tempo... Então, não vais abraçar tua mulher?

Gabriela (Indo a ele.) - Meu amigo...

Carlos (Repelindo-a e descendo à direita.) - Não! não!

Gabriela (Surpresa.) - Como!

Capitão-General (Indo a Carlos.) - Meu Deus! com que cara estás tu!


Coplas


I


- Ter um marido essa cara

em plena lua de mel,

na verdade é coisa rara!

Faz um ridíc’lo papel!

Porventura arrependido

do casamento estarás?

Esse todo aborrecido

de todo mostra que estás.

Porém tu, não tens motivo:

sem adulação

ela tem, maganão...

maganão... maganão...

milhares de atrativos!...


II


Aqui, que ninguém nos ouve,

namoradeira ela é;

mas, não sei se alguém já houve

que fizesse aqui filé.

Tem paciência, meu caro,

pois que muito vale, crê,

ver certas coisas a claro

e fazer que se as não vê.

Mas não sejas vingativo:

sem adulação, etc.


Capitão-General - Bem. Eu deixo-te, meu bom Carlitos. Até logo! (A Gabriela.) Até logo, minha senhora. (Rindo.) Ah! Ah! Ah! (Saindo.) Maganão...

Cena XI editar

Gabriela, Carlos e Castelo Branco


(Carlos está desviado dos mais, sombrio e abatido.)

Castelo Branco (Indo a ele.) - Estou-o estranhando, senhor meu genro! Vossa Mercê devia estar alegre...

Carlos - Alegre eu!

Gabriela (Indo a ele.) - Agora que o Capitão-General já cá não está, abraça-me!

Carlos - Abraça-la! tinha graça!

Gabriela (Aflita.) - Oh! papai!... papai! Ele não me quer abraçar!

Castelo Branco - Pois não insistas, rapariga. (A Carlos.) Vossa Mercê é um ingrato. Saiba que a ela é que deve a graça que acaba de obter!

Carlos - Mas foi com a minha desgraça que se pagou semelhante graça! Abraçá-la! Tinha graça!

Gabriela (Ao pai.) - Então, ele já sabe do cochicholo...

Castelo Branco - Provavelmente foi o ajudante de ordens que lho disse.

Gabriela - Pois bem! já que sabe de tudo, diga-me: não foi uma boa idéia?

Castelo Branco - Sim?

Carlos (Levantando as mãos para o céu.) - Uma boa idéia. Que cinismo!

Castelo Branco (A Gabriela.) - Vês? está contrariado! A culpa foi tua... Eu bem te disse: Não insistas, rapariga... Devias consultá-lo...

Gabriela - Pois preferias ficar na prisão por amor de uma insignificância?

Castelo Branco - E deixe dizer-lhe: ele já estava um tanto estragado, velho, sujo...

Carlos - É o requinte do cinismo!

Gabriela - Vamos lá! A intenção era boa... Só deves olhar para a intenção... (Com meiguice.) Então, meu queridinho?...

Carlos (Desabridamente.) - Eu não sou seu queridinho!...

Castelo Branco (À parte.) - Palavra d’honra! Nunca o supus tão agarrado ao dinheiro! (Alto, a Gabriela.) Não insistas, rapariga!

Gabriela - Isto não tem jeito!


Coplas


I


- Para livrar-te de medonha

prisão, astúcias empreguei,

e tu me fazes carantonha...

qual a razão? Não sei... não sei...

Pois deves estar satisfeito!

quem mais fará por ti? Ninguém!

Anda lá, foi pra teu bem

que fiz o mal que já ‘stá feito.

Deixe estar que te ensinarei...

Eu nada mais por ti farei!


II


Os bens que eu trouxe em casamento

menos valor, bem sei, vão ter;

porém nem todas, rabugento,

mesmo esse pouco hão de trazer.

Ó céus! que cara enfarruscada!

Ó céus! que olhar feroz! feroz!

Não tens razão, pois, entre nós,

o mal que eu fiz não vale nada...

Deixe estar que te ensinarei

Eu nada mais por ti farei!


Gabriela (Vendo que Carlos está calado.) - Então, não me dizes nada?...

Castelo Branco - Deixa-o lá rapariga... não insistas, não insistas... vem para junto de teu pai...

Carlos - Oh! pode-a levar para sempre! Restituo-lha!

Gabriela - Hein?

Castelo Branco - Restitui-ma!

Gabriela - Como? Por causa de uma bagatela?

Carlos (Amargamente.) - Sim, minha senhora, por causa de uma bagatela.

Gabriela (Aflita.) - Ah! papai!

Castelo Branco - Não insistas, rapariga! (A Carlos com dignidade.) - Está bem, tomo conta outra vez da minha filha... Seu velho pai cá está para ampará-la... Coragem, Gabriela, coragem!

Gabriela (Com esforço.) - Hei de tê-la, papai, hei de tê-la! Adeus, senhor...

Carlos (Secamente.) - Adeus! (Sobe a cena e dirige-se à esquerda.)

Castelo Branco Meu genro... quero dizer: senhor, eu não o cumprimento, ouviu? Vamos rapariga! (Sai. Gabriela vai para sair também, mas deixa-se cair em uma cadeira e desata a chorar. Carlos, que tinha parado no fundo, volta-se e dá com ela.)

Cena XII editar

Gabriela e Carlos


Carlos (Voltando, à parte.) - Ela chora...

Gabriela (Vendo-o.) - Ele! Oh! Não quero que veja estas lágrimas! (Passando diante de Carlos, enxuga os olhos vivamente.)


Dueto


Carlos - Tu choras, meu amor?!

Gabriela - Não choro, não, senhor... e se chorar, oh! não se importe!

Carlos - Queres em vão parecer forte! Tu choras, meu amor...

Gabriela - Chorar! Eu? Não, senhor.

Carlos

- Chorando me desarmas!

de ti quero fugir,

porém a essas armas

não posso resistir!


Juntos


Carlos - Chorando me desarmas! etc.

Gabriela

- As lágrimas são armas

que devo lhe encobrir...

Convém não avistar-mas,

pois quero resistir!

Por que tamanha inquietação?...

Veja, senhor: não choro, não!

Carlos - Mas...

Gabriela - Quê...

Carlos - Estás bem certa disso?

Gabriela - O pranto meu não desperdiço.

Carlos - Com que então, não choras, não?

Gabriela

- Chorar! Por quem? Por ti? Oh! tinha graça...

Dar pranto e receber ingratidão.

Choramingar! Ai! que chalaça!

Não, não, senhor, não choro não!

Carlos (Vivamente.) - Tu choras!

Gabriela (Fracamente.) - Eu não choro, não.

Carlos - Tu choras!

Gabriela (Mais fracamente.) - Eu não choro, não.

Carlos - Tu choras!

Gabriela (Desatando a chorar.) - Eu não choro, não...


Juntos


Carlos - Chorando me desarmas, etc.

Gabriela - As lágrimas são armas, etc.

Carlos - Gabriela!

Gabriela - Carlos!

Carlos - Jura que não me enganaste!

Gabriela - Enganar-te eu! Pois supuseste!...

Carlos - Sim. sim! Não é possível! Onde tinha eu a cabeça?! É que este perdão dado de repente... Dize como o obtiveste.

Gabriela - Não posso...

Carlos (Mudando de tom) - Não podes?

Gabriela - Fiz um juramento...

Carlos - Não ousas confessar! Já não duvido de coisa alguma! Tenho plena certeza de tudo!

Gabriela - Então, meu queridinho!

Carlos - Cale-se!... Eu não sou seu queridinho! Deixe-me! deixe-me! Eu enlouqueço, meu Deus! (Deixa-se cair em uma cadeira à direita.)

Gabriela (Fazendo o mesmo em outra cadeira à esquerda.) - Afinal de contas, o que lucro eu com o haver feito sair da prisão?

Cena XIII editar

Os mesmos e o Capitão-General


Capitão-General (A Carlos.) - Então o que é isto, Carlitos? Ainda arrufados?

Carlos (Erguendo-se.) - Ah! Vossa Excelência não me dirá?...

Capitão-General - Não te direi absolutamente nada. És muito curioso!

Gertrudes (Fora.) - O Senhor Capitão-General! Onde está o Senhor Capitão-General?

Capitão-General - Que bulha é esta?

Cena XIV editar

Os mesmos, Getrudes, Manual de Souza, Teobaldo, Castelo Branco, Oficiais de lanceiros e Soldados.


Gertrudes (Aparece ao fundo trazendo Manual de Souza arrastado e seguida por Todos.) - Ah! ei-lo ali! Venha! venha!

Manual de Souza - Mas, Gertrudinhas...

Gertrudes - Cale-se! (Ao Capitão-General.) Agora, Excelentíssimo Senhor, não pode ficar para outra vez! Ela cá está!

Capitão-General - Ela quem?

Gertrudes- Ela, a original do retrato.

Capitão-General - Então, deve ser ele! Ela o original! É original!

Gertrudes - A amante de meu marido! Ainda não há dois minutos, passando por uma das salas do palácio, vi pendurado á parede... O quê? O mesmo retrato em ponto grande... Tal e qual este, Excelentíssimo Senhor. (Tira o retrato da algibeira e mostra-o.)

Capitão-General (Olhando, dá um grito.) - Que vejo! (Á parte.) Minha mulher! (Vendo Manual de Souza.) Vamos! Decididamente a defunta não merecia a minha vingança. (Alto a Carlos.) Carlitos, podes abraçar tua mulher, dou-te minha palavra de honra...

Carlos e Gabriela - Oh! (Abraçam-se.)

Carlos (Baixo a Gabriela.) - Mas o perdão? Como o obtiveste?

Gabriela - Dei-lhe o cochicholo de papai.

Capitão-General (A Gertrudes.) - Pode carregar com seu marido.

Gertrudes - Ah! Manual de Souza!

Capitão-General - Está terminada a comédia. (A Gabriela.) Minha senhora, compete-lhe cantar o couplet final.

Gabriela - Mas, Senhor Capitão-General...

Castelo Branco - Não insistas, rapariga!

Gabriela (Ao público.)

Ai! que vidinha! que vidão!

com meu marido

estremecido

agora eu vou ter, verão!

Somente resta

no fim da festa,

saber se a peça agrada ou não...

É pois mister

que eu, a tremer,

vos fale e peça o que vos peço:

mil palmas sai,

assegurai

À Casadinha um bom sucesso!

Todos (Simultaneamente.) - À Casadinha um bom sucesso!

Gabriela

- Olé! tirolé! lé!

é bom bom bom bom

O casamento, olé!

Todos - Olé! tirolé! lé!, etc.


[(Cai o pano)]