Gaspar esperou em vão por alguma carta, algum recado, qualquer palavra que viesse da parte de Gabriel. Decididamente, Ambrosina havia triunfado; entre o padrasto e o amante, Gabriel escolhera a última.

E o que havia nisso de extraordinário?... considerava o Médico Misterioso. Agora, o que convinha fazer com urgência era livrar o pobre rapaz, fosse lá como fosse, das garras de Ambrosina, porque Gaspar muito se enganava, ou ali estava uma mulher com todos os elementos para levar aquele às últimas degradações.

Gabriel com efeito ia absorvendo, nos braços da amante, o vírus traiçoeiro da ociosidade. Um aborrecimento profundo começava a corromper-lhe o caráter e a dispensar-lhe a energia; às vezes se quedava ele longas horas a olhar abstratamente para o mesmo ponto, sem coragem para cousa alguma, e só um afago mais violento de Ambrosina o fazia então voltar a si.

Mas estes mesmos se iam relaxando, à proporção que a convivência estabelecia entre os dois a inevitável saciedade. Gabriel, na vida que levava, só conhecia ricos ignorantes ou homens indiferentes aos gozos do espírito. O mundo dos artistas, dos intelectuais, o meio em que cada um vive de uma idéia e caminha firmando-se em um nome, conquistado pelos esforços de todos os instantes; esse meio não o conhecia ele, e o frêmito das vitórias do trabalho só lhe chegava aos ouvidos, como a longínqua música de uma batalha de estrangeiros.

Ambrosina, não obstante, insistia na sua idéia de dar uma festa. O Rêgo e o Melo Rosa encarregaram-se de encomendar o jantar e tratar da decoração da casa. Ela escolheu um rico vestido de seda cor de creme, com o qual faria as honras da recepção; Gabriel distribuiu alguns convites, e, às cinco horas da tarde do dia marcado, principiaram a chegar os comensais.

Genoveva fora de véspera para ajudar nos arranjos da cozinha, e Alfredo apareceu logo que pôde largar o trabalho.

Exibiu o restaurado viúvo uma fatiota de brim branco, cujo apurado da goma dizia eloqüentemente os desvelos amorosos da sua nova companheira. Estava muito melhor de fisionomia e andava vivo e escorreito. De perfil, notava-se-lhe até um discreto princípio de abdômen.

O Melo chegou com um amigo, ao qual apresentou ao dono da casa, dizendo cousas mui agradáveis a seu respeito; e o Reguinho apareceu por último, de carro, e acompanhado por uma rapariga loura, de olhos pintados.

Esta circunstância não agradou muito a Gabriel, mas, como Ambrosina não via no fato intenção de maldade, e porque a rapariga tinha um todo acanhado e parecia portar-se com respeito, ele sacudiu os ombros e resignou-se. Além disso, não havia muito onde escolher, porque de onze convidados apenas aqueles se apresentaram. Um fiasco!

A filha do comendador, dissimulando o desapontamento, tocou antes da mesa o seu repertório de piano; e recitou uns versos, que lhe oferecera o Melo. Gabriel fazia servir os aperitivos e conversava vagamente com os convivas.

Às seis horas, acenderam-se os candeeiros de gás, e os convidados tomaram à mesa os seus componentes lugares. Principiou o jantar.

Notava-se constrangimento geral. Ambrosina, todavia, desfazia-se em obséquios e pedia que não tivessem cerimônia. Alfredo cercava Genoveva de solicitudes, falando-lhe de vez em quando ao ouvido. O Melo chamava-lhe a rir "Casal de pombinhos" e outras cousas que à matronaça não faziam bom cabelo, a julgar pelas suas olhadelas, repreensivas e cheias de conveniência, atiradas contra aquele.

Desenvolvia-se o jantar, e o acanhamento ia desaparecendo à proporção que as garrafas se esvaziavam. Ambrosina recuperava o bom humor e comia já com apetite. Alfredo elogiava o vinho e atochava-se de leitão assado.

— É o que se leva deste mundo! observou-lhe o Melo regaladamente.

E o tempo corria. Repetiam-se os pratos e os copos; iam-se animando as fisionomias, e o vinho dava afinal à reunião uma caráter ruidoso e alegre. A própria rapariga do Rêgo, a princípio tão esquerda, arriscava já uma ou outra frase com pretensões a pilhéria.

— O caso é ela enxugar um pouco! explicava o Rêgo; e prometia que lá para o fim do jantar estaria soberba.

— O senhor confunde-me... respondeu a infeliz, abaixando maliciosamente os olhos e procurando ter graça.

Gabriel queixava-se de que faltava ali muita gente; dos seus convites só quatro vingaram.

Nestas ocasiões é que se conheciam amigos! sentenciou o Melo.

Ambrosina pedia a Gabriel que se não mortificasse e, passando-lhe o braço na cintura, deu-lhe um beijo na orelha.

Veio a sobremesa. Estourou o champanha, e o jantar esquentou logo.

O Rêgo ergueu-se para um brinde.

— Meus senhores! disse ele; bebamos à saúde de um jovem que, por suas virtudes e por seu talento, muito merece de nosso respeito e de nossa consideração... Bebamos à saúde daquele que hoje nos reúne nesta casa, ao som dos alegres estampidos da viúva Clicôt!

— Estampidos da viúva? Livra! bradou o Melo.

— Ao dr. Gabriel! exclamaram muitas vozes.

Todos corresponderam, e Gabriel levantou-se de taça em punho, para agradecer o brinde e o comparecimento dos seus convidados.

Ouviu-se então uma infernal gritaria de "Hup! Hup! Hurra!" e os copos se chocaram entre gargalhadas e exclamações de prazer. Já falavam todos ao mesmo tempo, e o tal companheiro do Melo, até aí silencioso, abriu a fazer discursos com tal fúria, que não havia meio de o conter.

Alfredo servia Genoveva de vinhos e oferecia-lhe várias guloseimas, que ela em geral recusava, abaixando os olhos, cheia de decoro, mas esfogueada.

Entretanto, ia-se fazendo por toda a mesa um rumor de desordem. Já ninguém se entendia. Interrompiam uns aos outros, sem a menor cerimônia; ouvia-se no meio do barulho a voz excitada do Melo, a dirigir um brinde à Ambrosina, em que lhe chamava "Anjo de amor e proibido fruto do Paraíso".

Ambrosina ria-se muito, a pender a cabeça para trás; levantou-se e foi ter com o autor do brinde para lho agradecer. O Meio apertou-lhe o braço num arremesso de ternura.

Gabriel mandou abrir mais. champanha, e o companheiro do Melo continuava, terrível a fazer discursos. Brindou à Mocidade, ao Amor, à República e ao Prazer. A rapariga do Rêgo havia encostado no ombro deste a cabeça, e deixou-se afinal cair no colo do amante, desfazendo o penteado.

— Já ia ficando boa!... afirmava o Rêgo, a piscar o ôlho.

Alfredo e Genoveva conversavam intimamente, invernados na sua obscura ternura.

Ninguém prestava mais atenção ao que faziam os outros. Ambrosina declarava sentir-se bem. As garrafas substituíam-se quase sem intervalo, e as vozes recrudesciam de animação.

O amigo do Melo calara-se afinal, vencido por uma comoção que lhe arrancava lágrimas e soluços. Gabriel com a voz arrastada e os olhos mortos, oferecia charutos à sociedade.

Dissolveu-se a mesa. Serviu-se o café e vieram os licores. Os convidados espalharam-se pela casa. Ambrosina lembrou um passeio ao luar, no jardim; ninguém acedeu, ela, porém, deu o braço ao Melo, e com este ganhou alegremente a chácara.

Os dois, ao chegarem a um caramanchão, que havia ao fundo, estreitaram aos beijos, caindo sobre um banco, nos braços um do outro.

Ela, não obstante, negava-se, mas sem forças para se defender, e rindo.

O Melo arfava, a segurar as lunetas e tartamudeando palavras de amor. De repente ergueu-se, olhando para os lados. Sentira passos ali perto! Ia jurar que alguém. os espreitava!...

— Não é nada... dizia Ambrosina, com os olhos cerrados e os lábios soltos.

E puxava-o pelas abas do fraque.

O Melo tornou a cair sobre o banco.

Alguém com efeito os havia espreitado. Os passos ouvidos pelo rapaz eram do Médico Misterioso que, depois de espiar lá de fora por algum tempo a festa de Gabriel, seguira com a vista Ambrosina quando esta ganhou a chácara com o Melo; depois penetrara sorrateiramente no jardim, fora até ao caramanchão e, tendo observado o que aí se passava, dirigiu-se para a sala de jantar.

Entretanto, a festa degenerada em orgia, arrastava-se já entre bocejos. Gabriel, negligentemente estendido numa preguiçosa, fumava, a olhar abstrato para a rapariga do Rêgo, nesse momento muito empenhada em descolchetar o seu espartilho, depois de ter desfeito de um dos sapatos; enquanto o seu extraordinário amante, ainda na sala de jantar, preparava em uma saladeira um formidável ponche, e mortecia a luz dos bicos de gás para dar mais realce às lívidas chamas do álcool. Alfredo queixava-se à Genoveva de que havia comido demais, e estava às voltas com a sua dispepsia. A boa mulher dava-lhe a beber água de melissa. E ouvia-se a voz arrastada de Gabriel, chamando com insistência por Ambrosina.

Gaspar, de braços cruzados ao fundo da sala, olhava para todos eles, com um ar sombrio. Só Genoveva dera com a sua presença, e desde então lhe acompanhava o movimento dos olhos.

Gaspar atravessou a sala e foi bater no ombro do enteado. Gabriel voltou a si e o encarou atônito.

— Avia-te! segredou o médico; temos que sair daqui imediatamente!

— Para onde?..

— Para o diabo, mas avia-te!

Gabriel levantou-se, cambaleando.

— Para onde me queres levar?...

— Em caminho conversaremos. Anda dai!

E Gaspar segurou-o pelos braços, na esperança de aproveitar o estado de quase inconsciência de Gabriel.

— E Ambrosina?.. perguntou este.

— Virá depois.

— Não! Eu só irei com ela!

— Ela não pode vir!

— Por quê?...

— Porque não!

— Então, larga-me!

— Gabriel, atende ao teu único amigo! Repara que estás cercado de vergonhas! Olha que é a perdição que se respira aqui!

— Se Ambrosina merecesse tal dedicação, vá! porém, ela, desgraçado, zomba de ti! engana-te com outro!

— Mentes, miserável!

— Não sei! deixa-me!

— Nada de bulha, e ouve o que te digo... Prometes acompanhar-me, se eu te provar a infidelidade de Ambrosina?...

— Prometo!

— Pois vem cá. Não faças rumor com os pés... atravessemos este corredor... Bem! agora passemos por este lado do jardim... Espera; reprime um pouco a respiração e abafa os teus passos... Agora entremos nesta alameda... Aí! Olha por entre estes galhos... O que vês?

A própria embriaguez e a sombra das folhas não permitiram logo a Gabriel reconhecer a amante nos braços de Melo Rosa; mas, pela voz dos dois e pelo que diziam, certificou-se num relance de que era traído e precipitou-se com fúria sobre eles, exclamando como um louco:

— Infames! Infames!

Gaspar, porém, senhoreou-se vigorosamente do enteado, enquanto Ambrosina e o Melo corriam pelo jardim.

— Larga-me! bradava Gabriel, procurando escapar das mãos do padrasto; larga-me, ou enlouqueço!

— Não! daqui sairemos juntos. Nem voltarás lá dentro; nada tens que fazer nesse covil de miseráveis! Saiamos pelo portão do jardim, amanhã mesmo partiremos para o Rio de Janeiro!

— Deixa-me! deixa-me! insistia Gabriel.

Melo Rosa conseguiu ganhar a rua e fugir, justamente quando o amante iludido lograva escapar dos braços do amigo.

Esta cena levantou grande rumor, pondo em sobressalto os que estavam na casa. Mas na ocasião em que Gabriel se dispunha a perseguir o Melo Rosa, ouviu-se um bramido terrível e em seguida um grito de Ambrosina:

— O louco!

Com efeito, era Leonardo que surgia. Há dois dias fugira do hospital e vagava foragido pelas ruas do arrabalde, até que o acaso lhe fizera dar com a casa da mulher.

Genoveva tivera tempo de fechar a porta da sala, mas o doido, com um empurrão, metera-se dentro, produzindo formidável estrondo.

O amigo do Melo, que dormia num canapé, acordou sobressaltado e corria à toa pelos quartos. Alfredo, tiritando de susto, ganhou um canto da sala de jantar e escondeu-se. A sujeita do Rego, a suster as saias, gritava que a tirassem daquele inferno, e Genoveva, tratando de fugir, puxara do seio um rosário e rezava atrapalhadamente as orações que lhe vinham à boca.

Ambrosina, entretanto, ao reconhecer a figura terrível do marido, correra para o jardim, mas, dando aí com Gaspar e Gabriel, voltara estonteada, exclamando, a abraçar-se com a mãe:

— Salve-me! Salve-me! Todos eles me querem matar! Salve-me, por amor de Deus!

Leonardo havia parado no meio da casa, imóvel, tinha na mão o trinchante que apanhara da mesa.

A figura, o gesto, a voz, tudo nele era horrível. Cobria-lhe a cabeça e a cara uma porção emaranhada de cabelos secos e negros. O olhar luzia-lhe com cintilações vermelhas, e as suas narinas pareciam procurar a carniça pelo faro.

A casa converteu-se em um inferno de exclamações. De todos os lados gritos, pragas e ameaças.

Entretanto, o doido percebeu Ambrosina na sala de jantar, e soltou uma gargalhada.

— Até que afinal te encontro! berrou ele.

A mísera olhou em torno de si e reparou, trêmula, que a sala estava fechada e quase às escuras.

O doido correu para ela, empunhando a faca.

Ambrosina ia perder os sentidos, mas notou que a porta da dispensa, que dava para a sala de jantar, estava aberta, e a esperança de alcançá-la reanimou-a, porque seria fácil embastilhar-se lá dentro, deslocando uma prateleira volante que aí existia logo à entrada.

Leonardo avançava, brandindo a faca; entre ele e a mulher havia, porém, a mesa de jantar, e os dois começaram a correr em torno desta como fazem as crianças, quando brincam o "Tempo será".

Leonardo galgara a mesa aos saltos, lançando por terra cadeiras e garrafas. Aterrava vê-lo pular daquele modo, grunhindo como um torturado. Mas, se ele tinha a agilidade do tigre tinha a perseguida a destreza da camurça e, a um pulo de Leonardo, Ambrosina opunha uma pirueta, que a tirava do seu alcance.

Assim levaram algum tempo. Todavia, a desgraçada não podia resistir por muito mais: o suor corria-lhe de todo o corpo; as pernas vergavam-se-lhe de cansaço; a vertiginosa gravitação em torno da mesa fazia-lhe redemoinhar a cabeça num delírio apoplético. Sentia ânsias enormes, e ofegante, trêmula, miserável, toda ferida nos cacos de vidro espalhados pelo chão, ia lançar-se suplicante e vencida aos pés do doido, quando se abriu de repente uma das portas da sala, e Gaspar, junto com Gabriel, apareceram de relance.

— Olá! He! gritou o médico.

Leonardo voltou-se para eles, e Ambrosina teve ensejo de galgar a entrada da dispensa.

Já era tempo!

Os dois, vendo-a livre do perigo, tornaram a fechar logo a porta, com intenção de deixar o doido preso. Só então o Médico Misterioso reparou que os convidados haviam todos desaparecido, e, como para ele se tratava unicamente de fugir com o enteado, a este arrastou consigo pelo jardim e levou-o para o carro que o esperava ao portão da chácara.

Toca pra casa! disse ao cocheiro.

Gabriel, pelo caminho, protestava na impotência do seu estado:

— Mas, repara, Gaspar, que Ambrosina pode morrer na situação em que a deixamos... E um assassinato o que vamos cometer!...

— A dispensa não tem saída?

— Tem uma janela, mas a desgraçada talvez não chegue até lá!... Eu já não a amo e nenhum interesse tenho de possuí-1a mas é de meu dever não consentir que ela morra em minha casa!

— Jorge, apeia-te; dá-me o teu capote, o teu chapéu, e o teu chicote.

— É.

O cocheiro obedeceu, e Gaspar, aproximando mais a boca ao ouvido dele, acrescentou ainda algumas palavras.

— É só o que manda, patrão? perguntou Jorge depois de ouvir o que lhe segredara o médico.

— Sim, mas desejo que te saias desta vez tão bem como das outras...

— Podes ficar descansado.

— Estás armado?

— Sim senhor, e tenho a minha lanterna.

— Então, vai.

E o cocheiro tornou a pé pelo caminho feito.

Gaspar atirou o capote nos ombros, enterrou o chapéu na cabeça, empunhou o chicote e galgou a boléia.

O carro desapareceu na estrada.

Deixemo-lo seguir para a casa do Médico Misterioso, e voltemos à sala de jantar de Gabriel.

Ambrosina, mal ganhou a dispensa, atravancou precipitadamente a porta e deixou-se cair prostrada no chão. Só depois de vomitar duas ou três vezes, é que de novo se viu senhora completa dos seus movimentos e do seu espírito.

A primeira idéia que então lhe acudiu foi a de fugir para a rua; não tinha confiança naquele abrigo. Trepou logo pelas prateleiras, e ganhou a pequena janela, que dava sobre o jardim.

A noite estava silenciosa e um tanto úmida. Ambrosina só ouvia o rumor produzido pelo marido na sala de jantar.

— Com certeza ele não sairá de lá, enquanto houver ao seu alcance um objeto inteiro... pensou, montando-se no parapeito da janela; depois, dependurou-se deste pelas mãos e deixou-se escorregar para fora.

Caiu assentada na relva, e só então reparou no deplorável estado em que se achava.

E foi suja, rota, ensangüentada, sem chapéu, que atravessou a chácara.

Ao passar pela frente da casa, pareceu-lhe ouvir gritos pedindo socorro.

Querem ver que ainda há alguém lá dentro às voltas com o doido?... considerou ela.

— Ora, adeus! disse de si para si; quem quer que seja, que se arranje, como eu me arranjei!

E seguiu para a rua.

O bairro estava deserto. Ambrosina não tinha dinheiro consigo e nem mesmo sabia para onde ir. A casa de sua mãe era tão longe!... ficava no Engenho Novo, e ela achava-se ali em Laranjeiras!...

Além disso, sentia-se fatigadíssima; os pés ardiam-lhe, como se fossem calçados de sinapismos. E tão enxovalhada! Onde diabo iria ela abrigar-se! a quem se apresentaria naquele estado!

E coxeando, gemendo, a encostar-se pelas paredes, seguia tristemente para o lado da cidade.

Veremos depois o destino que teve a desgraçada.

Por enquanto, voltemos ainda uma vez à sala de jantar de Gabriel, porque, com efeito, alguém lá ficou abandonado em apuros.

Era o pobre do Alfredo; eram dele os gritos que pediam socorro.

Na terrível ocasião em que surgira Leonardo, o magro amante de Genoveva, aproveitando a exigüidade do seu corpo, conseguiu meter-se entre o guarda-louça e a parede, no canto de que falamos, certo de que ninguém daria com ele semelhante esconderijo.

Havia de ser, realmente, muito difícil em descobri-lo, aí; mas o louco, quando Ambrosina se encerrou na dispensa e Gaspar fechou de novo a porta da sala, foi surpreendido por certo ruído inominável que partia do canto do guarda-louça. Precipitou-se para lá e, aguçando os olhos, lobrigou ao fundo da toca a lívida figura de Alfredo, cujos queixos batiam como castanholas.

O louco soltou um rugido dos seus, acompanhado de uma feroz gargalhada de satisfação, e desistiu do intento de perseguir à mulher, para se atirar sobre a nova presa.

Alfredo não caiu por terra, fulminado de terror, só porque o guarda-louça e a parede o entalavam pelos ombros. Fechou os olhos e, cedendo a um rebate mais forte dos intestinos, resignou-se à morte, procurando conciliar uma idéia religiosa.