E o cavaleiro começou o seu narrar:

"Desde aquele dia maldito, meu pai pôs-se a cismar: e cismava e amesquinhava-se, perguntando a todos os monteiros velhos se, porventura, tinham lembrança de haverem no seu tempo encontrado nas brenhas alguns medos ou feiticeiras. Aqui foi um não acabar de histórias de bruxas e almas penadas.

Havia muitos anos que meu senhor pai se não confessava: alguns havia, também, que estava viúvo sem ter enviuvado.

Certo domingo pela manhã, nasceu alegre o dia, como se fora de páscoa; e meu senhor D. Diogo acordou carrancudo e triste, como costumava.

Os sinos do mosteiro, lã embaixo no vale, tangiam tão lindamente, que era um céu aberto. Ele pôs-se a ouvi-los e sentiu uma saudade que o fez chorar.

"Irei ter com o abade disse ele lã consigo — quero confessar-me. Quem sabe se esta tristura ainda é tentação de Satanás?"

O abade era um velhinho, santo, santo, que não o havia mais.

Foi a ele que se confessou meu pai. Depois de dizer "mea culpa", contou-lhe ponto por ponto a história do seu noivado.

"Ui! filho — bradou o frade — fizeste maridança com uma alma penada!"

"Alma penada, não sei — tornou D. Diogo; — mas era coisa do diabo".

"Era alma em pena: digo-to eu, filho — replicou o abade. — Sei a história dessa mulher das serras. Está escrita há mais de cem anos na última folha de um santoral godo do nosso mosteiro. Desmaios que te vêm ao coração pouco me espantam. Mais que ânsias e desmaios costumam roer lá por dentro os pobres excomungados."

"Então, estou eu excomungado?"

"Dos pés até à cabeça; por dentro e por fora; que não há que dizer mais nada."

E meu pai, a primeira vez na sua vida, chorava pelas barbas abaixo.

O bom do abade animou-o, como a nina criança; consolou-o, como a um mal-aventurado. Depois pôs-se a contar a história da dama das penhas, que é minha mãe... Deus me salve!

E deu-lhe por penitência ir guerrear os perros sarracenos por tantos anos quantos vivera em pecado, matando tantos deles quantos dias nesses anos tinham corrido. Na conta não entravam as sextas-feiras, dia da paixão de Cristo, em que seria irreverência trosquiar a vil relé de agarenos, coisa neste mundo mui indecente e escusada.

Ora a história da formosa dama das serras, de verbo ad verbum, como estava na folha branca do santoral, rezava assim, segundo lembranças do abade.